27 de junho de 2013

LACAN COTIDIANO N. 333 - PORTUGUÊS




              Quarta-feira, 18 de junho de 2013 -  9h00 [GMT + 1]
NÚMERO 333
Eu não faltaria a um Seminário por nada no mundo — Philippe Sollers
Venceremos porque não temos outra escolha — AgnÈs Aflalo
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Mitra Kadivar foi a convidada da Escola da Causa freudiana, dia 15 de junho, para um  « Encontro com Mitra – Cinco meses depois ». Ela falou de seu percurso, sua posição, sua determinação em prosseguir com as ações para fazer valer a psicanálise no Irã e seu otimismo em relação a seu país - que precisamos conhecer melhor -, durante uma discussão de mais de duas horas com a platéia, animada por Jean-Daniel Matet, diretor da ECF; a Règle du Jeu e Lacan Quotidien estavam presentes.
Ela fará uma intervenção no congresso Pipol 6 da EuroFederação de Psicanálise, em Bruxelas, dias 6 e 7 de julho, « Depois do Édipo, as mulheres se conjugam no futuro ». Pipol News pediu a Anne Poumellec que lhe fizesse algumas perguntas.

Encontro com Mitra Kadivar
em Paris, rumo a Bruxelas


As eleições para a presidência no seu país acontecem hoje. Como você vê o futuro do seu país ?

É preciso saber, o que ainda é geralmente ignorado na França concernindo meu país, que o Outro do Irã nunca está onde se espera. Tudo é imprevisível no Irã ; esse país nunca atende às expectativas e, na maior parte do tempo, o que acontece é uma boa surpresa. Ontem, fui votar na embaixada do Irã em Paris, e vemos agora o candidato moderado chegar na frente : ninguém esperava por isso.
[No final da tarde, soubemos que, contra toda expectativa, o candidato moderado havia ganho as eleições no primeiro turno. « Muita coisa vai mudar » foi o comentário de Mitra Kadivar, que sublinha que esse reformador é favorável à atividade das ONGs]

-          A psicanálise para você, um encontro ?
Minha escolha de garota foi a ciência e a medicina, com a idéia de me especializar em psiquiatria, mas meu encontro com Freud, com os textos de Freud que li na excelente Standard Edition, foi perturbador : eu tinha absolutamente que segui-lo. Depois de uma primeira temporada na França, voltei decidida a começar minha análise. Ela durou 10 anos, em Paris. Aconteceu que, como meu analista era lacaniano, ele me enviou, mais tarde, a transcrição dos cursos de Jacques-Alain Miller, « A orientação lacaniana » : reconheci que havia ali um ensino – eu não encontrara nada de parecido alhures. O que ainda é determinante para mim, é a escolha forçada de Freud ; ninguém pode de forma alguma me separar de Freud, o que chamo de minha armadilha freudiana.
Ao final de minha análise, de volta a Teerã, eu teria podido, por gosto, continuar a pesquisa científica e estudar Freud paralelamente. A ignorância constatada do Outro me impulsionou a ensinar, a apresentar Freud ao Irã por intermédio de seus textos.

-          Que lugar a psicanálise toma em Teerã ? E mais precisamente, qual o lugar da psicanálise de orientação lacaniana ? Ela está presente na Universidade, nas instituições de cuidados, nos locais de formação ? Você poderia nos descrever suas atividades de transmissão da psicanálise no Irã ?

Quando eu voltei ao Irã, há vinte anos, depois de minha formação a partir de minha análise pessoal feita em Paris com um analista lacaniano, constatei que todos, universitários, psiquiatras, psicólogos, etc., pretendiam fazer psicanálise sem mesmo terem sido analisados. As pessoas também se diziam analisadas por terem feito sete sessões de uma prática qualquer pela palavra !
Compreendi que era preciso que eu começasse por dizer o que é uma psicanálise e comecei a ensinar. Ainda hoje tenho que batalhar contra a psicanálise « selvagem ».
Eu me apoio nos escritos de Freud, na minha análise, e no conhecimento de Lacan. As três dimensões (real, simbólico e imaginário) trazidas por Jacques Lacan clarificam a psicanálise e impedem as derrapagens produzidas pelos conceitos imaginários dos pós-freudianos.
Com meus alunos, retomamos os textos freudianos e, passo a passo, os traduzimos, o que nos impele a fazer uma pesquisa minuciosa entre todas as nuances propostas pela língua persa.
Para abrigar esse trabalho, consegui criar uma associação, reconhecida como de utilidade pública, e que tem o estatuto de ONG: A associação freudiana.
Essa associação é um lugar de ensino – o meu e o de meus alunos. É também o lugar onde exerço a prática de meu consultório, particularmente o acolhimento de novos analisantes – frequentemente alunos também, o que chamo de « recrutamento ».
O projeto é de acrescentar um centro de tratamento da dependência psíquica dos toxicômanos, um lugar de psicanálise aplicada, onde meus alunos poderão demonstrar a eficácia da psicanálise em relação a todas as práticas em curso atualmente em Teerã, rápidas, mas que frequentemente fracassam a médio prazo.
A história do Irã é muito antiga e sua conversão ao islã xiita ocupa apenas a quarta parte, mais ou menos. Influências pré-islâmicas (zoroastrianas e mitraicas) são muito fortes no país e as mulheres não têm o mesmo status que nos países árabes onde se estende a influência sunita. No Irã, posso afirmar que a cultura e o saber são muito valorizados, o que explica meu lugar privilegiado nesse país.


***


Philippe Hellebois e o sal do desejo do analista
Catherine Lazarus-Matet

Ah! O título é atraente, certamente, mas veremos que o sal se aloja longe dos emaranhados do sexo que abundam, no entanto, nas Histoires salées en psychanalyse1 que nos oferece Philippe Hellebois. E esse título atrairá, esperemos, para fazer com que os leitores vão além, pois a obra relata os sofrimentos da não relação sexual, os impasses do desejo, os encontros felizes ou antes infelizes com o sexo, não por uma boa dose de pornografia obsoleta, mas por elucidar cada um quanto ao que é o desejo do analista, a direção esclarecida do tratamento e a força subversiva inquebrantável da psicanálise no momento do Uns-sozinhos (Uns-tout-seuls). Ousaremos dizer Uns-salzinhos (Uns-tout-sel)…
Na « Abertura » em forma de diálogo, onde o autor é interrogado sobre suas intenções e também sobre as razões do picante (salé), degustamos: « "Salgado" (salé) quer dizer vivo, picante, espirituoso, e também licencioso, despudorado; isso toca o chiste e por aí o desejo, até mesmo o gozo. Indispensável à existência, então, mas não em excesso, pois o grão de sal pode também cair mal, incomodar quando é o feito daquele que se mete no que não é de sua conta. Essas nuances são tão pouco estranhas à psicanálise que se pode considerar que o qualificativo picante (salé) lhe caiba como um anel no dedo. Irreverente com os semblantes, ela apaixona ou irrita desde sempre bem além de seu mundo, e é de se esperar que ela não deponha as armas ».
O sal, aqui, é o do desejo do analista, aquele que, ao longo de dezenove ilustrações de tratamento (ou dezoito talvez, Abel incluído, poderia muito bem ser, duas vezes, uma vez sob forma de intruso, o sal do conjunto a não ser nomeado ; e esse Abel, o leitor ainda não advertido o descobrirá analisante por diversas razões), é a base do tempero desses relatos que não defloraremos. Sem ele, nada de tudo isso. Ou uma pitada, até mesmo muito mais, de mortificação para sujeitos que, um por um, encontrarão um ganho de vida, um grão de vida e de riso, muitas vezes lá onde não se esperava encontrá-lo.
O leitor será tomado pelo ritmo dessa escrita e pelo talento que permite misturar, naturalmente, em frases ágeis, referências a Freud, Lacan, J.-A. Miller, Gide, Shakespeare e outros ao relato de um episódio marcante ou banal e os efeitos do endereçamento ao analista. Sim, o autor gosta de escrever. Abel o confirma. Não simplesmente casos clínicos, antes um casamento da clínica e da literatura que se entendem como « trigo e papoula ». Mas, interrogando-se sobre o gênero de escrito que seria o escrito psicanalítico, Philippe Hellebois convida a considerar - o analista sendo uma « função transitória » - que é o analisante quem segura a pluma. Isso é suficiente para abordar esse exercício que faz do autor um « analisante de um gênero novo que passa pela escrita sem passar por si mesmo ».
Esse livro de histórias tem mais de um mérito : ele é lido com felicidade, tanto é escrito na bela língua de Voltaire – voltaremos a esse ponto, o autor evocando o real particular que considera que o uso belga do francês privilegia o corpo e o que não se diz, uma espécie de lalíngua belga –, tanto as frases são cinzeladas, tanto cada história sob transferência enoda com graça o romance de cada um, as formações do inconsciente (os sonhos têm aí um lugar régio) e a presença do analista.
Cada história, e são realmente histórias as que Philippe Hellebois conta, se lê como uma novidade. Os títulos de cada uma são picantes (salés) também, pelo que contêm do próprio sal da verdade do falasser. Alguns exemplos : « Uma bunda de ouro », « Antes a guerra ! », « Clara vive de nada », « Palavras congeladas », « A mulher do cinto », « Um caráter feliz », « Uma boa palmada na bunda », « Zazie no deserto », etc. Cada começo planta o cenário subjetivo até que, no final, sejamos ensinados sobre o percurso e o destino imprevisíveis e inéditos que tomaram o sintoma, o gozo, a abordagem do real e, muitas vezes, o fracasso do simbólico. Outro mérito : uma modéstia mestiçada com um estilo seguro pode, às vezes, fazer calar uma novidade pela interrupção de um tratamento, um « eu não quero saber nada sobre isso » do analisante. As histórias são a vida, lê-se na « Abertura ». Essas histórias psicanalíticas não nos contam belas histórias para nos embalar e nos fazer dormir, nem nos fazer salivar, mas nos ensinam sobre as variedades da direção do tratamento, apoiadas por um saber fazer segundo cada caso.
Philippe Hellebois nos promete uma sequência. Aqui, seria a temporada 1. O tempero 1 ! Poderíamos esperar, se não for como os dois mil personagens poéticos inventados por Balzac para a Comédia humana, uma continuação desses relatos da tragicomédia do sexo, pois nosso apetite foi aguçado pelas observações do autor, na « Dedicatória » do fim do volume, sobre um real belga ligado ao uso particular do francês. Se o charme dos belgas « é que eles falam francês, mas o habitam ao modo inglês », o que conduz a uma presença privilegiada do corpo e do não dito, continuaremos insaciados quanto a essa abordagem da letra.
Certamente porque algo dessa sutileza belga, infelizmente, nos escapa ; ou se não, porque o understatement teria vencido o corpo. A seguir ! E bravo ao analista analisante, ao escritor escrevente, ou ao analista escrevente e ao escritor analista. Tal qual o professor Tournesol, um pouco belga, que gritava « É maravilhoso ! » diante do relato das piores catástrofes, queremos ainda – não catástrofes -, mas reencontrar essa forma de passar para o público a seiva (para mudar do sal) da força da análise sobre as trombadas de destinos que não são escritos para sempre. Viva a Bélgica !

Notas
[1] Hellebois Ph., Histoires salées en psychanalyse, Paris, Navarin / Le Champ freudien, 2013. Parution en librairie le 20 juin. Disponible dès maintenant sur ecf-echoppe.com
NT : O livro não tem tradução em português, mas seu título poderia ser traduzido : « Histórias picantes em psicanálise ».A palavra 'sel' quer dizer 'sal', mas 'salées' pode ser traduzido como 'salgadas' ou 'picantes'. Preferi a segunda forma.



***
Ecos do simpósio de Miami
Silvia Macri*

Não é fácil transmitir em poucas palavras a excelente experiência que vivemos em Miami durante todo o Simpósio.
Fomos recebidos por Anfitriões de luxo que, com uma organização impecável, fizeram com que nos sentíssemos muito mais que em casa e que, além disso, nos acolheram com delícias gastronômicas às quais não será fácil fazer justiça.
O acontecimento começou sexta-feira, dia em que os especialistas locais de diversas disciplinas nos teceram um panorama global, tanto cultural quanto sociológico, da condição histórica e presente da mulher nos Estados Unidos.
No sábado, durante as mesas simultâneas onde abundou uma casuística das mais interessantes, a atualidade da clínica lacaniana foi posta em evidência : não apenas o que Lacan sabia sobre as mulheres, mas também o que se aprende, dia após dia, a partir da prática de cada um.
No domingo assistimos aos testemunhos de quatro AE que, em um novo esforço de transmissão, nos mostraram claramente como o gozo suplementar, próprio da posição feminina, pode enodar-se de maneira singular segundo o sintoma de cada um.
Finalmente, numa espécie de zapping próprio da rapidez da época, uma tribuna ocupada por eminentes colegas de diversos países nos fez ouvir as conclusões breves e apaixonantes sobre o que havia se passado durante esses três dias.
Só resta agradecer os colegas norte-americanos e os organizadores por tudo o que pudemos trazer e que nos impele a continuar estudando, pesquisando e, enfim, trabalhando pelo que nos causa : a psicanálise de orientação lacaniana.
*Membro do conselho diretivo do Centro de estudos e de pesquisa de psicanálise lacaniana de Santiago do Chile. CEIP.
Tradução do castelhano para o francês de Pierre-Gilles Gueguen
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