27 de dezembro de 2012

LACAN COTIDIANO Nº 250 - PORTUGUÊS


Sábado 17 de novembro 16 h 00 [GMT + 1]
NÚMERO 250
Eu não teria perdido um Seminário por nada no mundo — Philippe Sollers
Nós ganharemos porque não temos outra escolha— Agnès Aflalo
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 NOTÍCIAS DA ITÁLIA A PROPÓSITO DO AUTISMO 
Na Itália, dois encontros sobre o tema do autismo acabaram de acontecer: eis aqui, para os leitores de Lacan Cotidiano, alguns ecos por dois membros da SLP (Scuola lacaniana di psicoanalisi).

Primeiro acontecimento: um encontro-congresso organizado com o objetivo de convencer os burocratas do Ministério da Saúde a repensar os guias da boa conduta sobre o autismo que dão uma importante desmedida ao método cognitivo-comportamental e esmagam a psicanálise.
Segundo acontecimento, mais alegre e amistoso: uma homenagem a Martin Egge, nosso colega morto que tanto se dedicou ao trabalho com sujeitos autistas.
Antonio Di Ciaccia


Em Roma: convencer os políticos

por Sergio Sabbatini


No dia 4 de outubro de 2012 aconteceu em Roma, no Palazzo Marini, Câmara dos Deputados, um congresso sobre autismo, pela iniciativa de uma parlamentar católica, a psiquiatra Paola Binetti, com a participação do sub-secretário da saúde, Adelfo Elio Cardinale e de Enrico Garaci, presidente do Instituto Superior da Saúde (ISS). A psicoterapeuta Magda Di Renzo, que dirigia os debates, recomendou, em nome do interesse dos pacientes, uma discussão fundada no diálogo, e que evitasse o confronto entre os diferentes métodos. Mas, de fato, todo o contexto era claramente não-analítico, incluindo nisso as publicações disponíveis.

O objetivo do congresso era avaliar «o estado da arte» sobre o autismo, a partir das diretivas sobre o tratamento dos problemas do espectro autístico promovidas pelo ISS, que fazem expressamente referência às abordagens cognitivo-comportamentais. Durante a primeira parte do congresso, a discussão focou a causalidade: Gabriel Levi da Universidade La Sapienza de Roma sublinhou a importância de um diagnóstico precoce; Francesco Barale, psicanalista freudiano de Pavia, acentuou a necessidade de um acordo entre neuropsiquiatras para crianças e neuropsiquiatras para adultos. Antonio Persico da Policlínica Universitária Campus Biomédico de Roma insistiu sobre o caráter ambiental e não genético do autismo, situando seu começo nos três meses de vida uterina.
O segundo momento do congresso centrou-se nos métodos de tratamento. Stefano Vicari do hospital do Vaticano Il Bambino Gesù de Roma, o hospital pediátrico mais importante da Itália, promotor da evidence-based medicine e consequentemente dos métodos cognitivo-comportamentais (ABA, Teach et Parent Training), declarou: «A liberdade do tratamento passa pela prova científica»; partindo desse princípio, ele colocou no mesmo saco psicanálise e fonoaudiologia, considerando as duas práticas inúteis, sempre reiterando sua abertura à verificação de diversas abordagens.

Nosso colega Nicola Purgato, membro da SLP, diretor dos centros Antenne 112 e Antennina então interveio sobre o que intitulou: «Um modelo de tratamento terapêutico inspirado pela ética da psicanálise», em referência à orientação lacaniana e, em particular, à «prática entre vários». Uma vez descartados os preconceitos mais ruminados sobre a psicanálise e após ter lembrado as críticas de Lacan a respeito de certas abordagens aventurosas do autismo a começar por aquela de  Bettelheim, ele apresentou o trabalho realizado em Antenne e os princípios que o inspiram:

1° A psicanálise está do lado do sujeito, irredutível em sua particularidade.
2° «A criança autista» nada mais nada menos, não existe, mas existem muitas crianças chamadas autistas, diferentes umas das outras, cada uma portadora de uma mensagem que lhe é particular.
3° No trabalho com as crianças, antes de intervir com os métodos pedagógicos e de formação (mais ou menos autoritários), se procura favorecer, um a um, a expressão da particularidade de cada um. Inicialmente permitindo-lhes atingir um equilíbrio subjetivo, em seguida fazendo intervir a formação.

O tom calmo da exposição e a eficácia dos argumentos souberam tocar as pessoas presentes, o que rendeu a Nicola Purgato demorados aplausos e suscitou um grande interesse dos políticos presentes. Resultado: parece possível que a comissão de trabalho sobre as diretivas em relação ao autismo se reúna de novo.



Em Veneza:  Homenagem a Martin Egge

por Brigitte Laffay

No dia 12 de outubro de 2012 no Auditório 103 em Port de Venise, numa atmosfera calorosa e diante de um grande público atento, aconteceu um congresso sobre o autismo intitulado «Autismo: do lado do sujeito», organizado pela Scuola Lacaniana di Psicoanalisi, o Istituto freudiano, as Opere Riunite del Buon Pastore e o «Centro Martin Egge».

Chiara Mangiarotti presidia e coordenava esta jornada dedicada a Martin Egge, fundador da Antenne 112 e da Antennina, morto há um ano. Esta jornada se situava igualmente no quadro da batalha em curso, na Itália e na França, a propósito do sujeito autista pelo reconhecimento da psicanálise como prática alternativa às terapias cognitivo-comportamentais, única terapia atualmente reconhecida pelo ministério da Saúde.
Depois da introdução ao tema do congresso pela presidente da SLP, Paola Francesconi, e por Alberto Donaggio, diretor das Opere Riunite del Buon Pastore, Chiara Mangiarotti recordou o trabalho e a contribuição de Martin Egge para a problemática do autismo e sua pesquisa apaixonada em relação ao tratamento da criança autista. Uma pesquisa e um acolhimento que Chiara Mangiarotti decidiu sustentar através da fundação do «Centro Martin Egge»: «criar esta atmosfera de desejo em volta da criança, lhe transmitir o desejo de cada um, tal é a verdadeira pedra angular sobre a qual se baseia nosso trabalho» dizia ela especialmente.

É sobre «o sujeito da psicanálise» que Alberto Turolla trouxe sua contribuição nesta jornada. Depois tomaram a palavra Antonio Di Ciaccia, que sublinhou a que ponto as crianças autistas o ensinaram, especialmente lhe permitindo medir o quanto, para eles, a palavra é perigosa e traumática, e como o espaço e o tempo dependem da linguagem. «A criança autista é a encarnação do gozo no corpo de um falasser […] é por esta razão que oferecemos à criança autista a possibilidade de dissolver o gozo autista e de transformá-lo em um gozo do diálogo e da palavra»; Virginio Baio, com a ajuda de uma vinheta clínica, reiterou o lugar essencial que o analista lacaniano dá aos pais no tratamento de crianças autistas.

Nicola Purgato, diretor terapêutico da Antenne 112 e da Antennina, apresentou o trabalho realizado, fundado na prática-entre-vários, e desenvolveu especialmente os quatro tempos do trabalho: pacificação, construção, aprendizagem e laço social.   François Ansermet, responsável pelo Serviço de Psiquiatria da criança e do adolescente da Clínica Universitária de Genebra, sublinhou enfim que «o essencial em relação ao autismo é retornar à clínica do caso a caso, como um método sem a priori». Ele estima que, na sociedade atual, trata-se menos da rejeição ao autismo em si que da recusa ao sujeito. Para o psicanalista, é necessário supor o sujeito aí onde ele não está ainda e permitir-lhe advir à linguagem, por suas invenções.
Na Itália pudemos acreditar por muito tempo que as terapias cognitivo-comportamentais não encontrariam uma acolhida favorável. Hoje, bem como é o caso na França, a psicanálise deve lutar para se fazer escutar. 
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 CINEMA 

«Amour»: funny Haneke

por Jeanne Joucla


Amour é um filme de câmara, como dizemos música de câmara… quer dizer que,  exceto por uma curta cena no concerto, ele se desenrola inteiramente atrás das portas de um apartamento burguês. Este apartamento é toda a espessura de uma vida. De uma via a dois, no meio dos livros, das mesas, da música. Este apartamento é mostrado – desde as primeiras imagens – forçado; e, como é seu costume, é também pela força que Haneke nos faz penetrar nele por duas horas a portas fechadas.
Rapidamente nos sentimos em casa graças à câmera que desenha seu plano de qualquer forma: cozinha, quarto, sala, corredor… o espectador antecipa os deslocamentos dos protagonistas, vai tomar seu café da manhã, instala-se na sala ou vai para o seu quarto.  Prestidigitação do cinema de Haneke: somos capturados pelo colarinho.
Resumamos: Anne e Georges, o casal do filme, caminham por seu apartamento em pequenos passos. Eles tiveram uma vida boa? A essa pergunta feita por Stéphane Brizé num filme recente (Quelques heures de printemps), parece que Haneke responde  - sim, sem dúvida uma boa vida onde a arte e o amor tiveram um lugar importante. Octogenários ainda valentes, a vida deles é desacelerada e perturbada pelo menu dos aborrecimentos cotidianos: compras, falhas, imprevistos… Aliás, é um imprevisto de peso que surge: Anne faz um primeiro AVC, se recupera, depois tem uma recaída… Face a esse real, a vida do casal bascula mas não se afunda: Georges está lá, amando, prevenindo, se adaptando à evolução inexorável da doença de Anne. Se adaptando? Sob esta coberta – tudo parece ir nesse sentido, Georges faz a suplência para a situação como pode, no limite de suas forças, contrata uma enfermeira, depois duas – mas não é isso que Haneke nos mostra. O que ele nos mostra, é o insustentável da vida, do espírito e do corpo de Anne, que se desintegram sob os olhos do homem que a ama. Sob nossos olhos.
O objeto olhar, prevalente no cinema, o é ainda mais em Haneke. Olhares que inquietam, violentam: grandes planos da face do homem, perscrutando o olhar ausente de sua mulher, como para lhe re-insuflar a vida. Ou ainda, olhar implacável de repulsa à piedade de seus próximos: «Não há nada aí que mereça ser mostrado» diz ele à filha.
É entretanto o que Haneke nos mostra, a nós espectadores! E, claro, nós ficamos olhando, porque somos levados pela força da interpretação à qual Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva emprestam seus corpos frágeis.
Exceto nos Cahiers, as críticas ditirâmbicas sobre esta Palma de Ouro chovem. Difícil de se deslocar e entretanto…
Quando se conhece um pouco o cinema de Michaël Haneke, encontramos para Amour o mesmo método que para Funny games, que para Caché, que para Benny’s video: Haneke nos toma como reféns  e nos propõe imagens insustentáveis.
A propósito da barbárie de Funny games ele confidenciou em 1998 aos Cahiers: «O filme é sempre um contrato, um pacto, entre o diretor e o espectador, que incide sobre a crença e a não crença. Tento fazer crer nesta história, mas sei que o espectador é manipulado (e ele também sabe). […] eu o manipulo para que ele se torne autônomo. E, ainda a propósito deFunny gamesé insustentável mas o espectador permanece. Por que? Porque ele quer saber como isso termina. O mesmo se aplicaria a Amour ?

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ANÚNCIO
MESA REDONDA: AS MUDANÇAS CULTURAIS E OS NOVOS PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO
Durante o final do século XX e o início do século XXI produziram-se um conjunto de transformações econômicas, comunicacionais e culturais, com numerosos e diferentes resultados. Somos testemunhas da emergência de novos sujeitos, da transformação nas instituições e, principalmente, da profunda inovação dos ambientes tradicionais de interação. A maneira pela qual as relações de poder e as novas formas da política se reconstroem a partir de todas essas mutações e, necessariamente, ao mesmo tempo que elas, é o tema da mesa redonda.
segunda-feira, 19 de novembro às 19 h
apresentam: Fernando Peirone (escritor, ensaísta e pesquisador argentino)
                       Paula Sibilia (pesquisadora argentina, residente no Rio de Janeiro)
atividade em espanhol
entrada livre , vagas limitadas
27 A, Bd. Jourdain - Paris

Lacan Cotidiano
publicado por navarin éditeur
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presidente eve miller-rose eve.navarin@gmail.com
redação e difusão anne poumellec annedg@wanadoo.fr
conselheiro jacques-alain miller rédaction
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comitê de leitura pierre-gilles gueguen, jacques-alain miller, eve miller-rose, anne poumelleceric zuliani
edição philippe benichoucécile favreau, bertrand lahutte

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pelo instituto psicanalítico da criança daniel royjudith miller
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Tradução: Ruskaya Maia

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