29 de março de 2015

Jacques-Alain Miller: Roland Dumas faz um fuzuê - Roland Dumas: altos y bajos

Terça-feira, 17 de fevereiro

«Como dizem os suíços, eu toquei fogo no lago!» Roland está contente. E por que não? Uns ruídos seus com a boca pela manhã em frente ao «Homem livre» da rádio-TV, bastaram para fazer toda a classe política gritar. O título de seu novo livro, lançado ontem, anunciava sua intenção de dar-lhe ares de «politicamente incorreto». Bom, ele demonstrou isso em ato. É muito astuto. Aos 92 anos, o antigo presidente do Conselho constitucional tornou-se o velho homem indigno da política francesa.

É um volume de memórias novo. Quantos ele já escreveu? Quatro, cinco, seis? Não menos, talvez mais. Ele é incalável. E, acreditem nele ou não, nunca, ou quase nunca se repete. Ele é matéria inesgotável para si mesmo. «Minha alma tem seu segredo, minha vida tem seu mistério». Pobre Arvers, tão limitado. Pensem que se a alma de Roland Dumas só tivesse guardado um segredo, ele não teria ido muito longe. Não, ela encerra numerosos segredos, sua alma, segredos inomináveis, e que não são apenas seus. Ela deve ter a estrutura do tonel das Danaides, essa alma, o que explicaria que ela pudesse contar assim, incessantemente, reconhecer, confessar-se, sem nunca estar a seco.

Assediado por Eva, demolido por Edwy [4]

A seco! Ele entrou na vida assim. De Limusine, ele é um «jovem resistente magricela», diz Libération, 2001, sob a pluma de Pascal Virot. «Em Paris, ele parece um Rastignac[1]. Seu charme opera. Sua ambição o serve. Os salões se abrem. As alcovas também.» Mais tarde, quando a justiça vasculhará suas contas e abrirá seus cofres, e se revelará que ele conservava somas importantes em dinheiro. Se me lembro bem, ele se explicou a respeito arguindo sobre seu gosto campesino pelo colchão e pela meia de lã.

Deus sabe que teriam lhe criticado certas coisas! Ele terá tido tudo. Ele foi sabiamente torturado por Eva Joly[2] por ocasião do caso Elf, e não era belo-belo[3] de ver, por assim dizer. O amigo Plenel, de seu lado, duas ou três vezes por semana, dedicava a primeira página do Monde às suas torpezas. Assediado por Eva, demolido por Edwy, atirado diariamente do alto da Arx tarpeia[5], desonrado, Roland não dormia mais, ele pensava seriamente em se matar. Nós, seus amigos, estávamos inquietos. Talvez o momento mais penoso tenha sido quando lhe informaram de que, depois de derrubá-lo, a terrível Norueguesa faria sua entrada na política. Parecia uma bacante se revestindo com a pele ensanguentada do sátiro depois de tê-lo esfolado vivo. Visão de horror.

A imensa fortuna de Talleyrand

Uma coisa que ninguém criticou em Roland, foi de ter enriquecido no poder. Uma de suas amantes sem dúvida fez a festa com seu cartão de crédito corporate para lhe dar uns presentinhos. Não digo que um Robespierre o aceitou, mas afinal de contas, aconteceu até na Noruega. Não, Roland fez fortuna antes de se tornar ministro. Nada a ver com Talleyrand, esse «homem tão espirituoso, diz Stendhal, a quem sempre faltava dinheiro.»[6]

Anedota. Estamos sob o Diretório [1ª. República]. Barras domina o grupo dos cinco, a Madame de Staël se agita para tentar obter para seu amigo Talleyrand a pasta das Relações Exteriores. Isto se deu no dia 16 de julho de 1797. O novo ministro narra o momento nas suas Memórias: «O caráter absoluto de todos os atos do Diretório, as instâncias de pressão da madame de Staël e, mais do que isso tudo, o sentimento que se tem, de que um pouco de bem não é impossível de fazer, afastaram de mim qualquer ideia de recusa.»

Benjamin Constant narra a coisa um pouco diferente. Talleyrand está no teatro com Boniface de Castellane. É ele, Benjamin, quem traz a notícia ao novo ministro. Os três entram em um carro. Fechando os joelhos de seus companheiros, que o encurralam, Talleyrand se exalta: «Nós sustentamos o lugar, é preciso fazer nele uma fortuna imensa, uma imensa fortuna.» Ele repete sem parar, como louco, ao longo de todo o trajeto: « uma fortuna imensa, uma imensa fortuna.» Duff Cooper questiona a veracidade dessa história.

Como Wikipédia escreve belamente, «De fato, e a partir desse instante, ele adquire o hábito de receber importantes somas de dinheiro do conjunto dos Estados estrangeiros com os quais trata.» Sainte-Beuve, nos Nouveaux Lundis: «O próprio sr. Talleyrand avaliava em sessenta milhões o que podia ter recebido, no total das potências, grandes ou pequenas, em sua carreira diplomática.»

Roland também é muito espirituoso, no espírito de nunca lhe faltar dinheiro. Ele teve sua prática de advogado para ganha-lo. Ali, nunca deu presente a ninguém. E por que o teria feito? A outra anedota vem agora.

Em Dumas, ninguém lhe dará presentes

Início do ano letivo de 1965, há meio século. Acabo de cooptar meus amigos Grosrichard e Milner, que estão na École (ENS) comigo, mais Regnault que acaba de partir para dar aulas de filosofia em Prytanée militaire de la Flèche[7]: A ideia é de publicar dia sim, dia não, um pequeno boletim mimeografado que canalizará a agitação intelectual onde nos foi colocado o seminário dos ‘agrégatifs’ de 1963-1964 dedicado por Althusser a Lacan, seguido da vinda de Lacan em pessoa entre nossas paredes (janeiro 1964).

Subvenções, verba dedicada: zero centavos. Acabo de considerar com Jacques Broyelle, o adjunto de meu amigo Robert Linhart, que o boletim lacano-althusseriano que vou criar teria 500 exemplares tirados no mimeógrafo que seu grupo clandestino acaba de comprar, grupo que tem por objetivo provocar uma cisão da UEC[8] por ocasião das próximas eleições presidenciais. Os números seriam cobrados a preço de custo, e a primeira tiragem seria paga só depois de vendida. Broyelle não considera que o que faz seja mais-valia nas costas dos colegas, basta-lhe fazer rodar o material.

Estoque: na adega do apartamento de Judith, na rua de Buci. Nós dois mantínhamos o registro das assinaturas, e entregávamos aos assinantes. Haverá um só depósito em livraria, no Maspero, rua de la Huchette, sob a insígnia de «la Joie de lire», onde se fornece tudo o que o bairro Quartier latin tem, para os então aspirantes revolucionários intelectuais e políticos.

Tudo se fará de maneira militante. Nada de assalariado. Cada qual dará seu tempo. Sem finalidade lucrativa, evidentemente. É preciso ainda criar uma pessoa moral, uma associação segundo a lei de 1901, que vai redigir os estatutos, depositá-los na Prefeitura, fazer a inserção no Diário Oficial? Roland Dumas, me diz Judith, o advogado da família, é um amigo, ele nos fará isso de graça, ou a preço de custo. Alguns dias mais tarde, recebo na rua d’Ulm[9] uma carta do escritório de Dumas, contendo: 1) a fotocópia do estatuto-padrão de uma associação de 1901, o modelo que se encontra aos montes na Prefeitura; 2) uma fatura cujo montante alcança meu salário mensal de aluno-funcionário.

Furor de ter sido enganado como um principiante (quando, na verdade, eu era um principiante). Preencho o cheque solicitado (sem que me aflore a ideia de jogar a fatura no lixo). Juro que a partir de então só contarei com minhas próprias forças (preceito de Mao). Serei conduzido, nos anos 80, a criar na psicanálise dezenas de associações através do mundo, e redigirei pessoalmente todos os estatutos. Quando necessário passar por um advogado, eu o mantinha na rédea curta, discutindo sem rodeios seus honorários previamente. Construí a Associação Mundial de Psicanálise com esses princípios (mais de 2.000 membros, repartidos em sete Escolas). Devo tudo isso a Roland, e ao modo como ele me depenou, em detrimento de sua amizade muito verdadeira por Judith.

Não apenas não tenho raiva dele por não me ter feito nenhum favor («Demasiado favor mata», título de Stendhal), mas lhe agradeço pela lição: para bom entendedor, meia palavra basta[10]. De fato, recebi a mesma lição de Lacan, através de uma terceira pessoa. Será minha terceira e última anedota.

Com Lacan também

1974. São os primeiros tempos de minha amizade com Benoît Jacquot, encontrado em seu projeto de televisão com Lacan. Ele vive, se me lembro bem, na rua Bourbon-le Château, a dois passos da rua de Buci nº 15, em parceria com uma moça muito bela e tocante, que de vez em quando é manequim de lingerie. Um dia, eles vêm almoçar em nossa casa, vejo que N* está mal, ela me chama de lado, as lágrimas surgem em seus olhos: as coisas não estão bem com Benoît, estou muito angustiada, preciso falar com um analista, não vejo outra pessoa além do Dr Lacan (ele é sempre tão atencioso com ela, arrastava um pouco a asa para o lado dela), mas ele é muito caro, eu sei, não tenho dinheiro, Jacques-Alain, você pode lhe explicar isso, ele vai te escutar, para que me faça um preço.

Telefono a Lacan, na rua de Lille, explico-lhe o lance. Sim… sim… ele é bastante compreensivo, que ela venha me ver a tal hora. Transmito a notícia a N*. Efusão. Ela sai de sua entrevista, me liga: ela lhe disse tudo, chorou muito, na saída ele lhe deu uma facada, pegou tudo o que ela acabara de ganhar como manequim. Ela ainda está tremendo.

Mais tarde me dirá o quanto essa sessão lhe foi salutar. A história com Benoît poderia ter se arrastado ainda por muito tempo, mas estava acabada, eu sabia disso, mas não queria admitir. Moralidade: preocupado em arranjar a situação do próximo, você o enfia em seu marasmo, você o encerra na sua prisão de subterfúgios. A verdade liberada.

Retornemos ao velhote indigno que toca fogo no lago.
O sentimento da língua

«Como dizem os Suíços, eu taquei fogo no lago!» Roland Dumas teve essa frase ontem à tarde em France 24, algumas horas depois de ter se espalhado a notícia sobre a BFM. Adoro a precisão: «Como dizem os Suíços.» Admiro que mantenha a calma, a pose, fique zen, no tumulto.

Meu Dictionnaire des expressions quotidiennes (por Bernet e Rézeau, editado pela Balland, 2008) atesta «não há fogo no lago» como uma locução frasal significante «não há motivo de pressa». É um reforço da expressão «não há fogo», que é atestada no oeste da Suíça a partir da metade do século XIX. Os autores destacam que fora da Suíça «a expressão é por vezes articulada com uma entonação arrastada que tenta reproduzir a entonação dos Suíços do oeste». Isto só existe para os judeus, ao passo que os valdenses[11] também teriam de que se queixar e o que reivindicar. Lacan apreciava o espírito valdense; ele menciona nos Escritos um provérbio valdense que Sylvia lhe ensinara: «Nada é impossível ao homem, o que ele não pode fazer, ele larga»[12]. Vê-se aqui que Roland faz parte da família.

Em contexto positivo, «há fogo no lago» significa que há urgência. Quanto a «botar (ou tocar) fogo», essa locução verbal quer dizer: «colocar muita ambientação em um concerto, um espetáculo». Ver Acender o fogo, título de uma canção de Johnny (1998). É também: «animar com ardor uma prova, uma competição».

Contudo, o Bernet et Rézeau não tem o «tocar fogo no lago» Nada no Dictionnaire de l’argot de Larousse, nem no Nouveau dictionnaire de la langue verte, de Pierre Merle. O Comment tu tchatches! Dictionnaire du français contemporain des cités, prefaciado por Claude Hagège, dá como sinônimos «mettre le bronx, mettre le souk, foutre le delbor, foutre le hala [13]»: nem sobre o fogo, nem sobre o lago.

Bom, é preciso saber interromper uma pesquisa. Até maiores informações, manterei a expressão «tocar fogo no lago», diversamente atestada no Google, para a contaminação da expressão «tocar fogo» pela expressão «não há fogo no lago», significante «criar uma situação de urgência, fazer um fuzuê no lago, um plácido lago de patos» - todos efeitos que correspondem aos de irrupção do «politicamente incorreto» no meio «correto». Concluo disso que o sentimento da língua em Roland Dumas é de uma segurança perfeita. «Eu toquei fogo no lago», ele não podia dizer melhor na segunda-feira à tarde isto que havia feito naquela manhã no microfone de Jean-Jacques Bourdin.

Afirmaram que me aproximo a passos contados do núcleo incandescente do caso.

Parada agora na localidade «Jean-Jacques Bourdin».

A seguir...

Publicado em 20 de fevereiro 2015 em lepoint.fr

Tradução: Teresinha N. M. Prado

Notas T.

[1] N.T.: Eugène de Rastignac: personagem de Balzac, presente em vários volumes de A comédia humana. Jovem ambicioso que vai para Paris estudar direito, observa a vida na alta sociedade e é capaz de qualquer coisa para conquistar essa posição.
[2] N.T.: Eva Joly, personalidade francesa de origem norueguesa e francesa, foi juíza no caso Elf nos anos 90, à época um escândalo político e financeiro envolvendo essa empresa petrolífera em um esquema de vultosas propinas; posteriormente envolveu-se diretamente na vida política, tendo sido eleita para sucessivos cargos legislativos.
[3] N.T.: Trocadilho com o nome da juíza: Joly – joli-joli.
[4] N.T.: Edwy Plenel.
[5] N.T.: Nome em latim da Rocha Tarpeia, local onde eram feitas execuções na Roma Antiga.
[6] N.T.: Sthendal, (2012). A cartuxa de parma. São Paulo: Companhia das Letras.
[7] N.T.: Liceu (ensino médio) militar de renome situado em Paris.
[8] N.T.: União Estudantil Comunista.
[9] N.T.: Endereço da Escola Normal Superior (ENS).
[10] N.T.: Expressão de La Fontaine, na fábula “O corvo e a raposa”: “[Cette leçon] vaut bien un fromage”.
[11] N.T.: Os valdenses são uma organização religiosa cristã que surgiu em Lyon, no séc. XII, com um comerciante, Pedro Valdo, que encomendou uma tradução da Bíblia para linguagem popular, e defendia que todo fiel teria direito a ler e interpretar os livros sagrados em sua língua (e não em latim, que só os clérigos eram capazes de ler à época).
[12] N.T.: Lacan, J. (1998). “Formulações sobre a causalidade psíquica”. In Escritos. RJ: Zahar, p.159.
[13] N.T.: No original, mettre le bronx, mettre le souk, foutre le delbor, foutre le hala são expressões que designam de formas variadas uma situação em que alguém provoca uma balbúrdia, uma confusão, um tumulto.


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Jacques-Alain Miller: Roland Dumas: altos y bajos

Como dicen los suizos, J´ai mis le feu au lac! Roland está contento de sí mismo. ¿Y por qué no? Esos ruiditos hechos con la boca frente al "hombre libre" de la radio televisión bastaron para hacer gritar a toda la clase política. El título de su nuevo libro* aparecido el lunes, anunciaba su intención  de astutamente hacerse el "políticamente correcto". Y bien, lo demuestra en acto. Es muy fuerte. A los 92 años, el ex presidente del Consejo Constitucional se volvió el viejo caballero indigno de la política francesa.

Es un nuevo volumen de memorias. ¿Cuántas ha escrito ya? ¿Cuatro, cinco, seis? No menos, tal vez más. Es inagotable. Y, créanlo o no, nunca se repite, o casi nunca. El mismo es materia inagotable. "Mi alma tiene su secreto, mi vida tiene su misterio". Pobre Arvers, tan estrecho. Ustedes piensan bien que si el alma de Roland Dumas hubiera ocultado solo un secreto no hubiera llegado muy lejos. No, su alma encierra cantidades de secretos, secretos innumerables, y que no son solo los suyos. Este alma tiene la estructura del tonel de las Danaides, lo que explicaría que pueda incesantemente contar, confesar, confesarse, sin agotarse jamás.

Acosado por Eva, demolido por Edwy 

¡A seco! Así entró en la vida. En limusina, un "joven resistente famélico", dice Liberación en 2001, con la pluma de Pascal Virot. "En París, toma la apariencia de Rastignac. Su encanto opera. Su ambición le sirve. Los salones se abren. Los saloncitos también". Más tarde, cuando la justicia destape sus cuentas y abra sus cofres, se comprobará que conservaba sumas importantes en efectivo. Si recuerdo bien, lo explicó aduciendo su gusto provinciano por el colchón y las alcancías.

¡Dios sabe que le han reprochado cosas! Habrá tenido de todo. Fue sabiamente torturado por Eva Joly luego del asunto Elf, no era lindo lindo (joli joli) de ver, si puedo decirlo. El amigo Plenel, por su parte, consagraba la primera plana de Le Monde a sus ignominias. Acosado por Eva, demolido por Edwy, arrojado todos los días desde lo alto del Arx tarpeia, pensó seriamente en matarse.

Nosotros, sus amigos, estábamos preocupados. Quizá el momento más penoso fue cuando supimos luego de derrotarlo, que la terrible Noruega iba a entrar ella misma en política. Se hubiera dicho una ménade vistiéndose con la piel sanguinolenta del sátiro luego de haberlo despellejarlo vivo. Visión de horror.

La "inmensa fortuna" de Talleyrand

Algo que nadie le repechó a Roland es haberse enriquecido con el poder. Una de sus amantes sin duda hizo que se recalentase un poco su tarjeta de crédito corporate para hacerle regalitos. No digo que un Robespierre lo hubiera aceptado, pero en fin, incluso esto pasa en Noruega. No, Roland tenía fortuna antes de ser ministro. Nada que ver con Talleyrand, ese "hombre con infinito espíritu, dice Stendhal, al que siempre le faltaba dinero".

Anécdota. Estamos bajo el Directorio, Barras domina el grupo de cinco. La Sra. de Staël se activa para hacerle obtener a su amigo Talleyrand la cartera de Relaciones Exteriores. Es cosa hecha el 16 de julio de 1797. El nuevo ministro da cuenta de ese momento en sus Memorias: "El carácter absoluto que tenían todos los actos del Directorio, las instancias apremiantes de Staël y más que todo eso, el sentimiento que uno mismo tiene de que no es imposible hacer un poco de bien, me alejaron de cualquier idea de rechazo".

Benjamin Constant narra la cosa un poco diferente. Talleyrand está en el teatro con Boniface de Castellane. Es Benjamin quien trae la buena nueva al nuevo ministro. Los tres suben a un coche. Apretando las rodillas de sus dos compañeros a su lado, Talleyrand se exalta: "Hay que hacer una fortuna inmensa, una inmensa fortuna". Duff Cooper duda de la veracidad de esa historia.

Como Wikipedia lo escribe de una linda manera, "de hecho y desde ese instante, toma la costumbre de recibir importantes sumas de dinero del conjunto de los Estados extranjeros con los que trata". Sainte Beuve en los Nouveaux Lundis: "El Sr. de Talleyrand evaluaba en 60 millones lo que podía haber recibido en total de las grandes o pequeñas potencias en su carrera diplomática". Roland también tiene mucho espíritu, uno es el espíritu de que nunca le falte dinero. Tuvo su práctica de abogado para ganarlo. Allí nunca le hizo un regalo a nadie. ¿Y por qué lo habría hecho?

Anécdota

Ahora otra anécdota. Comienzo de clases de 1965, hace medio siglo. Acabo de reclutar a mis amigos Grosrichard y Milner, que están conmigo en la Escuela, más Regnault que acaba de dejarla para irse a enseñar filosofía al Prytanée militar de La Fléche: la idea es publicar cada dos meses un pequeño boletín mimeografiado que va a canalizar la agitación intelectual en la que nos colocó el Seminario de los agregados 1963-1964, consagrado a Lacan por Althusser, seguido de la venida de Lacan en persona a nuestros muros (enero 1964). Subvenciones, fondos: cero centavo. Termino de resolver con mi amigo Jacques Broyelle, el lugarteniente de mi amigo Robert Linhart, que el boletín lacanoalthusseriano que voy a crear tenga una tirada de 500 ejemplares en el mimeógrafo que acaba de comprar el grupo clandestino, cuyo objetivo es separarse de la Unión de Estudiantes Comunistas en ocasión de la próxima elección presidencial. Los números nos los van a facturar a precio de costo y la primera tirada se pagará una vez vendida. Broyelle no piensa obtener plusvalía sobre las espadas de sus camaradas, le basta con hacer circular el material.

Almacenamiento: en el sótano del departamento de Judith, rue de Buci. Los dos llevaremos el registro de las suscripciones y entregaremos a los suscriptos. Solo habrá un depósito en librería en Maspero, rue de la Huchette, con la insignia La Joie de lire (La alegría de leer), donde se aprovisiona todo lo que el barrio latino cuenta en ese momento como aspirantes a revolucionarios intelectuales y políticos.

En lo de Dumas no les hacen regalos

Todo se hará de manera militante. No hay salario. Cada uno donará su tiempo. Ningún fin de lucro, lo que va de suyo. Aun hace falta crear una personería jurídica, una asociación según la ley de 1901. ¿Quién va redactar los estatutos, llevarlos a la prefectura, publicarlo en el Diario oficial? Roland Dumas, me dice Judith, el abogado de la familia, es un amigo, nos lo hará gratis o a precio de costo. Algunos días después recibo del estudio Dumas en la rue d´Ulm un correo que contiene: 1) la fotocopia de los estatutos tipo de una Asociación de 1901, el modelo que encontramos en una pila en la prefectura. 2) una factura cuyo monto alcanza mi salario mensual de alumno funcionario.

Furia por haberme dejado agarrar como un tonto (siendo que en efecto soy un tonto). Hago el cheque que me piden (no sin que me aflore la idea de tirar la factura a la basura).

Me juro no contar de ahora en adelante más que con mis propias fuerzas (precepto de Mao). Seré conducido a crear en los años 1980 en el psicoanálisis decenas de asociaciones a través del mundo y redactaré yo mismo todos sus estatutos. Cuando necesite pasar por un abogado, tendré las riendas, discutiendo ásperamente sus honorarios con antelación. Con este principio, construí la Asociación Mundial de Psicoanálisis (más de 2.000 miembros, repartidos en siete Escuelas). Le debo todo a Roland, y a la manera que tuvo de torcerme, a despecho de su amistad con Judith.

No solo no le tengo rencor por no hacerme ningún favor (Favores que matan, título de Stendhal) sino que le agradezco la lección que me dio: costaba lo que valía. De hecho, recibí lo mismo de Lacan por vía de una tercera persona. Será mi tercera y última anécdota.

En lo de Lacan tampoco

1974. Son los primeros tiempos de mi amistad con Benoit Jacquot, al que encuentro en su proyecto de Televisión con Lacan. Si recuerdo bien, vivía en rue Bourbon-le-Chateau, a dos pasos del 15 rue de Buci, en pareja con una muy linda y conmovedora joven, que cada tanto trabajaba como modelo de ropa interior. Un día vienen a almorzar a nuestra casa, veo que N* está mal, me lleva a un costado, sus ojos se llenan de lágrimas: las cosas no marchan con Benoit, estoy muy angustiada, tengo que hablar con un analista, solo veo al Dr. Lacan (siempre es tan atento con ella, siempre con amabilidades), pero es muy caro, lo sé, no tengo dinero, Jacques-Alain, puede usted explicarle, lo escuchará, que me haga precio.

Llamo por teléfono a Lacan, rue de Lille, le explico la cosa. Sí... Sí... es muy comprensivo, que venga a verme a tal hora. Yo transmito a N*. Entusiasmo. Sale de su cita, me llama, ella le dijo todo, lloró mucho, a la salida, la aporreó, le sacó todo lo que había ganado como modelo. Aún está temblando.

Más tarde, me dirá cuánto le sirvió esta sesión. Hubiera podido seguir arrastrando la relación con Benoit mucho tiempo, pero se terminó, yo lo sabía, pero no quería admitirlo. Moraleja: no hay que preocuparse por ayudar a su prójimo, ustedes lo hunden en su propio marasmo, lo encierran en su prisión de evasivas. La verdad libera.

Le feu au lac

Volvamos al viejo indigno que met le feu au lac.

Como dicen los Suizos, j´ai mis le feu au lac! Roland Dumas dijo esta frase ayer por la tarde en France 24, algunas horas después de haber saltado a los titulares en BFM. Adoro la precisión: "Como dicen los suizos". Admiro que permanezca calmo, reposado, zen en el tumulto.

Mi Diccionario de expresiones cotidianas (de Bernet y Rézeau, editado por Balland 2008) dice: "il n y a pas le feu au lac", como una locución de la frase que significa "nada apura". Es un reforzamiento de la expresión "no hay fuego", que está consignada en la suiza francófona desde mediados del siglo XIX. Los autores señalan que fuera de Suiza "la expresión a menudo se articula con una entonación arrastrada que trata de reproducir la entonación suiza francófona". Solo es para los judíos, mientras que los valdenses también tendrían razones para quejarse y reivindicar. Lacan apreció el espíritu valdense; menciona en los Escritos un proverbio valdense que le había enseñado Sylvia: "Nada es imposible para un hombre, lo que no puede hacer, lo deja". Vemos aquí que Roland forma parte de la familia.

En contexto positivo "y a le feu au lac" significa que hay urgencia. En cuanto a "mettre (ou foutre) le feu", esta locución verbal quiere decir: "Caldear mucho el ambiente en un concierto, un espectáculo". Ver "Encender el fuego", título de una canción de Johnny (1998). También es "Animar con ardor una prueba, una competencia".

Sin embargo, el Bernet y Rézeau no dice nada de "mettre le feu au lac". Nada en el Diccionario del argot de Larousse ni en el Nuevo Diccionario de la lengua verde, de Pierre Merle. ¡Cómo parloteas! Diccionario del francés contemporáneo de citas, prefacio de Claude Hagege, da como sinónimos "mettre le bronx (causar problemas), mettre le souk (hacer desagradable desorden), foutre le delbor (joder), foutre le hala", nada sobre el fuego, ni sobre el lago.

Bueno, hay que saber detener una búsqueda. Hasta información más amplia, me atendré a la información de Google, en razón de la  contaminación de la expresión "mettre le feu" por la expresión "y a pas le feu au lac", como significando "crear una situación de urgencia, joder en un burdel, un apasible estanque de patos", todos efectos que corresponden a los de la irrupción de un "políticamente incorrecto" en un medio "correcto". Concluyo de esto que el sentimiento de la lengua en Roland Dumas es de una seguridad perfecta. "J´ai mis le feu au lac", no podría decir mejor el lunes a la tarde lo que hizo la mañana misma en el micro de Jean-Jacques Bourdin.

Se habrá notado que me acerco a pasos cuidadosos del núcleo incandescente del asunto, el llamado "Jean-Jacques Bourdin".

Le Point- Publicado el 21/2/15 a las 9.43

Continuará...

Traducción: Silvia Baudini

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