20 de agosto de 2007

Entrevista de Judith Miller para Revista O GLOBO




Entrevista de Judith Miller para Revista O GLOBO- Jornal O GLOBO- Rio de Janeiro - Brasil *
Coordenação: Gisèle Gonin pela comissão de divulgação e imprensa do 3 Encontro Americano

*Matéria extraída da Revista O Globo .Ano 3 n. 158 . 5 de agosto de 2007
Isabel de Luca editora da revista O Globo
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Divã ‘Express’
Por Isabela Caban

Dois anos antes de sua morte, em 1937, o inventor da psicanálise , Sigmund Freud, já idoso e doente, demonstrou no ensaio “Análise terminável e interminável” a preocupação com a longa duração do tratamento das doenças mentais. (...)
No acelerado século XXI, eis que surge um movimento da Associação Mundial da Psicanálise, de orientação lacaniana, com questões semeadas naqueles textos e que ganham força nos dias de hoje. Em meio a tantas alternativas de terapias breves, psicanalistas encaram o desafio de modificar a ligação da psicanálise a algo lento e caro e mostrar que o tratamento pode ser curto e surtir efeito, sim.
Foram criados há quatro anos na França, berço de Jacques Lacan, o grande leitor de Freud, centros de tratamento gratuito com quatro meses de duração. A boa notícia para quem foge do divã pelos motivos citados acima é que eles já desembarcaram por aqui, em consultórios instalados no Rio, em Belo Horizonte e na Bahia.
Psicanalistas brasileiros iniciaram as pesquisas em torno do tema logo após a inauguração do primeiro CPTC (Centre Psychanalytique de Consultations et de Traitement), fundado por Jacques-Alain Miller, difusor e genro de Lacan, em Paris. Na prática, desde o início do ano, alguns profissionais brasileiros atendem com a nova proposta. Neste fim de semana, o XV Encontro Internacional e III Encontro Americano do Campo Freudiano, que acontece em Belo Horizonte com a presença de Judith Miller, filha de Lacan e espécie de madrinha dos novos centros, discutirá os (bons) resultados.
-A preocupação é não deixar a psicanálise à margem do que acontece na contemporaneidade. Será que ela pode responder às urgências da nossa época? Os primeiros meses de tratamento são fundamentais, porque é quando o paciente faz uma pausa para pensar nas suas queixas e vê seus problemas acolhidos, o que produz alívio. Portanto, quatro meses podem ter ótimo efeito – diz Heloisa Caldas, diretora da Escola Brasileira de Psicanálise no Rio.
As urgências mais comuns do nosso tempo, segundo os psicanalistas, são depressão, distúrbios alimentares, crianças hiperativas e angústias causadas por desemprego ou excesso de trabalho. É o perfil da maioria dos pacientes que batem à porta desses centros, espalhados também por Espanha, Itália, Bélgica e Argentina.
Na França, 1,9 mil de pessoas já receberam o tratamento gratuito e de curta duração nos nove consultórios montados. No Brasil a última novidade foi à abertura de um novo centro chamado
a-tempo, há um mês, na capital mineira. No Rio, esses espaços ganharam um caráter social, com os centros Digaí Maré, na favela da Maré, e Clac, em Botafogo, que atende a comunidade do Morra Santa Marta – uma forma de reagir ás críticas de que a psicanálise é elitista. Duzentas pessoas deitam no divã dos dois centros no momento.
-O fundamento: análise para todos. E o tempo pode ser prorrogado para até oito meses, dependendo do caso. Mas mesmo em períodos curtos é a psicanálise engajada com seus princípios, só que em menos tempo. Ou seja, o método é fazer o analisando falar, sempre interrogando e tratando as particularidades de cada um – esclarece Elisa Alvarenga, presidente da Escola Brasileira de Psicanálise, ressaltando as diferenças da psicanálise para as terapias breves.
Seria início do fim da tradicional psicanálise a longo prazo? De jeito nenhum, garantem os psicanalistas. Os novos centros representam pesquisa clínica, instrumento adorado pela psicanálise, que nasceu de um incansável pesquisador, Freud.
-O grande objetivo desse trabalho é fazer com que as pessoas saibam que na hora que a corda apertar, elas podem recorrer e, assim, valorizar a psicanálise- finaliza Heloisa Caldas.

Reflexões psicanalíticas
Com a filha de Lacan

Seu pai é Jacques Lacan e seu marido, Jacques-Alain Miller, o criador dos cen­tros psicanalíticos com tratamentos de curto prazo. A francesa Judith Miller, presidente da Fundação do Campo Freudiano, cresceu e vive até hoje cercada pela psicanálise. Antes de em­barcar para o Brasil para o congresso que acontece neste fim de semana em Belo Horizonte, ela conversou por email com a “Revista O GLOBO”.

O que a senhora acha da iniciativa brasileira de seguir o exemplo dos analistas lacanianos franceses que atendem pessoas em situações de emergência, em um tratamento de curto prazo?

JUDITH MILLER: Com direção do psica­nalista Hugo Freda, o Centro Psica­nalítico de Consulta e Tratamento vem dando provas do seu valor. Demons­tramos que todo cidadão pode exercer seu direito de tomar conhecimento da dimensão do seu inconsciente. Desse modo, ele tem a possibilidade de se aliviar de alguns sofrimentos e de sair do impasse no qual se via acuado. Eu só posso me alegrar com o fato de os colegas brasileiros declararem seu de­sejo de pôr em prática essa idéia.

De que outras maneiras a psicanálise pode ajudar, já que apenas poucas pessoas podem pagar por um tratamento desse tipo?

JUDITH: Quando a psicanálise se aplica à terapêutica, ela não é uma ortopedia. Freud sempre o disse, e, depois dele, Lacan. Aplicada à terapêutica, a psi­canálise permite àquele que se dirige a um psicanalista encontrar outras so­luções diferentes daquela constituída pelos sintomas de que padece. A psi­canálise não se propõe a “ajudar”, como vocês dizem. E hoje, um século depois de publicada a “Interpretação dos so­nhos”, ela está em condições de fazer reconhecer o direito de cada um de se inscrever no laço social particular.

A senhora acredita que a modernização da linguagem freudiana feita por Lacan permitiu o progresso da psicanálise tratar das novas doenças psíquicas como a depressão e os distúrbios alimentares, duas das mais encontradas entre os brasileiros?

JUDITH: Jacques Lacan não “moderni­zou” a linguagem freudiana. lnicialmente­, ele leu Freud e restabeleceu o fio condutor da disciplina da qual Freud é o inventor. Não se deixem enganar. A anorexia, a bulimia e a depressão não são “novas doenças psíquicas”! Os la­boratórios fabricam antidepressivos. Alguns deles gostariam de nos con­vencer dos benefícios dessas drogas no enfrentamento desse novo mal. E mais responsável estarmos suficientemente formados a fim de podermos distinguir de qual estrutura decorre um sujeito deprimido, um sujeito anoréxico ou um sujeito bulímico para, então, intervir­mos de modo conseqüente. Essa es­trutura com freqüência é psicótica, mas nem sempre. Também é verdade que a psicose é cada vez mais freqüente, não apenas no Brasil.

Para a senhora, quais são as contribuições mais importantes da escola lacaniana para a clínica psicanalítica?

JUDITH: Jacques Lacan deu amplidão à clínica psicanalítica das psicoses. Ele nunca recuou diante dessa clínica, desde sua tese em psiquiatria, em 1932. Todo o seu ensino visa a cir­cunscrever essa clínica cada vez mais e articular suas lições. Os que seguem seu ensino continuam nessa via, tão indispensável quanto apaixonante e decisiva.
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Gisèle Gonin
Comissão de divulgação e imprensa do 3 Encontro Americano.
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Nossos agradecimentos especiais a Judith Miller, Isabel de Luca editora da revista O Globo e
aos nossos colegas: Gisèle Gonin, Cristiana Pittella, Angela Batista, Elisa Alvarenga, Heloisa Caldas, Sergio Laia, Romildo do Rego Barros, Marcus André Vieira, Manoel Barros da Motta, Vera Avellar Ribeiro, Elza Marques Lisboa de Freitas, Maria Angela Maia, Simone Souto, Ana Lúcia Lutterbach .

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