31 de maio de 2011

LAPSUS



Caros colegas,


Estamos enviando o lançamento de LAPSUS
- NÚMERO 0

Compartilhamos com vcs este novo projeto do IPB.

Não deixem de conferir!!!!

Christianni Matos - Equipe Lapsus








EDITORIAL
“Quando [...] o esp(aço) de um laps(o) já não tem nenhum impacto de sentido (ou interpretação), só então temos certeza de estar no inconsciente” . A partir desta citação de Lacan, apresentamos a vocês a proposta de LAPSUS; um lugar para ideias e opiniões, destinado a fazer parte do dia a dia dos estudantes do IPB, dos praticantes do Centro Psicanalítico de Consulta e Tratamento – CPCT, dos participantes dos Núcleos de Investigação do Instituto, bem como aos participantes em geral das atividades da EBP – BA. Em outras palavras, encorajar todos a injetar significantes em torno do furo e assim, possibilitar a construção de algo novo e singular.
Nossa ideia é convidar este conjunto de pessoas a escrever sobre algum tema do seu interesse, sobre textos no qual tenha trabalhado, ou que seja de interesse comum aos colegas do IPB. Comentar ou até mesmo relatar alguma conferência, simpósio ou seminário que participou, trazendo assim sua contribuição.
Está assim criado LAPSUS, um lugar destinado a abrir espaço para que todos possam participar dos temas que circulam no Instituto. Enfim, colocar por escrito suas ideias e interesses para debater com seus pares, e assim fazer ressoar os significantes que balizam a Teoria Psicanalítica.
Aproveitamos a oportunidade para anunciar e dividir com vocês o exemplar Número Zero deste projeto, que consta de dois textos, além deste editorial. O primeiro escrito por Anderson Viana, ex-aluno do IPB, que nos traz um testemunho sobre sua chegada ao Instituto, assim como seu percurso até encontrar-se com a psicanálise; e o outro texto, escrito por Ethel Poll, praticante do Centro Psicanalítico de Consulta e Tratamento, que traz suas reflexões sobre o que foi discutido na última reunião do CPCT.
LAPSUS é de todos nós! Venham se juntar e participar deste projeto, e com isso estabelecer um intercâmbio de ideias que desejamos estabelecer com aqueles que se interessam pela psicanálise. Sejam bem – vindos!
Christianni Matos
Equipe: Anderson Viana, Christianni Matos,
Ethel Poll, Júlia Solano e Rogério Barros.
Consultores: Bernardino Horne e Ricardo Cruz
COMO CHEGUEI AO INSTITUTO: UMA BREVE HISTÓRIA CONTADA EM TEMPO LÓGICO
Anderson Veloso Viana
Em meados da penúltima década estava no inicio da minha graduação em psicologia. Passeando na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas vi um movimento que me atraiu pela diferença. As pessoas me pareceram um pouco mais convictas. Ao chegar à sala onde acontecia o evento alguém de cabelos pretos e fortes falava castelhano para uma plateia atenta. Surpreendentemente comparava o analista a um bobo da corte! Num pequeno intervalo, brincando, atribuiu desejo a um gravador que não funcionava! Ela disse que ele não queria trabalhar. Tudo era um pouco mais estranho do que imaginava encontrar no início de um curso de psicologia. Diferente demais para quem já precisava reordenar o mundo tal como o conhecera antes. Um dado interessante era que eu já frequentava um analista nesta época, mas não tinha interesse algum em teorizar sobre aquela falação que me obrigavam. Perturbações da juventude! No entanto, não passei imune àquela visão. Observando uma regularidade nos eventos fiz a seguinte questão: por que essa gente se reúne assim aqui dentro? Não pude levar este questionamento adiante e numa mistura irresistível de sentimentos, um trauma mesmo, preferi esquecer.
Não me lembro exatamente porque, mas tempos depois descobri que essa mesma gente se reunia também fora dali, e com mais regularidade ainda. Neste tempo, Já não dava pra ver ou escutar muita coisa, mas me lembro da pessoa que seria minha professora ainda nesta mesma década. Visitando o que eles chamavam de Escola, por pura curiosidade, tive a oportunidade de conversar um pouco com ela. Não me lembro do que conversamos, mas lembro que o fizemos. O tempo passou e eu já era um aspirante de cientista quando fui seu aluno. O que ela falava em sala de aula fazia pouco sentido pra mim. Fui trabalhar, longe, ensinando ciência. Bom, ainda bem que um raio pode, às vezes, cair outra vez no mesmo lugar. Aliás, muitas vezes.
Depois de uma decisão tomada em análise, resolvi fazer o curso de formação que acontece às terças-feiras. Uma coisa me parece decisiva para o que aconteceu lá. Vinha de um longo percurso. Assim, acho que pude tirar o melhor de tudo que
começava a ver. O inconsciente tornou-se aos poucos uma crença e, principalmente, uma aposta para mim. Ir as aulas já era uma escolha que começava a construir. Uma (divan)tade de recuperar o tempo perdido crescia muito forte. O ano passou reencontrei a mesma professora, naquela mesma Escola, em uma quarta-feira de manhã e ela repetiu meu nome da maneira que fizera algumas vezes durante os anos de graduação: Anderson! Um pouco mais enfática desta última vez, afinal, algo não encaixava definitivamente. Meu nome é proparoxítono e chamá-lo com doçura é uma dificuldade inerente a esta condição.
Não teve mais jeito, tudo começava a fazer sentido. Continuo aprendendo e, principalmente, continuo fazendo análise. Recentemente tive a oportunidade de estar na aula de inauguração do curso de especialização da escola. Nesta aula, Marcelo transmitia algo da psicanálise para aqueles que começavam esta jornada falando do “efeito sujeito”. Algumas coisas pude guardar para mim e que tem tudo a ver com a história que lhes conto. Ser ou não ser é uma pergunta que se faz olhando para a morte e só há sujeito se houver dúvida. Se a certeza não vacila ela é da ordem do real. Em um momento especial, falando de Sócrates, disse que este não foi analista porque não tinha a hipótese do inconsciente. Esta é uma boa evidência de que, para os gregos, a ideia de uma “alma em mim”, representada pelos ideais da Polis, os engessava perigosamente. Por fim, gostaria de citar Lacan quando fala da dimensão trágica da experiência psicanalítica em um parágrafo precioso que tive a oportunidade de ler recentemente. Segundo ele, o que o analista tem a dar, “contrariamente ao parceiro do amor, é o que a mais linda noiva do mundo não pode ultrapassar, ou seja, o que ele tem. E o que ele tem nada mais é do que seu desejo, como analisado, com a diferença que é um desejo prevenido”. (Jacques Lacan, livro 7, p. 360) O “efeito sujeito”, ou o sentimento de “minha alma”, pode acontecer no amor de transferência se o inconsciente estiver no horizonte. Bom, esta é uma história da redescoberta de que o saber não está em lugar algum, a não ser em nós mesmos, quando sustentamos o peso do nosso nome mesmo que tenha três sílabas e a mais forte seja a primeira. Nomes são tão importantes na nossa história quanto o saber transmitido por eles. Espero muitos outros nomes na minha história. É preciso continuar supondo saber!
QUAL O TEMPO DO CPCT?
Ethel Poll
Os atendimentos realizados no CPCT marcam o encontro de um sujeito com a psicanálise, em um tempo pré-determinado. Neste espaço o sujeito é convocado a falar para que produza uma subjetivação da sua queixa e do seu sofrimento psíquico. A proposta no que se refere ao tempo de tratamento é de quatro meses podendo ser prorrogado por mais quatro.
Como praticante deste Centro de Tratamento tenho me deparado com questões sobre o final do tratamento e me perguntado qual é o tempo do CPCT? Como articularmos a questão do tempo do sujeito, com o término do tratamento?
Durante a Conversação Clínica em Barcelona, J.A. Miller propõe a noção dos “ciclos” para pensarmos sobre o trabalho nos Centros de Atendimentos. Neste encontro, com referência ao trabalho analítico, Miller sinaliza seu caráter cíclico, no qual uma análise pode iniciar-se, terminar e reiniciar-se, refazendo-se assim o percurso em um novo momento.
Com esta teorização, Miller aponta o equívoco de pensarmos a análise como infinita e diz que Lacan já encerrava esta ideia, quando compreendia uma análise como “perfeitamente terminável”. Neste sentido, este caráter finito traz em si mesmo uma completude que pode ser encerrada em um único ciclo.
No CPCT, sugere-se levar o sujeito até o fechamento de seu primeiro ciclo, o qual pode ser breve, a depender dos efeitos produzidos, mas este cálculo só poderá ser feito aprés coup. No final do primeiro ciclo espera-se que o sujeito produza efeitos que supõem um remanejamento subjetivo, uma redução do gozo implicado no seu sintoma, relançando a partir daí, um novo ciclo na direção do tratamento.
O caso Dora traz algo deste primeiro ciclo, quando ela, a partir de uma intervenção de Freud, é confrontada com sua queixa; neste momento ela mesma pode perceber que é o agente da situação da qual pensava ser somente vítima. Este movimento da paciente, de deixar de estar alheia à sua
queixa, é um novo tempo que a leva a uma nova posição frente ao seu modo de gozo.
Nos Centros de Atendimentos espera-se que as intervenções do praticante conduzam o sujeito a uma retificação subjetiva, na qual poderá resituar-se em relação a seu gozo e a seu sofrimento. Deste modo, as intervenções adquirem um efeito de ato analítico, marcando um antes e um depois, abrindo para o sujeito um novo espaço, um novo tempo.
O texto de Lacan de 1945 “O tempo lógico e a asserção da certeza antecipada” lança mão sobre a questão do tempo da psicanálise e apresenta o sofisma dos três prisioneiros com intuito de mostrar como se apresenta este movimento lógico. Depreende-se a partir destas formulações, que o tratamento do sujeito pelo discurso analítico é questão de tempo, não um tempo cronológico, mas um tempo lógico, intersubjetivo, que inclui três escansões: o instante de olhar, o tempo para compreender e o momento de concluir.
No primeiro momento, vê-se o valor instantâneo da evidência, o sujeito vê o que está fora dele, vê os outros e não sabe quem ele é; o tempo para compreender é o momento da meditação onde se realiza o trabalho de elaboração, no qual o sujeito objetiva algo mais do que lhe é dado pela aparência, é uma busca pelo reconhecimento de si próprio desprendendo-se da suposição atribuída ao outro; e o terceiro momento, o de concluir, é a asserção sobre si, na qual o sujeito antecipa uma certeza, em razão da tensão temporal e conclui o movimento lógico na decisão de um juízo.
Para Lacan a compreensão desta lógica está em captar na modulação do tempo à própria função pela qual cada um destes momentos, na passagem para o seguinte, é reabsorvido pelo último, restabelecendo assim, uma sucessão real. Assim, “o tempo de compreender pode reduzir-se ao instante de olhar, e este olhar pode incluir o tempo necessário para compreender”, assim como, “passado o tempo de compreender o momento de concluir, é o momento de concluir o tempo para compreender”.
Esta abordagem de Lacan do tempo lógico, traz uma idéia de finitude, e com este mesmo caráter da experiência analítica, Miller propõe a teoria dos ciclos. Neste sentido podemos formular que o ciclo que se inaugura, tanto para o praticante como para o analisante no CPCT, porta uma finitude inerente ao
processo analítico, que encerra os instantes de ver, compreender e concluir; e, o que aponta o término do tratamento, nos conduz a uma precipitação que vale em um momento decisivo, um novo instante de ver.
A reunião do CPCT realizada no dia 19 de março, nos possibilitou refletir sobre estas questões referentes ao tempo de tratamento. Não podemos perder de vista que “tratamos” de um inconsciente que é atemporal, num tempo que não é o cronológico; isso nos faz repensar a alternativa vigente no CPCT, e nos indica a necessidade de novos parâmetros para esta questão.
Avaliar a duração do tratamento no CPCT nesta perspectiva lógica torna o tempo mais flexível, podendo ser encerrado em quatro meses, quatro semanas ou em quatro sessões, ou seja, é algo que poderá ser definido no só depois. O importante é que o praticante esteja atento ao processo e possa através de suas intervenções produzir efeitos terapêuticos que se encerrem em um tempo lógico, conduzindo o sujeito a um novo ciclo, a um novo instante de ver.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LACAN, J. O tempo lógico e a asserção de certeza antecipada, in Escritos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998.
MILLER J. - A. (2008) Efeitos terapêuticos rápidos em psicanálise. Conversação em Barcelona sobre os Efeitos terapêuticos rápidos. Belo Horizonte, Escola Brasileira de psicanálise-Scripum Livros, 2008.
COTTET, S. A aceleração dos efeitos terapêuticos em psicanálise. In: Efeitos terapêuticos na psicanálise aplicada. Tânia Coelho Org. Contra Capa Editora, Rio 2005.

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