7 de maio de 2011

IX CONGRESSO DA EBP - OS LIMITES DO SIMBÓLICO NA EXPERIÊNCIA ANALÍTICA, HOJE


IX CONGRESSO DA EBP

OS LIMITES DO SIMBÓLICO NA EXPERIÊNCIA ANALÍTICA, HOJE

Tiradentes... Cidade das Minas Gerais que conta história, templo do barroco onde arte e natureza se confundem, córregos pincelam os arredores emoldurando a beleza do lugar. Esta mistura resulta na singeleza aconchegante que deu o tom ao IX Congresso da EBP, proporcionando um momento de encontro, de revitalização e instituição de laços, de entrada de novos membros, de mudança de diretoria e presidência... Mas também um momento em que, antecipando o próximo Congresso da AMP, a ordem simbólica no século XXI mostrou-se, através dos trabalhos apresentados, não ser mais como era, e que efeitos tem os seus limites na clínica de cada um, hoje.

O programa do Congresso cumpriu uma extensa agenda que incluiu conversações (Institucional e Clínicas), mesas redondas, ensino do cartel do passe e duas mesas do passe, ocasiões em que AEs em exercício - Sérgio de Campos, Silvia Salman (Membro da EOL-Argentina), Angelina Harari e Leonardo Gorostiza (Membro da EOL / Delegado Geral da AMP e da AMP-América) - puderam contribuir com seus depoimentos.

Isto, não sem o delicioso toque mineiro da culinária, da música erudita e do chorinho.

No domingo, o Congresso teve seu encerramento marcado pela Assembleia Geral Anual, quando foram apresentados e aprovados os relatórios da Diretora Secretária – Simone Souto - e do Diretor Tesoureiro - Luiz Fernando Carrijo da Cunha - da gestão que compreendeu o período de abril 2009/abril 2011, além do discurso de despedida do antigo diretor, Rômulo Ferreira da Silva.

A nova diretoria foi composta por Cristina Drummond (Diretora Geral), Lilany Pacheco (Diretora Tesoureira) e Ondina Machado (Diretora Secretária), para o período que se estende até abril de 2013. O Conselho Deliberativo da EBP passa a ser presidido até abril de 2012, por Ana Lydia Santiago.

A elas, um excelente trabalho!!

Cristina Maia

(Em anexo e abaixo, seguem os discursos de Cristina Drummond e Ana Lydia Santiago. Para ler os anexos, deve ser feito o download, clicando 2 vezes em cima e mais 1 vez no título da conferência)

Discurso de posse

Diretoria EBP 2011-2013

Cristina Drummond

Tiradentes, 1º de maio de 2011

Queridos colegas,

Aceitar o convite do conselho da EBP para ser diretora de nossa Escola também me colocou a questão da relação do simbólico com o real. Miller nos ensinou que ser nomeado está no princípio de toda inserção simbólica do ser, afirmação que podemos colocar ao lado daquela de Lacan de que a nomeação é a única coisa que temos certeza que faz furo. E foi desse ponto de partida que me pus a pensar de que maneira seria possível trabalhar nesse lugar. De imediato eu não tinha a menor idéia de como fazer e, se reconhecia meu desejo de trabalhar pela EBP, isso não era sem angústia. Mas havia tempo para elaborar.

Uma reunião com a diretoria anterior me fez ver o muito de trabalho que me aguarda. Também me fez ver o muito que essa diretoria conduzida por Rômulo trabalhou e avançou. Já caminhamos muito nesses mais de quinze anos. Hoje temos uma Escola que se espalha por todo o país e uma comunidade de trabalho que tem uma orientação clara e decidida. Essa orientação faz Um em nossa multiplicidade e em nosso vasto território e foi nesse sentido que as diretorias anteriores trabalharam, tendo um forte laço com nosso conselho. Uma Escola de trabalhadores decididos pela psicanálise de orientação lacaniana, inserida em nosso país, em nossas cidades e em nosso tempo.

Temos sessões atuantes, uma em processo de se constituir como tal, e delegações que, orientadas por nossa política e com a presença constante de nossos conselheiros, trabalham e participam dos encontros de nossa comunidade onde fazemos convergir nossas investigações e lançamos perspectivas a serem avançadas.

Uma comunidade que cresce, mas que não se descuida da formação de cada um, que quer acolher a particularidade e a enunciação de cada um de seus membros e que situa a causa analítica em seu cerne. Temos um cartel do passe atuante e podemos aprender com os relatos de sua experiência, assim como com o ensino de nossos AEs.

E é assim que quero continuar nesse caminho, contando com os colegas que já nos conduziram nessas trilhas e levando adiante os projetos que se realizam nos diferentes âmbitos de nossa EBP.

Como trabalhar por uma Escola que esteja à altura de responder aos impasses do simbólico em nosso mundo contemporâneo? Como trabalhar por uma ética que aposta no inconsciente num mundo que quer esquecer disso?

Pensava em como iria enfrentar esse novo tempo de trabalho na EBP e na turbulência desses pensamentos fui passar a semana de carnaval em Roterdã, visitando minha sobrinha arquiteta que continua ali seus estudos de urbanismo. Ali, significa trabalhando em várias cidades do mundo, porque nessa escola estamos muito longe do pensamento de Lao-tse, que dizia aos chineses que não havia nada na aldeia vizinha que não pudessem encontrar na sua própria. Essa viagem me fez pensar na presença do simbólico em nosso mundo e em nosso tempo, e na capacidade criativa de reconstrução e de invenção a qual o real nos empurra.

Roterdã é uma cidade curiosa, com a linda ponte Erasmus e uma parte antiga que lembra Amsterdã. No início da década de 40, durante a 2a. Guerra Mundial, grande parte do centro e do porto foi destruída por bombardeios. Para reerguer a cidade, e impedir que os negócios migrassem para Amsterdã, foi necessário reconstruir os prédios e ruas devastadas. Grandes empreendimentos foram construídos em estilo moderno, tornando Roterdã um destaque mundial pela sua arquitetura inovadora e que busca sempre novas alternativas e soluções.

O Instituto Berlage é um centro muito contemporâneo de investigação sobre as estruturas das cidades e a função da arquitetura nelas. Os alunos são de todas as partes do mundo e ali não se fala holandês, língua muito difícil para os estrangeiros.

No Museu Boymans-van Beuningen, podemos contemplar uma das duas versões da Torre de Babel de Brueghel, datada de 1563. Essa tela parece um retrato da força de reconstrução e de criação dessa cidade.

A estória da torre de Babel, narrada no livro do Gênesis, é um mito da diversidade cultural e do mal entendido do simbólico, e esse quadro testemunha o tempo de uma arquitetura das torres que falavam da presença de Deus e do poder de quem podia decidir sobre o que se deveria construir na cidade. A pintura de Brueghel é contextualizada na Flandres do século XVI, uma espécie de reescritura com cenas e detalhes tipicamente flamengos de sua época: alusão às navegações, ao comércio marítimo e apresentando uma paisagem urbana. Ela retrata o desconforto social experimentado com o rápido crescimento urbano advindo do progresso material deste início da Modernidade e pela intervenção do novo Imperador que queria impor ali a unicidade da fé católica. A pintura é uma crítica às estruturas que servem para a exaltação do poder terreno e do acúmulo de riquezas. Babel coloca em xeque estas estruturas, apontando para a transitoriedade de todo o poder terreno, reafirmando a futilidade do esforço humano na busca da glória perene, derrubando por terra a pretensa onipotência humana.

Tempos em que ainda se acreditava que os ideais poderiam orientar os seres falantes. Tempos que também originaram os empreendimentos, tais como os que ainda se apresentam nas neurociências, de buscar uma língua única, que fosse de uso para todos. Para a psicanálise, é justamente na multiplicidade que o sujeito pode se alojar e a cada viagem que um sujeito faz no encontro com um analista, há a possibilidade de invenção do inconsciente. Nossa viagem busca os rastros de lalíngua, aquela que marcou de forma única o corpo de cada um. É uma viagem de leitura do que o sujeito pôde recolher em sua biblioteca particular, que se mostra ser infinita

O quadro de Brueghel me lembrou do conto A Biblioteca de Babel, de Borges, que considero fazer parte das referencias simbólicas de nós, analistas. Há um momento em que um bibliotecário de gênio descobre a lei fundamental da Biblioteca. Ele conclui que todos os livros constam de elementos iguais: o espaço, o ponto, a vírgula, as vinte e duas letras do alfabeto. Nessa biblioteca estava tudo o que se deu a expressar, em todos os idiomas. “Tudo”, o tudo já estaria escrito. E quando se proclamou que a biblioteca abarcava todos os livros, todos os homens ficaram felizes porque ali se encontrava a solução para qualquer problema, justificando o universo. Também se esperou o esclarecimento dos mistérios básicos da humanidade. Esperanças vãs. Uma superstição a mais daquele tempo: a existência de um livro que fosse a cifra e o compêndio perfeito de todos os demais. Nesta biblioteca qualquer combinatória de letras remeteria a algum sentido, em alguma língua. Falar passa a ser, nesse contexto, “incorrer em tautologias”.

Os limites do simbólico já se evidenciavam com seus furos refletidos na lógica dos paradoxos e anunciando um mundo no qual o Outro não existe. O que existe é o objeto a elevado ao zênite como efeito da presença maciça do discurso da ciência.

O fato de fazer parte, juntamente com Lilany Pacheco e Ondina Machado, de uma diretoria executiva constituída por mulheres me fez pensar que podemos nos valer de nossa particularidade para operar desse lugar. Dizem que nós mulheres gostamos muito de conversar. Miller diz que vivemos num mundo em que o sujeito é empurrado a tudo dizer. Diz ainda que se falamos tanto, se conversamos, cantamos, fazemos música, é para fazer calar a voz como objeto a. Já Lacan nos ensinou que sobre seu gozo, a mulher silencia, não fala nada. É sua maneira de fazer com ele.

É não desconhecendo esses pontos de furo do simbólico, do empuxo ao tudo dizer e o ponto de impossível que a língua nunca recobre que queremos promover cada vez mais nossa possibilidade de conversa. Num mundo em que a palavra se vê desvalorizada e reduzida a não transmitir qualquer traço de subjetividade, queremos fazer da conversa nosso projeto de trabalho. Nosso site terá a função de nos conectar e de fazer viva e faladeira nossa Escola. Que cada um coloque nele algo de seu e que ele possa trazer contribuições dos diferentes espaços de trabalho de nossa Escola. Queremos fazer dele um lugar do Uno na EBP, levando em conta que ele depende dos arranjos que pudermos fazer.

Nossa Escola, por sua geografia, nos faz viajar para nos encontrarmos. No cartaz desse congresso, vemos um cubo mágico que forma os mapas do mundo. O país da psicanálise não se inscreve nessa demarcação de territórios que se desenha no mapa e ao mesmo tempo se espalha por todos eles. A língua que falamos nesse país é múltipla e não se preocupa com a polifonia. O cubo mágico pode ser tomado como uma metáfora das combinações simbólicas que podem se encaixar. Os homens costumam ser bons nisso. Nós, mulheres, preferimos tecer e remendar porque somos mais tolerantes com a inconsistência. Fazemos uma bagunça com o cubo mágico, uma confusão de cores e de falta de ordenamento. Brincar assim, sem encontrar uma ordem que seria a adequada, também serve à lógica feminina. Por isso me agrada mais a outra ficção de Borges, aquela onde se vai atrás da formulação de que “os espelhos e a cópula são abomináveis porque multiplicam o número dos homens”. Me agrada esse jeito: inventar, mas com humor.

Para meu querido Rômulo, eu preparei uma pequena mochila de viagem. Da maneira que me agrada preparar: com o nécessaire e também algo que possa promover o contingente. Necessário antes de tudo são os meus agradecimentos a todo o seu trabalho. Além deles, há aqui um pouco para a praia, pois ele merece um bom descanso, um encontro com Lacan e um livro para ser doado. Um livro para viajar, não para ele levar na viagem, porque seguramente ele já está na sua biblioteca particular. Assim, além de continuar no projeto memória da EBP, Rômulo poderá inaugurar nosso projeto de completar nas bibliotecas de nossas delegações o acervo dos textos de Freud e de Lacan.

Como dizia Pessoa: “a vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos não é o que vemos, senão o que somos”. Navegar é preciso, e viajar tem seu lugar nessa lógica. Sobretudo contra a onda que quer tornar obsoletas e desnecessárias as nossas bibliotecas.

Discurso de posse

Presidência EBP 2011-2012

Ana Lydia Santiago

Tiradentes, 1º de maio de 2011

Caros colegas,

Tomo a palavra diante de vocês, em posição de analisante, considerando que este é um atributo exigido para o funcionamento da lógica própria à Escola de Lacan. O dinamismo desse funcionamento requer a dimensão da enunciação tal como esta se apresenta na experiência do analisante. Nesse sentido, a Escola torna-se depositária da solução que cada um de seus membros pôde conferir ao saber do inconsciente. Desde que a escutei pela primeira vez, essa formulação assumiu, para mim, valor e alcance especiais. É o que justifica meu interesse precoce pelo recrutamento calcado na experiência do inconsciente, forma de recrutamento que, na época, dava os primeiros passos como oferta de formação analítica no Campo freudiano.

Não sou da época em que prevalecia como forma de convivência coletiva dos analistas, os grupos. Meu encontro com a psicanálise aconteceu em meio ao movimento de dissolução dos grupos analíticos rumo à criação de uma Escola inserida no Campo Freudiano. Creio que esse fato introduziu, antes mesmo da fundação da Escola Brasileira de Psicanálise (EBP), um desejo autêntico pelo funcionamento como Escola em nossa comunidade analítica. Esse desejo despontava, assim, associado ao elemento agalmático do ensino de Lacan, que me permitiu ordenar e sistematizar o que em minha formação constituía um verdadeiro pot-pourri de doutrinas das mais diversas orientações, visando a sustentar a pratica clinica em resposta ao sofrimento de crianças e jovens. O ensino de Lacan e a experiência do inconsciente revelaram-se, a partir de então, instrumento susceptível de produzir a transferência de trabalho necessária à transmissão da psicanálise, associada à continuidade de minha formação analítica.

A meu ver, a participação no Conselho da Escola é um aprendizado inestimável para essa formação. Aliás, as surpresas com que deparamos na função de Conselheiro não são poucas. Considero que o tempo que se impõe a cada Conselheiro, um por um, é o de ele se implicar em uma dinâmica, que ultrapassa os fatos objetivos e o fazer burocrático, uma vez que se mostra aberto aos efeitos de eventos contingentes na vida institucional. Isso foi o que pude apreender da orientação próxima de Éric Laurent, durante o biênio 2009-2010, na busca de soluções para o problema da valorização do membro de Escola na EBP. Consequentemente, é o fator contingente das situações com que o Conselho se confronta cotidianamente que convoca a posição analisante necessária à elaboração coletiva dos seus membros. Tento transmitir-lhes, neste momento, um pouco do que apreendo como o modus operandi dessa instancia consultiva decisiva para o destino da EBP.

Enfatizo este último aspecto, na medida em que ele dá tom ao trabalho realizado pelo Conselho da EBP, à luz da política proposta pela Associação Mundial de Psicanálise (AMP), que intenciona acolher a experiência particular de cada Escola. É porque cada Escola carrega em seu seio uma experiência particular, que é preciso que suas instâncias saibam tratar as várias formas de sintomas que emanam das diversas esferas de seu funcionamento. Esse é o desafio que o Conselho tem assumido como uma tarefa crucial para o futuro da Escola, considerando-a, como eu disse antes, em sua particularidade mais caracteristica.

Posso lhes dizer que, nesse último ano, não temos medido esforços para levar em conta o princípio formulado por Jacques-Alain Miller, em pronunciamento intitulado Teoria de Turim, em que formula a tese de que “a Escola é um sujeito” e “o sujeito não é uma substância coletiva”. Minha experiência comprova que a prática empreendida pelo Conselho no tocante às admissões, ao passe – e, também, à discussão sobre o crescimento da Escola, sobre questões relativas a delegações, sobre a relação da Escola com a Universidade, com a saúde mental, com o movimento psicanalítico e com o discurso universal ­– pressupõe o ato da interpretação. A Escola é, portanto, um sujeito interpretável. Não é dificil constatar que essa prática interpretativa produz não só efeitos concernentes ao fortalecimento do Um, mas também efeitos desagregativos, na medida em que a relação que cada membro mantém com o andamento coletivo da Escola é solitária e marcada pelo sintoma particular do sujeito.

O recente processo de admissões representa um bom exemplo dessa prática interpretativa e de seus efeitos sobre a vida institucional. O aprofundamento dessa política que o Conselho imprime no momento atual, considerando nosso contexto próprio e a orientação traçada pela AMP, vai-se constituir nosso principal objetivo, para o próximo ano.

A esse respeito, destaco a formulação que Leonardo Gorostiza, em seu Discurso de Presidente entrante, nos indica, ao propor que interpretar analiticamente a vida de nossa Escola é “lutar contra o que insensivelmente pode levar-nos às diversas formas do mutualismo”. É também o que nos permitirá tartar os sintomas da Escola, na busca de incorporar o que, deles, faz avançar, bem como de intervir no que se apresenta como destrutivo. É sob essa mesma ótica que Éric Laurent chama a atenção, no Relatório de conclusão de seu mandato de Presidente, para a necessidade de estarmos atentos aos fenômenos de grupo e de identificação, a fim de tentar evitar os efeitos de massificação ou e psicoterapização das Escolas que os ares do tempo ajudam a propagar.

Em que ponto está a EBP, em sua formação, sempre continuada?

Penso ser essa a reflexão sobre que devemos insistir para a elaboração de um princípio orientador, que, juntamente com Cristina Drummond – a nova Diretora da EBP –, procurarei transmitir à comunidade da Escola. Que movimento se delineou e qual foi a ação lacaniana empreendida na EBP, a partir da orientação da AMP, promovida por Jacques-Alain Miller, Graciela Brodsky, Eric Laurent e, agora, por Leonardo Gorostiza? Esta interrogação parece-me crucial para definirmos a posição da EBP no curso de sua existência, com relação à Escola Una.

No momento em que a EBP foi fundada, em 1995, o que estava no cerne da política da AMP era o posicionamento de cada Escola sobre as modalidades de seleção – admissão e garantia –, que desejavam fazer valer. Em 1990, Jacques-Alain Miller, então Delegado Geral da AMP, destacou dois tipos de seleção de analistas indicados por Lacan como forma de entrada na Escola[i]. A primeira, proposta em 1964, era a de selecioná-los como Analista Membro de Escola (AME), situação em que se privilegia o trabalho – ou seja, os analistas que deram provas suficientes de sua prática nessa função. A segunda forma, proposta 10 anos mais tarde, em 1974, era a de selecioná-los pela análise, pela via do passe, que produz o Analista da Escola (AE). Miller apresentou esses dois modos de entrada na Escola, para introduzir uma questão: “Que acham vocês de deixar a cada um a liberdade de saber se ele demanda sua entrada à partir de seu trabalho pela causa analítica ou se quer entrar como analisado, pela via do passe?”

É, sempre, possível traçar as diversas ações que, desde então, conferiram, em cada época, pesos diferentes às admissões e à garantia. Não é necessário, porém, nesta oportunidade, maior aprofundamento nos detalhes desse percurso. Pretendo apenas sinalizar algo que me parece surpreendente no Relatório de Éric Laurent, já mencionado. Laurent avalia a existência de um ponto de inflexão essencial no processamento das demandas de admissão às Escolas. A política de oposição ao avanço de práticas cognitivo-comportamentais autoritárias e de suas alianças com regulamentações minuciosas contribuíram, decisivamente, para uma renovação geracional.

Inicialmente acolhida em estruturas de psicanálise aplicada que lhe seriam próximas, a nova geração foi reorientada para levar em conta a psicanálise pura. “Isso implicou” – diz Laurent – “uma grande abertura aos ‘nouveaux venus’, aos novos membros, sobre a base de uma captura em relação ao inconsciente de cada um e à instalação do horizonte do passe [...] no interior de todos os procedimentos das Escolas, desde as admissões, até a constituição de um programa de trabalho, das jornadas e, até mesmo, a importância dada aos próprios testemunhos de passe”.

A política da enunciação tem lugar, portanto, a partir do “novo”. De início, o novo concerne à política dos fóruns, de “botar o nosso bloco na rua”[ii], de fazer circular a voz da psicanálise nos debates de interesse público, em que somos envolvidos. Em seguida, o novo emerge como efeito dessa ação da Escola, que repercute nas novas gerações. E, por último, a resposta dessas novas gerações, pode ser caracterizada, também, como uma manifestação que interroga a formação analítica na Escola. Desse movimento, instituiu-se a política da enunciação na primeira pessoa, que promoveu, ao mesmo tempo, o distanciamento das práticas da citação que constituíam como observa Laurent, um muro de linguagem, e permitiu circunscrever o inédito e a surpresa.

Nesse instante, a AMP sinaliza à EBP a necessidade de encontrarmos uma forma para levar nossa voz à cidade, em todos os debates do interesse da psicanálise. Nisso se constituiria nossa aposta no novo e na renovação geracional.

Leonardo Gorostiza, por sua vez, ao defender de saída a relação ao inconsciente como o princípio que deve fundamentar uma comunidade de experiência psicanalítica, aponta para a primordialidade da combinação dessas duas ações. Ou seja, a política da enunciação deve conjugar-se com a política dos fóruns, que preconiza a abertura da Escola para o exterior. A articulação entre os fóruns e a própria experiência da Escola e do Passe impõe-se, portanto, para se limitar um falar desnecessário sobre a própria intimidade, bem como para se evitar um ativismo político sem consequências.

Eis o que nos aguarda.

Agradeço a confiança de meus colegas, no exercício dessa nova função, comparável ao papel do mais-Um no cartel e capaz de incitar a articulação entre a lógica do todo, contida nas diversas expressões do Um da Escola, e a experiência do passe que, por sua vez, responde à lógica do não todo.

Para terminar, não posso deixar de mencionar a feminização do mundo prenunciada, por Jacques-Alain Miller, como característica de uma nova era, que se anunciava em decorrência do desmantelamento da ordem simbólica. Identifica-se o fenômeno de desencantamento – desencantamento científico, burocrático – que se abateu sobre o mundo, seguido de um processo que visava a reverter tal situação, com o intuito de reencantá-lo sob a égide de uma abertura do acesso aos significantes-mestres às mulheres. Até então, não faltavam, nos regulamentos das instituições, cláusulas para impedir que as mulheres ocupassem um posto de comando. Depois desse fenômeno, tornou-se lícito à todas elas se inserirem no âmbito dos significantes-mestres. “Mulher presidente” – não sou a primeira e, certamente, não serei a última. Antes de mim, vieram Nora Gonçalves, Elisa Alvarenga e Angelina Harari, que, sem dúvida, devem ter servido de inspiração a Dilma Rousseff.

Na opinião de Miller, é preciso encorajar essa experiência que consiste em ocupar legalmente o lugar de mestre como sujeito dividido, pois disso pode advir algo de novo. É um princípio que a Escola terá ocasião de comprovar.

Hoje, o que tenho de novo é o vestido, presente de minha amiga Angelina para esta ocasião. É preciso considerar todo o afeto alimentado pela roupa que o sujeito veste no momento do encontro, ou na intenção de poder ser, de algum modo, capturado pelo outro. Porém o que mais importa é o agalma da Escola em posição de captar esse outro que é nossa comunidade analítica à luz da orientação lacaniana.





[i] MILLER, Jacques-Alain. La question de Madrid (1990). In La cause freudienne, 74, Paris: Navarin, 2010. p. 125-131.

[ii] Refrão musical lançado no jornal do ENAPOL por Ondina Machado para convite às noites americanas de divulgação desse evento.


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