A felicidade comum não existe
(Entrevista de Viviane Nogueira com Éric Laurent, publicada em O Globo em 1 de maio de 2011, a matéria pode ser lida em: http://oglobo.globo.com/
O Globo: O que é "ser" normal?
Laurent: É ser "louco" como todo mundo, mas à sua própria maneira. A de cada um não é a do vizinho. A felicidade comum não existe, cada um tem as particularidades do que não vai bem em seu mundo, e que o faz enlouquecer.*
O Globo: Hoje em dia as pessoas se consideram mais normais ou mais anormais? E baseadas em quê estabelecem esses critérios?
Laurent: Nosso mundo invadido pelo ciframento de toda a atividade humana: as estatísticas, os indicadores quantitativos, a pressão para ser avaliado; produz um duplo efeito. Por um lado faz reconhecer a particularidade de seu estilo de vida como “normal”, seja qual for sua esquisitice. De outro lado, ser reconhecido como exceção à regra, como “People”.
O Globo: Por que nos sentimos tão desconfortáveis com nossas loucuras?
Laurent: Pela pressão conformista de ser "um homem sem qualidades", como dizia (Robert) Musil.
O Globo: Quando o sr. fala que a satisfação máxima é o gozo atual da sociedade, essa satisfação tem a ver com felicidade?
Laurent: A felicidade sempre foi concebida como harmonia. O imperativo de obter uma satisfação de gozo maximizada sempre ultrapassa os padrões de felicidade. Mais além de ser feliz há o “Mais”.*
O Globo: Em que medida essa satisfação máxima contribui para esse desconforto?
Laurent: Porque é um imperativo tão destruidor como foi a repressão na era vitoriana.
O Globo: Como o sr. acha que as pessoas lidam com as frustrações, decepções e outros sentimentos negativos em uma sociedade que cobra sorrisos o tempo todo?
Laurent: Esta sociedade que “cobra sorrisos “ é cruel e violenta. Ser carioca é saber lidar com isso de uma maneira própria, com o carnaval, por exemplo. Além da identidade coletiva cada um encontra seu carnaval particular, que é seu sintoma. Um sintoma é feito da impossibilidade de uma identificação única. Cada um é múltiplo.
O Globo: A superexposição atual tem a ver com isso, já que todos estão acessíveis nas redes sociais, precisam estar bem, sorridentes, realizando e adquirindo coisas?
Laurent: As redes sociais são formas de se reconhecer como os demais, apesar de mesmo assim termos a angustia de que não se é. O paradoxo é que uma rede social pode ser uma maneira extraordinária de atuar ao contrário da padronização identificatória. Pode servir para se atuar em conjunto, contra as normas e o poder. O Facebook pode favorecer uma epidemia de rebeldia como se viu no Irã e no Oriente Médio.
O Globo: Como o senhor observa o comportamento das pessoas online e na vida real? Não é muito diferente?
Laurent: As redes sociais mais interessantes para um psicanalista são as redes de encontros. As diferenças entre o papel desempenhado por cada um e a maneira particular com a qual se produz o desencontro é muito notável. Quando digo desencontro, isto inclui os casos nos quais o encontro desemboca em parceiros estáveis.
O Globo: Para onde o sr. acha que vamos caminhar a partir daqui? Esses conceitos e filosofia de vida vão se potencializar ou poderá haver uma ruptura nesses padrões?
Laurent: Vamos padecer mais a cada dia dos paradoxos das loucuras cotidianas, tratando de encontrar nossas soluções, um a um.
*frase corrigida com base no original.
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