28 de julho de 2012

LACAN COTIDIANO Nº 215 - PORTUGUÊS





Sexta-feira, 25 de  maio de 2012٠ 22h40 [GMT+ 1]
NÚMERO 215
Eu não teria faltado a um Seminário por nada nesse mundo— Philippe Sollers
Nós ganharemos porque não temos outra escolhaAgnÈs Aflalo
AUTISMOS

HISTÓRIA DE UM REFLEXO

Yasmine Grasser

Madame Z.: B., esta é a sua história! Espero que um dia você possa lê-la. Ela começa em fevereiro de 1983, num dia daquele mês, em que eu esperava a visita das senhoras X e Y. Depois das apresentações e de explicar as razões que me levavam a querer cuidar de uma criança deficiente (na época deficiente motora), a Senhora Y nos fez algumas perguntas sobre nossa infância, sobre o modo como tínhamos sido educados e sobre nossa vida atual.

Assim começa o diário da Senhora Z., B não lerá a sua história, ele não lê, ele não fala. A Senhora Z. rapidamente compreenderá isso. Seu diário é o testemunho de um encontro entre uma criança diabética e autista e uma família que se tornou a sua. Ele tinha 5 anos e já tinha passado 3 anos de sua vida em hospitais. A partir dos 8 anos, de 1986 até 1994, ele freqüenta o IME onde eu era psicóloga. Seu encaminhamento aos 16 anos para um hospital-dia para jovens adultos não funcionará. Desde então, e até hoje, B. vive em tempo integral com “sua” família, a família da Senhora Z. Ele tem 34 anos.

A Senhora Z. me dera uma cópia de seu diário antes que B. tivesse deixado o IME. Depois de relê-lo, chamei-a. Ele se lembrava. Ela sabia da campanha sobre o autismo. Falamos longamente. A Senhora Z. deixara suas interrogações em seu caderno.

Ela escreveu, em 1988, sobre sua profissão «família acolhedora»: É difícil? Quando me fazem essa pergunta, eu respondo NÃO e sinceramente eu acho isso. É uma profissão apaixonante. Tenho a satisfação de dizer a mim mesma que houve um resultado positivo, mas quantos sacrifícios. Ela sentia que recebera pouco apoio dos serviços sociais, talvez por não terem recursos, assim como ela, diante de uma criança que tinha manifestado uma vontade impressionante de viver. Desse ponto de vista, nada mudara, me diz ela, mostrando-se preocupada com o futuro.

Ela estava lendo sobre o autismo e passou a anotar, a partir de 1987, o que lhe inspirava a leitura de A fortaleza vazia. Ela observara que as crianças na escola de Bettelheim circulavam «por toda parte normalmente», ela escreve: eu adotei esse princípio, a fim de que B. pudesse perceber os perigos. Ela manteve esse princípio, pude constatar, na época, que ela gostava de acompanhar os progressos de B. Ela recopiara esta frase de Bettelheim: «nunca tocamos no sintoma». A lição é freudiana,  sabia ela  disso? A frase seguinte mostra como ele tirou partido disso : Desde que B chegou em casa, emitia sons fortes e muitas vezes repetidos, todos os dias, sem parar, durante vários meses e pouco a pouco esses sons foram desaparecendo... (devo dizer que às vezes eu o sacudia para fazê-lo calar-se, ele parava e depois recomeçava com mais força)… isso não adiantava nada…. Ele tinha também o hábito de pegar uma colherinha e de esfregar a parte de trás nos lábios...

Ao escrever em seu caderno, desde o início, os sintomas que tomavam conta do comportamento de B., assim como sua evolução, eu percebi ao relê-lo, que a Senhora Z compreendera sozinha, ao longo dos anos, que esse comportamento desprovido de sentido não tinha nada a ver com a doença que atingia o corpo da criança. Escrever lhe permitira se defender do insuportável do real fora de sentido do sintoma sobre o qual Freud mostrou que, se ele fala, não desaparece sozinho, resiste, e que temos que aprender o que fazer com ele. A tentativa da Senhora Z. no que diz respeito a « boas práticas educativas », para falar como os comportamentalistas, não consistiu em modificar pela força a criança que lhe confiaram, mas sim em procurar  reeducá-la enquanto Outro que a  ama, responsável pela vida deste pequeno autista cuja diabete não chegava a se estabilizar. O modo como ela se situava lhe era próprio e tinha feito com que ela reinventasse para B. uma prática freudiana.

O caderno da Senhora Z. me lembra a «tentativa» de Fernand Deligny que apostou em dividir um lugar para se viver na região de Cévennes com crianças autistas. Esse homem se recusava categoricamente a falar sobre as crianças, a objetivá-las, a coisificá-las. Ele fechava suas portas àqueles que insistiam em ver nele somente um especialista francês em autismo, um expert. Mas ele dizia e escrevia para aqueles que ele recebia, que nunca deixaria de lutar contra «as marcas pedagógicas profundas[i]e contra toda a forma de «instituição terapêutica». F. Deligny e a Senhora Z., tornaram-se involuntariamente sócios virtuais do Outro sanitário e social do autismo.

Deligny pregava «a inovação» contra os saberes instituídos sempre superegóicos; a Senhora Z. queria que os serviços sociais respeitassem «a criança deficiente». Essas crianças que não falam e das quais ninguém queria saber, «Os filhos do silêncio» como escrevera Deligny, deram a cada um deles, a Deligny e à Senhora Z, uma idéia sobre o real que faz a humanidade do sujeito que fala. Os dois tentaram transmitir isso, cada um a seu modo, a seus contemporâneos. Mas a posição deles permanecia militante. Seria inútil hoje lutar sozinho como F. Deligny contra o saber-que-sabe-e-que-se-impõe-a-todos, ou adotar sozinha contra todos, como a Senhora Z., a posição daquela que não hesita em resistir aos moralistas-de-má-fé porque acredita nisso.

O mundo mudou. Os significantes-mestres que eram causa de seus combates perderam toda a atualidade sob a pressão da globalização. A verdade que eles guardavam apagou-se. O discurso do mestre não oferece mais significantes referentes, não garante mais o profissionalismo das equipes, não preserva mais as práticas nem o “savoir-faire”. O discurso universitário produz principalmente especialistas-avaliadores cujos interesses estão mais ligados aos efeitos mercantilistas da ciência, ele não leva a saber mas a fabricar a mais-valia. Lacan foi o primeiro a perceber que o saber mudara de status, descera ao ranking de sintoma individual e que a verdade que esse saber escondia era apenas gozo.
A nova ética comporta prescindir do Outro e no lugar, criar um laço social do modo de gozar que veicula seu sintoma[ii]. A experiência da psicanálise permite extrair duas formas de laço social: o comunitarismo que reúne em torno de um significante ou  de um sintoma federativo; a série que se funda no testemunho singular do um por um. Acontece que o significante autismo encontra-se hoje no cerne dessas duas formas de laço social. Por um lado, este significante une os especialistas em educação cujos métodos entusiasmam os pesquisadores; por outro lado, os sujeitos ditos autistas de alto nível testemunham um a um para defender sua singularidade. Os primeiros querem o bem do sujeito a ser educado, os segundos querem existir, com razão, e serem ouvidos. A psicanálise se interessa por todos porque ela se interessa « pelo sujeito em pleno exercício[iii] », pelo saber que ele produz, pelo seu testemunho. Além disso, ela é um recurso para o «sujeito» - aquele que ousa ainda pensar que ele é «um sujeito traumatizado» pelos falsos saberes do Outro sanitário e social que se tornou político-cientista, pelo seu desejo e seu gozo. Eu vou esclarecer esse ponto clinicamente.

B., aos oito anos, era pequeno para a sua idade. Ele era uma criança barulhenta que só andava na ponta dos pés encostando nas paredes. Ele passava o tempo todo ou olhando a água que escorria numa pia ou olhando a maçaneta de uma porta de alumínio. Essas duas atividades, diferentes, o excitavam muito. Elas eram acompanhadas de sons estridentes onde se alternavam séries de sons modulados e gritos incompreensíveis. A atividade «pia» acontecia na sala onde ele devia ficar com os outros, a atividade «maçaneta de porta» acontecia num lugar onde ele ficava sozinho. Perto da pia, B., indiferente aos outros, deixava-se atrair e absorver totalmente pelo barulho da água ressoando nos canos. Perto de um corredor, onde passava muita gente, B. ficava encostado com um ombro no marco da porta, encolhido, olhando a maçaneta ou mexendo com ela. Distinguir esses dois comportamentos foi muito importante. Perto da pia, o mundo lhe era indiferente. Perto da porta, sua presença sonora, barulhenta, cansativa, lhe valia muitas vezes algumas palavras dos que passavam. Nem sempre ele se mostrava insensível a essas palavras. Foi nesse ponto que eu o encontrei.

Fiquei um certo tempo perto dele. Foi preciso algum tempo antes que eu percebesse que B. não sonorizava sua agitação ao mexer com a maçaneta. A operação era mais complexa. Era, na realidade, a passagem de um reflexo de luz na maçaneta que ele mexia que comanda sua excitação e suas séries moduladas. Quando não aguentava mais, ele gritava, pulava, tampando todos os orifícios do rosto com seus dez dedos. Nesses momentos, ele podia dar uma olhada em volta e ver o outro. Eu passei a ficar, cada vez mais, longos períodos no corredor perto dele. Minha presença insistente e silenciosa acabou por intrigá-lo.  Ele interrompia às vezes sua agitação sonora para me olhar com o canto dos olhos e depois recomeçava. Pouco a pouco ele começou a me esperar. Ele seguiu minhas passagens do olhar. Ele olhava principalmente meus pés.

B. começou a me seguir e sempre morria de rir ao olhar meus pés. Eu acabei me rendendo à evidência. Naquele lugar, bem iluminado pela luz do dia, eu transportava em meus sapatos o «seu» reflexo. Mas eu não tinha para ele mais nenhuma importância. Depois de meus sapatos, foi a vez de meu molho de chaves atrair seu interesse. Uma dessas chaves me permitiu ter acesso ao jardim dos maiores onde eu ia com frequência. Passei a ter o hábito de deixar o molho de chaves na porta de minha sala à sua disposição. 

Não havia uma certeza de que B. pudesse ficar no estabelecimento. As equipes gostam de progressos visíveis e de atribuí-los a elas. Houve o imprevisível. Seguindo os deslocamentos de « seu » reflexo, B. entrou em minha sala e me achou.  Ele não deu meia-volta. Nunca esquecerei a troca de olhares entre ele e eu, franca, direta, interrogadora. Mas que risco nós dois corremos! Diante dos meus olhos, de repente, B. tinha ficado completamente mole. Ele estava tendo uma crise de hipoglicemia. Eu toquei em sua mão pela primeira vez e lhe falei do carrinho que eu tinha nas mãos para ele - eu sabia que ele gostava de carrinhos. Como resposta, o reflexo de um sorriso iluminou por um instante seu rosto envelhecido. Ele não estava ansioso. Deitou-se no tapete, aceitou minha ajuda e eu chamei a enfermeira para trazer açúcar.

Eu sabia que B. corria sempre o risco de entrar em coma hipoglicêmico. Uma forte emoção podia desencadear nele uma secreção de adrenalina e levar a um consumo importante de açúcar.  Mas sob aquele sorriso, havia um sujeito, um sujeito que queria ser representado junto a um Outro atento, que não tinha medo de seus comas, junto a um Outro que desejava que ele vivesse.

A partir deste momento, nossos contatos se multiplicaram. B. vinha me ver espontaneamente e eu ia vê-lo quando sabia que ele não estava em alguma atividade. Ele gostava de pintar. Ninguém mais falava de sua saída do IME. Ele fazia muito menos barulho e pisava com os pés completamente no chão. O dia a dia de sua diabete não trazia mais problemas. O ano de 1988 foi crucial, eu encontrei ecos dele no diário da Senhora Z. quando ela escreveu que para sua grande surpresa B. não era surdo como lhe haviam dito. Naquele ano, ela o inscreveu em sua cidade numa exposição de pintura e  recebeu um prêmio.

B. pronunciará discretamente nesta ocasião uma palavra, mas permanecerá depois em silêncio. Posteriormente, ele passa a puxar, preso a extremidade de um barbante, que ele arrastava atrás de si, todo o seu mundo : um sapato, uma colherinha de açúcar, uma xícara para o seu iogurte, um carrinho. Ele se sentia
orgulhoso. Quando o deixei, ele não precisava mais do barbante.

A Senhora Z. me diz ao telefone: «ele está como você o deixou, tranquilo». A tranquilidade evocada é aqui o nome da presença do Outro que a seu tempo teve sua eficácia junto a este sujeito.



[1] Deligny, F., Les enfants et le silence, editora Galilée, Paris, 1980
2 Miller, J.-A, e Laurent, É., L’Autre qui n’existe pas et ses comités d’éthique (1996-97), Curso de    orientação lacaniana, Departamento de Psicanálise, Paris VIII, inédito.
3 Miller, J.-A., “L’enfant et le savoir”, título das próximas jornadas de 2013 do Instituto da criança,               site<www.ecf.org>.







ENTREVISTA


publicada na revista semanal La Vie em 24 de maio de 2012
tradução a seguir

EU DEVERIA TER
POR GÉRARD MILLER. Eles são conhecidos, amados, muitas vezes poderosos, às vezes temidos. Mas que olhar têm sobre si mesmos?

Professor de psicologia clínica na universidade de Rennes-II, psicanalista membro da Escola da Causa Freudiana, Jean=Claude Maleval publica Surpreendentes Mistificações da psicoterapia autoritária- (Navarin, o Campo Freudiano).

JEAN-CLAUDE MALEVAL
“Nosso cérebro não é um computador”

Em que idade o senhor descobriu Freud pela primeira vez?
-Aos 17 anos, no primeiro ano do segundo grau. Estava vivendo uma grande história de amor que me fazia sofrer e não era fácil, na época, falar sobre isso, nem com meus pais, nem com meus amigos. Eu não era um aluno brilhante, mas lia muito e, um dia, me deparei com um livro de bolso de Freud, os Três Ensaios sobre a teoria sexual. O título me atraiu, o li quase escondido e fiquei apaixonado! Decidi então ir à biblioteca de Colombes e procurar todas as suas obras disponíveis.

O senhor disse então a si mesmo: “Um dia me tornarei psicanalista”?
-Disse a mim mesmo, mas não era simples imaginar isso. Meu pai era operário da indústria ótica, minha mãe bancária, eles tinham pouca cultura e mal sabiam quem era Freud - a psicanálise me parecia ao mesmo tempo complicada e inaccessível. E mais tarde, convencido de que eu devia fazer medicina, pensei em me tornar professor de filosofia.

Como o senhor pôde começar uma análise?
-Estudante procurei o Bapu, o Bureau de ajuda psicológica universitária que me encaminhou para uma psicanalista. Foi pouco antes do maio de 1968 e eu me lembro que tendo sido preso numa manifestação pela polícia eu faltei a uma sessão... que ela me cobrou e eu fiquei com raiva! Por outras razões, essa análise durou pouco e o Bapu me encaminhou para Laurence Bataille, com quem eu fiquei sete anos.

Tendo se tornado hoje uma das sumidades da psicanálise na universidade, como o senhor explica que a descoberta freudiana seja tão contestada?
- Isso se deve em primeiro lugar à ascensão do cognitivismo que concebe o cérebro como um computador. Ora, o computador não tem afetos, não tem gozo, e é isso que é terrível no cognitivismo: ele rejeita toda a dimensão afetiva, emocional. É um combate permanente para manter a psicanálise contra essa abordagem do ser humano.

Em seu último livro, o senhor explica que os desvios das técnicas “cognitivo-comportamentais” ameaçam também a psicoterapia.
- São métodos autoritários que encontram sua origem na hipnose, onde um mestre terapeuta dirige o trabalho, buscando modelar seu paciente, torná-lo de acordo com o mito do “homem normal”.

Terapeutas reconhecidos conseguiram de fato provocar epidemias de transtornos mentais induzindo a falsas lembranças?
-Sim, terapeutas americanos, por exemplo, persuadiram pacientes de que eles tinham sofrido sevícias na infância, de que tinham sido vítimas de cultos satânicos, o que teve conseqüências terríveis, como a prisão ou mesmo a morte de alguns pais. Essas terapias usam e abusam dos poderes da sugestão que nós recusamos justamente porque somos psicanalistas.

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Jean-Claude Maleval
acaba de publicar
Surpreendentes mistificações da psicoterapia autoritária
e
Escutem os autistas! 







▪ ECOS E INFORMAÇÕES ▪

Publicado pela Editora Belles-Lettres, um feito da edição erudita francesa.
Um «must» para os erasmianos !

OS ADÁGIOS DE ERASMO
Paris, 16 de dezembro de 2010.
Testemunho colhido por Paméla Ramos.

Jean-Christophe Saladin é um personagem pouco comum no mundo das Letras. Há vários anos, esse Don Quixote humanista incansável vem defendendo esse projeto louco de enfim traduzir na França os 4151 adágios de Erasmo indispensáveis à cultura de todo homem de bem, e no entanto muito raros (exceto a edição de Toronto para consulta em inglês, completa e científica, mas desencorajadora para o leitor culto não especializado). Reunindo em torno dele um grupo de aproximadamente sessenta tradutores de todas as partes, ele pôde enfim anunciar o lançamento deste incrível objeto de edição: uma caixa com cinco volumes encadernados, bilíngüe em latim-francês, dos Adágios de Erasmo. Prosélito, transversal e prescritivo à semelhança do "Príncipe do humanismo" a quem, ele e sua excelente equipe, acabam de prestar um grande serviço, ele nos explica a elaboração e a necessidade de tal obra, transmitindo-nos ao mesmo tempo o prazer da redescoberta dos Antigos pelos Modernos - ainda que os tempos atuais não se prestem muito a isso. Ler a entrevista de Jean-Christophe Saladin.


                                   ▪ A ROSA DOS LIVROS ▪

Claudio Magris, Alphabets, Paris, Gallimard, 2012, 552 p. 29,50 €.

Nathalie Georges-Lambrichs


Uma vida na literatura

Seu nome Magris na global Trieste

            Alphabets : isto é, uma abertura que não cessa de ser declinada para melhor retornar a seu Auftakt. Magris fala do que ele gosta, escreve sua « odisséia literária » (p. 17) e revisita aqueles sem os quais, diz ele, « eu não seria o que sou » (id.). Trata-se de numerosas breves notícias, formalmente próximas da Guerra do gosto, convites a leituras e releituras, publicadas em sua maioria ao longo dos dez últimos anos no Corriere della Sera.
            Mas esse livro labirinto comporta também em seu âmago alguns verdadeiros ensaios. Assim, «Praga ao quadrado», (1978), onde Magris examina os entrelaçamentos que formam os passos e as páginas dos escritores e seus personagens na cidade pelo prisma da literatura: « Quanto mais se acentua a discordância entre a vida e o papel, mais nos agarramos com paixão à vida de papel » (p.189).
            Qual é o impacto da literatura, não somente no estilo de vida dos escritores de língua alemã (mas também nos de língua tcheca, pois o estudo se estende por um século e meio) onde « desde a geração que precedia Kafka está eludida toda relação com a realidade política e social? (p. 195) Como é que se recorta e se fortifica, com a cumplicidade dos escritores e dos leitores, o gênio fatal do lugar cuja atmosfera não cessa de destilar « a nostalgia [que] se decanta como nostalgia de nostalgia » (p. 184)? Como é que Praga fomenta o destino daqueles que ela assombra e que a assombram? O que é que ela tem então – o que lhe dá, cada escritor, involuntariamente? – para que cada um termine por erigi-la « como força e como centro mítico de sua própria vida, [para] fazer dela a luz misteriosa e escondida que, sem que a vejamos, ilumina o mal estar »? (p. 201).
            Fascinada por esse « mal estar », decido me orientar nesse labirinto através de um índice de nomes próprios onde encontro o de Freud, discreto: cinco ocorrências. A primeira evoca o momento freudiano na vida de Umberto Saba, a segunda a invenção do conceito de pulsão de morte, as terceira e quarta, relativas a Hoffmann, lembram por duas vezes a pertinência da leitura freudiana.
            Resta a última, sobre a qual vou me deter.

Filho de Joyce e de Freud

Um narrador clandestino: por que Magris nomeia assim Vinicio Ongaro (p. 451-457)? É que V. Ongaro não é « um clandestino cultural reconhecido», mas « um autêntico clandestino ». Ele tornou-se ainda mais clandestino, desde que conheceu o sucesso relativo, mas inquestionável. (O Google não dá uma referência em francês). Magris encontra em V. Ongaro alguém que se preocupa em habitar um lugar adequado a sua prática: ele se situa entre a verdadeira notoriedade que garante uma entrada no clube e a perda da excitante virgindade do autor desconhecido e inédito, com uma perseverança penosa. Magris gosta daquele escritor verdadeiro que sabe mostrar o suficiente para calcular e continuar a « narrar a vida », a pintá-la «  em seu fluxo opaco » (p. 452). Ele se detém mais longamente em dois romances: Ameaça confidencial, e depois Malnisio.
            Oliviero Benet, protagonista do segundo, é um médico neurologista (exatamente como Ongaro, aliás). Ele « escutava, disponível, paternal e curioso, as pessoas, suas fantasias e suas obsessões, as histórias, a vida; ele penetrava nas espirais da angústia de seus pacientes com a leveza de um gato […] sugerindo um medicamento sem prometer milagres, mas inspirando uma confiança que já era terapêutica e pronto para agarrar, sem demonstrá-lo, com uma pata felina, a serpente da angústia para extirpá-la. Havia em seu rosto e em seu comportamento algo da retidão clara e da beleza melancólica de Freud mascarada sob uma ironia bondosa».
            Assim Ongaro nos dá, não somente um precioso indício do grau de reabsorção de Freud e da psicanálise na cultura, mas, sobretudo, essa fineza na literatura que é um estilo de vida justo e adequado ao próprio objeto com o qual se depara o escritor.
            Os psicanalistas farão seu mel deste elogio irônico e amoroso do clandestino contemporâneo, que coloca em evidência e sem nomeá-la a carta
roubada.
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▪ ECOS E INFORMAÇÕES ▪


"A Therapy", by Roman Polanski

Maio 2012
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LACAN COTIDIANO
publicado pela editora navarin
Spot pradaINFORMA E REFLETE TODOS OS DIAS A OPINIÃO ESCLARECIDA
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presidente eve miller-rose eve.navarin@gmail.com
difusão anne poumellec annedg@wanadoo.fr
conselheiro jacques-alain miller
redação  kristell jeannot kristell.jeannot@gmail.com

▪equipe do Lacan Quotidien
▪para o instituto psicanalítico da criança daniel roy, judith miller
▪membros da redação :
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▪para babel
-Lacan Quotidien na argentina e na américa do sul de língua espanhola graciela brodsky
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Tradução: Márcia Bandeira

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