Vamos abordar, nesse ponto, as diversas vicissitudes que
envolvem o encontro do sujeito masculino com o Outro sexo. Eric Laurent nos
lembra que as mulheres rogam aos homens de lhes pouparem suas elucubrações
sobre o Outro sexo por preferirem, elas mesmas, falarem disso. Assim fazem por
considerarem-se um segundo sexo e não o Outro sexo. Essa posição, que as tem
levado a dividirem o poder com os homens, nos leva a uma conclusão que poderia
ser assim formulada: “a mulher é o porvir do homem” ou ainda como “o Um é o
Outro”[1].
Se há uma contribuição da
psicanálise neste ponto, esta bem poderia se resumir em: o homem e
a mulher, na verdade, estão de um mesmo lado pelo fato de terem em comum uma só
espécie de gozo, o gozo fálico. Esta definição os coloca separados do Outro
Gozo. A diferença, portanto, ficaria por conta de como cada um acessa este
Outro gozo. Diferença esta que vai reparti-los, inexoravelmente, em duas
espécie[2]
que se definem no gênero.
Para corroborar no nosso desenvolvimento, vamos
relembrar-lhes a posição de Freud, que tantas dificuldades provocou entre seus
alunos, nas mulheres principalmente, quando sublinha que a única maneira de se
representar o sexo é o simulacro fálico.
Talvez esta tenha sido a forma pela qual ele pretendeu desenhar um caminho na
tentativa de estabelecer uma resposta à inquietante
questão de “o que
deseja uma mulher?”
Este pequeno
preâmbulo ao capítulo vai nos balizar introduzindo a questão fundamental que
aponta para uma constante na elucidação das lógicas da vida amorosa no homem,
mesmo que seja possível constatar a presença
de um material bem diversificado.
Como se disse antes, o estatuto do gozo fálico se ordena, a
partir de uma subtração do gozo sexual promovida pelo retorno da Demanda sobre o gozo, estabelecendo,
definitivamente, um limite e abrindo um espaço onde um objeto poderá se
constituir em causa de desejo.
Este movimento que se sustenta no fato de que “o pai” se
veicula através da demanda do Outro, (a mãe, frequentemente) é suficiente para
estabelecer um certo vínculo com o que J-A Miller define como “o saber suposto
das mulheres”. Suposição de saber que se impõe a
partir do “segredo estrutural da palavra, entanto que há alguma coisa que nãose
pode dizer, do lado das mulheres”[3].
Este “segredo estrutural” vai determinar com que algo sempre
se apresente como faltoso no encontro do sujeito com o Outro sexo. É neste
lugar de falta, que o discurso vai se apresentar como possibilidade,
determinando um modo de relação que se traduzirá no sintoma.
Se partirmos do fato de que um sintoma se apresenta sempre
com duas faces, sendo uma variável e congruente à história do sujeito e uma outra constante, determinada pelo gozo
e denotada pelos semblantes que vamos buscar no outro que varia. A conjunção
destas duas faces: variável e o gozo, levou Lacan a dizer da “VARITÉ” do
sintoma[4].
Se tomarmos a vertente da variável, vamos poder dizer que os
sintomas podem ser qualificados de antigos, modernos ou, até mesmo, contemporâneos.
Ora, o que vai definir o contemporâneo, conforme tese
defendida por J-A. Miller e E. Laurent é a inexistência
do Outro, matemizada como I(A) > a.
Talvez seja importante fazermos uma diferença entre o
moderno e o contemporâneo. No moderno, embora exista uma certa
desmaterialização das representações, como muito bem ilustra a chamada “arte
moderna”, vamos encontrar um “otimismo de forma”,
ou uma busca da ótima forma, da forma ideal. Este é o efeito do sujeito
moderno, criado por Descartes. Um sujeito esvaziado de seus conteúdos, mas
entretanto, fundado em seu princípio de limitação
formal: o cogito: “Penso, logo existo.”
No contemporâneo, por outro lado, o que se presentifica é a
promoção do objeto “a” da álgebra lacaniana que traz, consequentemente, uma
abertura ao disforme, “àquilo que transborda”,
ao parcial e ao não todo.
Se fizermos, a partir do que acaba de ser exposto, um amplo
recorte na história das idéias, poderemos pensar que, do Cogito cartesiano ao
universal hegeliano, o que se viu foi o desenvolvimento do princípio de limitação[5] que Lacan deposita no lado masculino da sexuação.
Se nossa hipótese está correta, poderemos pensar que o
sujeito moderno, o sujeito da ótima forma, será correlativo do sujeito
masculino.
Uma questão se coloca a partir deste desenvolvimento:
haveriam efeitos sintomáticos ao masculino provocados pela situação
contemporânea? Como seriam afetados as modalidades de gozo a partir da promoção
do objeto a na contemporaneidade?
Para começarmos a elucidar estas questões, vamos partir da
afirmação freudiana de que, tanto homens, quanto mulheres, tem, no simulacro fálico a única forma de se representar o
sexo. Esta afirmaçõa, podemos articulá-la às idéias de Laurent quando concebe o
modo de gozo masculino, basicamente, como articulações sintomáticas feitas de
um encadeamento do gozo fálico com os ideais encontrados no Outro[6].
J-A. Miller, ao propor o matema do fantasma masculino $ <> Ф(a) esclarece
como o desejo masculino se sustenta de semblantes falicizados”[7].
Podemos ler este matema dizendo que o sujeito promove a oferta de objetos
fálicos que possam apaziguar as demandas produzidas pelo encontro com o Outro
sexo. Uma pequena modificação ao matema, a partir da introdução do Outro
ficaria assim formulada: $<>Ф(a)
--->A/. Alí onde um desejo pode surgir no buraco do simbólico a
oferta de um substituto (um carro ou, até mesmo,
uma outra mulher) que inaugura uma série infinita, sem ponto de conclusão estará sempre pronta para tamponá-lo.
No
entanto, a operação do discurso analítico sobre este sujeito, fazendo incidir
os efeitos do objeto a no masculino, produz o que Lacan denomina de
“efeito feminizante” em seu seminário XVII. “Como
ser falante (o que se abriga sob o princípio macho) é intimado
a justificar sua essência (...)
e, muito precisamente - e exclusivamente - pelo afeto que ele experimenta por
este efeito feminizante que é o a.”[8]
Esta não foi a primeira vez que Lacan se referiu à feminização ao
longo de seu ensino. Em “Uma questão preliminar a todo tratamento possível da
psicose”, ele trabalha o “empuxo à mulher”
como uma saída possível ao
psicótico. Sem a mediação do discurso, sem a mediação do falo, o sujeito psicótico se atém à relação
especular (a-a’), esclarecendo que neste tipo de feminização o que temos é um deslizamento maciço pelo eixo identificatório narcísico
que estabelece uma inércia própria do gozo que então era classificado sob a
égide do registro imaginário: “na
falta de poder ser o falo que falta à mãe,
resta ao sujeito ser a mulher que falta aos homens”.[9]
É pois no lugar da significação fálica impossível
que este processo de feminização vai adquirir o valor de uma significação
assentida pelo sujeito alí, onde até então reinava o que é da ordem do inominado. “Neste
sentido, a feminização é uma
consequência, ou talvez melhor
dizendo, uma resposta à elisão do
falo.”[10]
Uma outra ocasião em que este tema é apresentado, sem contudo ser totalmente explicitado, foi no
Seminário sobre “A carta roubada”. Nesta ocasião,
a tendência à feminização se sustentou no fato do sujeito pretender estar
em uma posição que, segundo o próprio Lacan, “ninguém
estaria à altura de
assumí-la realmente, porque ela é imaginária,
aquela do mestre absoluto”.[11] É pois para
se tornar mestre absoluto que o ministro despossui a mulher daquilo que,
segundo Lacan, seria seu signo (fundado fora da lei), ao mesmo tempo que ele
passa a estar determinado por esse signo até revestir-se
dos atributos de mulher: a sombra, a inércia,
o fetiche.[12]
Este foi o percurso que conseguimos depreender na obra de
Lacan, com respeito aos efeitos da feminização sobre o sujeito masculino: 1 -
revestir-se dos atributos femininos na tentativa de possuir os signo da mulher;
2 - ser a mulher que falta aos homens como resposta à elisão do falo e, 3 - tentar suprir, pelo objeto a, a
privação da mulher enquanto falta de um significante.
Retomando o tema da contemporaneidade, verificamos que a
época atual esta caracterizada por uma ascensão do objeto a em
detrimento do ideal. Seguindo a tese do efeito feminizante do objeto a,
podemos dizer que há, no momento atual, uma ascensão da feminização, ou seja, o sujeito masculino esta afetado em seu
princípio de limitação pela
parcialização do objeto a, pelo não todo feminino[13].
Constata, a partir disto, uma transformação do mundo no qual
vivemos, definido como “um mundo de crenças justaposta”,
por E.Laurent[14]
levando o homem moderno a fixar-se, cada vez mais a seus atributos fálicos.
Este movimento, que tem levado a um aumento do celibato nos dias atuais, longe
de ser uma solução, só faz
demonstrar que o “ter é para ele
um peso, um incomodo” e percebido apenas como mais uma coisa a perder. Por
isso, podemos dizer com Miller, que o homem que Lacan descreve ao longo de seus
Seminários e Escritos, é medroso,
estorvado pelo falo[15]. O uso
constante de semblantes se faz necessários para proteger seu pequeno ter,
produzindo uma civilização que se rege pela regra do “para todos a mesma coisa”
denunciando um fracasso dos ideais em organizarem o estilo de vida do sujeto[16].
Fator preponderante neste processo é o fracasso do pai em levar a bom termo sua função de
converter o buraco que organiza a estrutura da família edípica em lugar misterioso da causa de seu desejo. Esta nova
versão da metáfora paterna[17] nos
explicita a inserção dos velhos sintomas em novos contextos, denotando que a
forma atual de se viver as vicissitudes do desejo promoveu um verdadeiro
remanejamento do que podemos chamar de clínica do falo e do gozo fálico[18].
Quando um homem deposita no automóvel o valor de “falsa mulher”, ele, necessariamente, irá esbarrar
com um sintoma; mesmo que este seja uma outra mulher. Na verdade, o homem
moderno pode fazer do automóvel um falo. Porém, o automóvel só tem relação com o falo na medida em que ele aí se instala
como o que vai estorvar, impedír o homem de se relacionar com o que pode ser
denominado fiador sexual: uma mulher colocada como causa de desejo. No entanto,
isto que o homem tanto almeja só advém
quando este último se depara com um desejo que não seja anomino. Um desejo que não
esteja sob a égido do “para todos a mesma coisa”. Um desejo que carregue
consigo a marca singular, quase sempre irreconhecível do nome e que torna o ser
sexuado masculino portador da lei que se articula com o desejo. A possibilidade
de utilizar esta marca como um ponto de báscula na globalização proposta pela
contemporaneidade é o que
desloca o pai das funções de “gardião do sentido, do sentido sexual, do sentido fálico”, para “o pai do qual é preciso se servir”[19],
indo além.
Esta é a
possibilidade que nos oferece este resíduo
que promove o fato irredutível da transmissão fálica no
humano que propicia a oportunidade de poder se dizer o “não” que vai impedir
que uma adaptação ao mundo venha escamotear o que há para se saber do
insuportável.
Para além das identificações, o que resta é uma falta que, convertida em causa de desejo pela incidência da lei, vai poder oferecer ao homem a chance de ver seu
desejo redirecionado, abandonando o anonimato e a indiferença inrente à relação
deste com os gadgets.
[1] Laurente, E., “Les
deux sexes et l’Autre jouissance”, in Revue de Pyschanalyse “La Cause
freudienne”. Nº 24. ECF, Paris, 1993. Pag. 3.
[2] “C’est là l’obstacle à ce que la dimension culturelle du gender vienne
totalment recouvrir la sexuation” Laurent, E., Op. Cit.
[3] Miller, J-A. “Des semblants dans la
relation entre les sexes”, Revue de Psychanalyse La Cause freudienne” nº 36 ECF
Paris, 1997, pag. 13.
[4] Lacan, J., “Vers un signifiant nouveau”,
in Ornicar? Nº
[5] Laurent, E.
[6] Laurent, E.,
[7] Miller, J-A. “Des semblants dans la
relation entre les sexes”, in Revue de Psychanalyse, Nº36, ECF, Paris. Pag. 14.
[8] Lacan, J. “O avesso da psicanálise”
[9] Lacan, J. “Questions preliminaire a tout
traitement possible de la psychose” in Écrits, ed. Du
Seuil, Paris, Pag. 560.
[10] Aparicio, S. “Como
seria belo ser uma mulher...”
[11] Lacan, J., “La lettre volée” In Écrits,
Ed. Du Seuil, Paris, 1966, pag. 33.
[12] Idem, pag. 31.
[13] Miller &Laurent,
“L’Autre qui n’existe pas...” lição de 21/05/97, inédito.
[14] Laurent, E., “Les nouveaus symptômes et
les autres” in Lettre Mensuelle, nº162, sept-oct. 1997, pag. 37
[15] Miller, J-A., “Des Semblants dans la relation
entre les sexes”. Op. Cit. Pag. 11.
[16] Laurent, E. Op,. Cit. Pag. 38.
[17] Nominé, B. “El sintoma y la familia”, Conf. Pronunciada em B.Hte, 07/10/97, inédita.
[18] Laurent, E., Op, Cit. Pag. 39.
[19] Idem, pag. 40.
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