4 de março de 2011

[EBP-Veredas] Notas avulsas - XII Jornadas da CLIPP


Notas avulsas

01 de março de 2011

A escalada do racismo bem como um aumento da violência nos processos de segregação associado ao advento dos mercados comuns foram preconizados por Lacan nos anos 60-70. O tema desta Jornada foi bastante trabalhado pela Associação Mundial de Psicanálise durante anos. Em seus cursos, especialmente entre 1985 e 1999, J.-A. Miller trabalhou estes temas articulando-os à inexistência do Outro e ao real.

Em 2011, quando voltamos a interrogar a segregação no mundo atual, é necessário retomar alguns pontos para que se possa avançar. Ao relacionar este tema aos limites do Simbólico temos necessariamente que questionar como a psicanálise vem tratando o estatuto do Outro, que não existe, e quais as consequências, para o mundo e para ela mesma, dos movimentos segregativos hoje verificados.

A CLIPP publicará algumas Notas avulsas visando à preparação epistêmica desta Jornada, recuperando algo deste percurso e mais... Publicaremos também comentários de colegas da EBP, da CLIPP e de outros sobre o apartheid hoje, resenhas de alguns textos e bibliografia específica sobre o tema, etc. Acompanhe estes passos...

Carmen Silvia Cervelatti

Diretora de Ensino e Pesquisas da CLIPP

Miller, J.-A. “Racismo”. In Extimidad. Buenos Aires: Paidós, 2010, p.43.

Dentre os cursos de Miller publicados até o momento, “Extimidad” é o mais antigo, data de 1985-86. No capítulo III, “Racismo”, ele recupera os dois momentos do ensino de Lacan. Em 1973, “Televisão” (in Outros escritos, p.532) Lacan profetiza a escalada do racismo justificando-a mediante a necessidade de situar o gozo e na “Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola” (in Outros escritos, p.263) ele anunciou o futuro de mercados comuns, a globalização, e que ele será equilibrado com “a ampliação cada vez mais dura dos processos de segregação”. Diferenciando o Mesmo (o que volta ao mesmo lugar) do idêntico a si mesmo, Miller postula que há uma alteridade interna ao Outro, já que o Outro não é idêntico a si mesmo. É por isso que Lacan formulou o gozo como aquilo a respeito do qual o Outro é Outro, há uma inércia, isso que retorna ao mesmo lugar, há um real no Outro.

O humanismo contemporâneo, que tem seu suporte no discurso da ciência, quer que o Outro seja semelhante, uniforme, e se desorienta quando aparece o real no Outro como não semelhante. Diferentemente do uniforme, há algo que tende a manifestar-se, e de maneira grotesca, o horror.

O racismo moderno, da época da ciência e da psicanálise, está de acordo com o efeito prático da ciência. Mesmo sendo antisegregativa, universalizante, antiracista ao postular o “para todos”, a ciência faz do desenvolvimento um valor absoluto e tem por efeito desfazer as solidariedades familiares e comunitárias, um efeito desagregativo e de liberação. É a esta desagregação que Lacan se refere na “Proposição de 9 de outubro de 1967”, ela promove segregações renovadas, bem mais duras e severas. Miller diz que um psicanalista pode formular isto porque esta universalização tem seu limite naquilo que é estritamente particular. De maneira aproximativa, este particular refere-se o modo de gozo, segundo a formulação de Lacan.

“Não basta questionar o ódio ao Outro, porque justamente isto colocaria a pergunta de por que este Outro é Outro. No ódio ao Outro que se conhece através do racismo é certo que há algo mais que a agressividade. Há uma consistência desta agressividade que merece o nome de ódio e que aponta ao real no Outro” (p.53)

O ódio ao gozo do Outro, provocado pela confrontação com a maneira particular como o Outro obtém gozo, faz com que este Outro seja Outro, não mais semelhante, e passível de ser odiado. Os movimentos segregativos contemporâneos surgem quando o Outro está próximo demais, quando não mais se está dele separado. Diante desta circunstância, o Outro se mistura à pessoa; um gozo excessivo recobre novos fantasmas, localizando e imputando ao Outro este excedente de gozo, e rouba da pessoa parte de seu gozo. O objeto é sempre subtraído pelo Outro. “Este roubo de gozo o abreviamos escrevendo –φ, matema da castração” (p.55).

É um problema insolúvel? Miller diz ter este aspecto porque “o Outro é Outro dentro de mim mesmo” (p.55); a raiz do racismo, por este viés, é o ódio ao próprio gozo.

Carmen Silvia Cervelatti


Leia mais...

FREUD, S. O mal-estar na civilização [1930]. ESBOCSF, vol. XXI. Rio de Janeiro: Imago.

FREUD, S. Psicologia de grupo e análise do ego [1921]. ESBOCSF, vol. XVIII. Rio de Janeiro: Imago.

LACAN, J. Televisão. In Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., p. 508-543.

LACAN, J. Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola. In Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., p. 248-264.

MILLER, J. A. Extimidad (1985-86). Los cursos psicoanalíticos de JAM. Ed. Paidós: Buenos Aires, 2010. Capítulo III: Racismo, p. 43-58.

_______________ Salud mental y orden público. In Introducción a la clínica lacaniana: conferencias en España. Barcelona: ELP - RBA, 2007.

_______________ A salvação pelos dejetos. In http://www.ebp.org.br/enapol/09/pt/template.asp?textos_online/textos_online_busca.htm


Circula na Internet…

http://www.youtube.com/watch?v=P_X500l2rhQ

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