Quinta-feira 24 de novembro de 2011 00h00 [GMT+ 1]
NÚMERO 98
Eu não perderia um seminário por nada no mundo— PHILIPPE SOLLERS
Ganharemos porque não temos outra escolha— AGNÈS AFLALO
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Mensagem de agradecimento da família e dos próximos de Rafah Nached
«Após a liberação de Rafah Nached, nós, membros da família e amigos de Rafah desejamos endereçar nossos muito sinceros e muito calorosos agradecimentos ao conjunto de atores da formidável cadeia de indignação e de solidariedade que aconteceu ao longo dos dois últimos meses e que nos permitiu, no último 16 de novembro, dar um profundo suspiro aliviado.
Nossos agradecimentos vão naturalmente ao conjunto da comunidade científica internacional e particularmente à comunidade psicanalítica que, primeiro na França depois progressivamente ao redor do mundo contribuiu para manter sempre viva esta intensa mobilização. Desejamos testemunhar nossa profunda solicitude aos eloqüentes “porta-vozes” do « Raffut pour Rafah » como também ao conjunto dos membros do pessoal político e diplomático que trouxeram sua energia, sua determinação e sua capacidade de convicção para circular as mensagens em favor de sua libertação na França, na Europa e ao redor do mundo. Agradecemos igualmente à Senhora Carla Bruni-Sarkozy por ter decidido colocar sua imensa notoriedade a serviço do combate em favor da libertação de Rafah. A todos, saibam que seu apoio, suas palavras de conforto, seus testemunhos de amizade foram o mais precioso para atravessar essa prova.
Rafah ainda não teve a alegria de tomar em seus braços sua primeira neta, mas graças a vocês, graças à sua formidável mobilização e à inextinguível determinação de que deram provas, a perspectiva deste encontro é novamente possível e acontecerá quando Rafah recobrar a integralidade de seus direitos de cidadã síria (e notadamente seu passaporte). Ela terá também a oportunidade de exprimir a vocês mais diretamente sua imensa gratidão.»
▪ CRÔNICA ▪
« Ares do tempo», por Pierre Stréliski
The help e o psicanalista
Havia, na metade do século passado, na cidade onde eu morava, ao menos uma dezena de salas de cinema. Cada bairro tinha a sua, e a ida semanal ao cinema em família – ou mais tarde acompanhado de outra forma – era para nós uma distração tão natural, tão imperiosa, como é hoje em dia o uso de nossos aparelhos domésticos. Nossas lembranças deste período são numerosas, são também as de nossa infância, estruturadas por esse movimento das imagens sobre a tela. Um dos filmes mais bonitos sobre esta nostalgia é sem dúvida o Cinema Paradiso de Guiseppe Tornatore.
Nos anos sessenta, — a rentabilidade do mundo moderno obriga— começaram a aparecer um pouco por toda parte as «multissalas» que queriam transformar o cinema em objeto de consumo, reagrupando em um só lugar a possibilidade de ver dois, cinco, dez filmes diferentes. A arte ao serviço do comércio e do capitalismo foi também o desaparecimento dos produtores (Quem não se lembra do inesgotável Georges de Beauregard?) que perderam seu poder em proveito dos difusores, frequentemente canais de televisão, que impõem hoje um certo tipo de formatação aos scénarii e aos filmes que financiam. E a entonação charmosa da voz de Claude-Jean Philippe apresentando « Le Cinéma de minuit [O Cinema da meia-noite]» na televisão, depois a não menos extraordinária voz de Frédéric Mitterrand apresentando « Étoiles et Toiles [Estrelas e Telas]» depois «Ciné-Club [Cine-Clube]» nesses mesmos anos sessenta já estavam os vestígios de um outro tempo.
Esse empreendimento da grande distribuição sobre o cinema, entretanto não atinge completamente sua OPA, e se assistiu antes à emergência de uma disciplina cindida em dois clãs, que não têm mais nada em comum que seus nomes de família: o cinema do grande espetáculo (os blockbusters) e o cinema de autor. Esse último, festejado nos festivais, continua sempre, no meio das lantejoulas, a assegurar a promoção dessa Septième Art.
Um pouco espremido entre os dois está o que se chama os «filmes do meio», querendo manter «uma exigência artística e uma vocação popular».
Ontem fui ver um filme do meio. É um filme americano de Tate Taylor; ele se chama em francês La couleur des sentiments [NT: A cor dos sentimentos], melhor intitulado em inglês The help (ao mesmo tempo «As empregadas» e «O socorro»). The help é um filme sobre a fabricação de um livro, e é um roteiro justamente retirado de um livro de sucesso. É distribuído pela Walt Disney Motion Picture.
Teme-se o pior.
Fui vê-lo um pouco por acaso porque o cinema Les 400 coups onde ele estava passando é surpreendente e faz parte da cadeia de distribuição Europa Cinémas, que é « a primeira rede internacional de salas de cinema para a difusão de filmes europeus » (?), cujo único trailler de apresentação é já um deleite, como o era antigamente a promessa que nos fazia esperar a chegada na tela de Jean Mineur Publicité, tristemente relooké hoje em 3D.
E é verdade que a história é traquina, que os maus são maus e que os bons são bons. A cor desses sentimentos é antes rosa bombom neste universo preto e branco. O Sul e seu racismo endêmico é tratado aqui sem a força cruel que frequentemente marca as obras sobre esse tema, mas, antes, com a gentileza da qual falava com virtuosismo Annaelle Lebovits em sua crônica no LC n° 94.
Resultado? Bem, esse filme me agradou muito. E eu me pergunto por que me agradou assim esse filme, entretanto, tão angélico?
E, de início, por que a psicanálise ama o cinema? O livro formidável de Clotilde Leguil Les amoureuses,o sucesso da tradução do livro Lacan regarde cinéma, le cinéma regarde Lacan [NT: Lacan olha o cinema, o cinema olha Lacan], os que se encontram regularmente nas noites «Cinema e psicanálise» organizadas em nosso campo um pouco por toda parte no interior e em Paris, testemunham do mesmo gosto pela nossa disciplina do real que por esta disciplina do imaginário.
É verdade que elas compartilham as mesmas palavras: sessão, tela, etc., e o mesmo momento de nascimento: 1895. É verdade também que as duas são feitas de imagens e de palavras. É verdade enfim que as jornadas de estudo de nossa escola puderam se consagrar, há alguns anos, às « Imagens indeléveis».
Em suma, cada uma das duas explora ao seu modo o imaginário, o simbólico e o real.
O cinema, ele também ama a psicanálise sem dúvida. Le mystère d’une âme de Pabst abria a via desde 1928. Lembramos de La maison du Docteur Edwardes de Alfred Hitchcock em 1945, lembramos também de Freud, passions secrètes de John Huston (1962). Lembramos de mil outros filmes onde a psicanálise tem um lugar de escolha. E o título ao menos do livro de Zizek é engraçado, com sua alusão a um título de Woody Allen : Tout ce que vous avez voulu demander à Lacan sans oser le demander à Hitchcock [NT: Tudo o que você queria perguntar a Lacan sem ousar perguntar a Hitchcock].
Mas enfim psicanálise e cinema são o avesso um do outro: num (bom) filme, o espectador é tomado pelo que vê, ele se identifica e é identificado pelo espetáculo. E é mesmo algumas vezes um abismo quando o ator ao qual nos ligamos é ele mesmo perturbado pelo que ele olha ou escuta. Por exemplo, em La vie des autres há, além de Christa-Maria Sieland, a enamorada que foi objeto do comentário de Clotilde Leguil, um outro personagem, Gerd Wiesler, o funcionário da STASI encarregado de espioná-la. O que ele faz: ele escuta outra pessoa qualquer, que não o vê, para interpretá-lo. Não diriam...? Mas, não, aqui é o auditor que vai se achar interpretado, mudado, pelo que ele escuta e supõe. Mesmo Searles ou Resnik e os aficionados da contratransferência não ousariam dizer que se está aí no campo da psicanálise. Entretanto, nos emocionamos com a última palavra do filme (« C’est pour moi »), onde o velho policial de zelo glacial se reapropria, sob seu número de matrícula, de sua humanidade.
De forma parecida, em La couleur des sentiments, isso acontece. As críticas são mitigadas mas os espectadores entusiastas (270000 entradas na primeira semana, número mantido na segunda semana). Saímos do cinema com um sentimento da cor do jogo de palavras de Lacan: « le senti ment ». O consentimento que se tem é o avesso exato do Unheimlichkeit. Sentimo-nos em casa nesta América. Mas, de fato, mesmo inquieto, angustiado, se sentindo diferente, estávamos em casa também emMelancholia do qual Laure Pastor nos falava no LC n° 29. A identificação aí é ainda possível,presumível. E estávamos também em casa em Polisse, analisada por Aurélie Pfauwardel no LC n° 75, e mesmo no fundo em La piel que habito, comentado por Jean-Pierre Deffieux nesse mesmo número. No cinema, talvez estejamos sempre em casa. «O cinema é a materialização mais viva da ficção» dizia Lacan (Le transfert, p. 45). Claro, numerosos filmes « visam o real » e o atingem sem dúvida. Mas é raro que não se compreenda nada, que sejamos totalmente desconcertados (em Mulholland drive, talvez, porque ele tem a estrutura de um sonho?).
Na psicanálise ao contrário, se está fora de si (em todos os sentidos do termo algumas vezes). A origem de nosso gosto pelo cinema é a identificação, é às antípodas do que visa uma psicanálise.
Mas de fato por que o imaginário desaparece num psicanalista?
Aliás, ele não desaparece. Se Lacan, em seu célebre esquema de Encore (É uma outra lembrança, a de Jacques-Alain Miller, Éric Laurent e Bernardino Horne, transcrevendo alegremente no quadro o dito esquema num curso de Jacques-Alain Miller há alguns anos (1)) privilegia a passagem do simbólico ao real via o semblante – a psicanálise é esse caminho – ele não desmorona seu triângulo apagando o imaginário que leva, ao inverso, do real ao simbólico. Esse caminho é o do cinema, entre outros.
O psicanalista se inclina diante do artista, é claro, e a vida continua, ontem como hoje, percorrendo esse esse triângulo.
(1) Aula de 29 de janeiro de 1997, O Outro que não existe e seus comitês de ética.
Pierre Stréliski será o convidado do Debate do Observatório, que se dará no dia 30 de novembro às 21h na Escola da Causa Freudiana, animado por Agnès Aflalo, Aurélie Pfauwadel, Deborah Gutermann-Jacquet, Eve Miller-Rose e Charles Henri-Crochet.
Resenha da Conversação com Bernard-Henri Lévy
em 23 de novembro no Cinema Saint-Germain
Reproduzimos aqui o artigo publicado no site La Règle du Jeu, « Ontem no cinema St Germain » :
É uma conversação ao mesmo tempo profunda, apaixonante e impressa de emoção para a qual nos convidaram ontem Jacques-Alain Miller e a Escola da causa freudiana, no cinema Saint-Germain. Ela reuniu, em torno do tema “As guerras do século XXI” e pela ocasião da publicação de “La Guerre sans l’aimer” de Bernard-Henri Lévy, figuras intelectuais de grande envergadura, tais como Alexandre Adler, Eric Laurent, Jean-Claude Milner e Hubert Védrine.
A sala do cinema Saint-Germain estava lotada. As pessoas se apertavam nos corredores laterais. Personalidades tais como Roman Polanski, Emmanuelle Seigner, Vincent Lindon, Fred Vargas, Olivier Corpet, estavam deslocadas na ocasião.
No coração do debate, então, o livro de Bernard-Henri Lévy recentemente publicado pelas edições Grasset “La Guerre sans l’aimer”. Evocação do percurso intelectual singular que é o seu. Revoada de questões alçadas por um engajamento de toda uma vida: O que é uma guerra justa? Em que esta se diferencia de uma guerra trágica? Sobre o que se funda o direito (ou o dever) de ingerência? Questões que cada interveniente abordou sob o ângulo específico que lhe é próprio; o ângulo psicanalítico (com Jacques-Alain Miller, Eric Laurent e Anaëlle Lebovits-Quenehen); político (com Hubert Védrine); filosófico e político (com Jean-Claude Milner); historial mesmo, para retomar o termo empregado por Alexandre Adler em sua intervenção.
Foi também para BHL a ocasião de homenagear os companheiros de estrada, as figuras filiais diretas (seu pai, seu avô) e indiretas (Chateaubriand, Malraux, Byron e outros) que tiveram sua parte em fazer do homem o filósofo engajado que ele se tornou. Um tikkuniste como sugeria Alexis Lacroix no fim dessa noite, quer dizer um homem que, se ele não acredita ou não acredita mais numa transformação radical do mundo (maneira marxista), pensa ao menos numa reparação possível, diríamos mesmo necessária do mundo.
A Redação
CONFERÊNCIA
do CENTRO DE PESQUISAS PSICANALÍTICAS de Orientação lacaniana
« O sintoma, entre fala e escrita »
Convidado :
Jean-Louis Gault
psicanalista, membro da ECF, da NLS e da AMP
Sexta 25 de Novembro às 19h00
ENTRADA FRANCA
Local do CRPA, Rethymnou 12, perto do Museu arqueológico. Site do Centro:
www.centrerepsy.gr <http://www.centrerepsy.gr/
▪ Esta conferência será seguida de um Seminário clínico no Sábado 26 de novembro, das 10h às 16h. No programa: a apresentação de um caso clínico e o estudo do texto de J. Lacan « A direção da cura ».
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▪ CRÔNICA ▪
A Rosa dos Livros par Nathalie Georges-Lambrichs
A mots couverts ²
Esse compêndio sadiano em dez quadros não o deixa indene. « É doido », escreve François Forestier.Puxando sobre os inocentes tiretes e cavilhas, eis você ator da imageria clandestina que lhe é oferecida e em desvelando as roupas de baixo, voyeur voluntário de sexos e de banhos de sangue humano. Dividido entre a lembrança de seus livros de infância, ancestrais da 3D, - o lobo súbito, sua língua em destaque - o medo de engolir o objeto, a curiosidade culpável avivada deportando você sobre as bordas da imagem ou em seu centro, você poderia se agarrar a um porco, um galo, uma ovelha intactos, capturados em seu próprio olhar sem focus. Como é tentador se prender nos detalhes semeados com arte, codificação desafiando seu saber e o do Google: essas referências esquecidas ou apagadas, esses números esparsos, essas visões em sofrimento de ser identificadas, essas citações censuradas, como seria bom situá-los, encontrá-los, e catalogar tudo isso num quadro erudito. Você se sonha erudito, glosando, ou analista, subsumindo alguma intenção decifrável no que se deixa apreender cada vez como um rebus, ou cibele interpretando esta lâmina que você tirou, enforme de destino. Nada de tudo isso resiste. O destino está aí: corpos servidos como isca, forçados, torturados. Necessário será de retornar à fonte única, ao nome de Sade, então. O que faz Michel Surya, que nos resume em seu prefácio Sade em duas páginas, sua posição, seu estatuto ready made, abrindo uma portapiranesiana sobre uma estranheza suplementar: logo, tudo isso poderia ser dobrado.
Pense, então, ainda é tempo, já que o pensamento está aí, ele lhe diz. Ele está nas imagens no silêncio logo ensurdecedor, onde turbilhona o pensamento iniciado no movimento fixo da queda dos corpos gravados nesse vadenonmecum, antes vaderetro, afundados em pastoris aos céus de berreiros, ou esses traços espessos emprestados dos tarôs de Marseille que se dividem e fazem mudar os altos e os baixos no desfolhamento maquinal ao qual você procede, entregue às putas batalhadoras exibidas e nuas sob seus vestidos manchados, e logo rasgados.
Sade objector, sade up objeto sem igual, curto sempre. Pense nesse destino aí, inaudito, nesses vinte e sete anos de privação de liberdade devotados à escrita de uma filosofia fisgada de razão ao avesso de todo pensamento sobre algum « progresso ».
É tempo.
² [Palavras que escondem um sentido diferente daquele que exprimem.]
Sade up de Frank Secka
Prefácio de Michel Surya, projeto gráfico par Philippe Huger (Rouergue 2011)
Um pequeno filme realizado em Arles pela editora mostra um pequeno resumo. Não se vê tudo!
lacan cotidiano
publicado por navarin editor
INFORMA E REFLETE 7 DIAS EM 7
A OPINIÃO ESCLARECIDA
▪ comitê de direção
presidente eve miller-rose eve.navarin@gmail.com
difusão anne poumellec annedg@wanadoo.fr
conselheiro jacques-alain miller
redação kristell jeannot kristell.jeannot@gmail.com
▪ equipe do lacan cotidiano
membro da redação victor rodriguez @vrdriguez (sur Twitter)
designers viktor&william francboizel vwfcbzl@gmail.com
técnico mark francboizel & family
lacan e livrarias catherine orsot-cochard catherine.orsot@wanadoo.fr
mediador patachón valdès patachon.valdes@gmail.com
Tradução: Ruskaya Maia
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