6 de março de 2015

Situaçoẽs da clinica psi, por François Leguil




Nosso dever não é apenas vituperar essa caricatura da verdadeira ciência; é adivinhar os efeitos do desaparecimento das nosologias “clássicas”

Evocar os efeitos do mercado farmacêutico não é nem se afligir nem se alegrar. A prescrição das moléculas que agem sobre o humor e o pensamento prevaleceu sobre a “independência” epistemológica da psiquiatria. É assim: não se voltará atrás; a medicina geral apoderar-se-á cada vez mais das práticas terapêuticas, e a neurologia redobrará sua pretensão de aí imiscuir-se. As consequências serão duplas: simplismo crescente de um lado, com seu cortejo de ingenuidades psicológicas constrangedoras; abstração extravagante do outro, traduzindo a mania cada dia mais afirmada de só se considerar a biologia cerebral.

Nosso dever não é apenas vituperar essa caricatura da verdadeira ciência. É adivinhar os efeitos do desaparecimento das nosologias “clássicas”. Ponto pacífico: essas classificações eram criticáveis e seu naufrágio não pode ser infinitamente chorado.

Contudo, as teorias que acompanhavam as semiologias reunidas pela psiquiatria, a chamada “psicopatologia”, diziam os desejos em jogo naquilo que era examinado. O sonho das novas clínicas é alcançar uma observação sem observador. Ambição que o doutor Lacan certamente teria qualificado de “não-tola”. As recomendações de multiplicar os diagnósticos, de se enviar mutuamente os “itens”, indicam que não se trata de oferecer um ponto de vista original, mas de obter uma “fidelidade inter-juízes”. O importante não é o verdadeiro ou o falso, mas que a identidade das constatações desemboque em coincidências codificadas. Essa posição é insensata.

Claude Bernard lembrava que a ciência começa com a hipótese, quer dizer com o engajamento desejante do pesquisador. O “ateorismo” atual em nada lembra os ideais da ciência sem os quais a psicanálise não teria sido inventada.

Aliás, o problema dessas novas classificações não é tanto apagar a diferença entre a neurose e a psicose, mas ignorar a histeria e a paranoia, que são duas modalidades essenciais da relação do sujeito com o saber: a do desafio que semeia a dúvida em nome da verdade; e a da desconfiança que denuncia o lucro e a parcialidade, escondidos por trás do pretexto do conhecimento.

Assim, podemos apostar que esses novos saberes inspirados nesse “ateorismo” serão acolhidos seja com o riso zombeteiro que vai assinalar seu ridículo, seja com a hostilidade que estigmatizará sua ilegitimidade.

Tradução de Alain Mouzat

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