A QUEDA DO FALOCENTRISMO - CONSEQUÊNCIAS PARA A PSICANÁLISE
XXII Encontro Brasileiro do Campo Freudiano
Nos dias 23, 24 e 25 de novembro de
2018 a Escola Brasileira de Psicanálise reunirá seus membros e todos os
participantes do Campo Freudiano no Brasil no Centro de Convenções Windsor
Barra, na cidade do Rio de Janeiro. Éric Laurent será o nosso conferencista convidado. Essa será a
ocasião de um aggiornamento da
prática da psicanálise. Leiam o argumento escrito por Marcus André Vieira (Coordenador da Comissão Científica)
Argumento
Quem man dou?
Quem mandou brincar na chuva, sair à noite?
Quem
mandou ir atrás, trair, amar demais, dormir de menos? Quem?
Algo em mim, mais forte do que eu - diria cada um de nós quando percebe que
talvez tenha ido longe demais no caminho do desejo.
O querer não costuma seguir o bom senso, insiste e mira no que em
nós, sem limite ou descanso, quer mais – o que J. Lacan denominou gozo.
A expressão “Quem mandou?” porém, enfatiza apenas os perigos do desejo, como se
sempre, mais cedo ou mais tarde, tivéssemos de pagar a fatura de seus excessos.
Nem sempre, ao menos para Lacan que situa a psicanálise exatamente na arte de
encontrar a composição singular entre falta e excesso, desejo e gozo, que dê a
cada um a medida de seu destino.
A expressão situa-se, assim, no avesso de uma análise por supor que
há quem mande melhor, na justa medida. “Isso não se faz” é o que enunciaria a
tradição, nos convencendo de que se assim sempre foi é porque assim deve ser.
Seu poder, encarnado por Freud no pai é em grande medida virtual, uma vez que
ninguém sabe quem escreveu as regras da cartilha. Seguindo-a, no entanto,
assumimos práticas que constituem e organizam nossos corpos, repartindo até
nosso prazer: de um lado, o “masculino”, tido como localizado e vigoroso; de
outro, o “feminino”, dito abrangente e sensível. Falo foi o
nome freudiano para o ícone mais comum desta cartilha que, juntando a fome com
a vontade de comer, define inclusive nossa natureza sexuada, estipulando
complementariedades: para uma mulher um homem, para um pai um filho e assim por
diante.
Ocorre que a tradição se sustenta na continuidade. Quando a
tecnociência e o mercado dão as cartas, porém, quando o sentimento de que não
há mais limites ao que se possa fazer ou vender generaliza-se, as coisas mudam.
Se trinta anos na praça como taxista valem nada diante do GPS, para que as
prescrições do pai? Se o Google parece ler nosso pensamento ao
nos sugerir onde comprar produtos que apenas tínhamos começado a procurar, se
o Spotify e seus podcasts sem autor nos
deliciam sem que tenhamos que escolher o que ouvir, como crer em uma
determinação maior?
O ocaso da crença no universal do pai acompanha-se da queda do
falocentrismo. Sem a avenida principal da tradição, abre-se um sem número de
vias para o gozo, para uma cultura de galáxias plurais no lugar de sistemas
ordenados. Quais seus efeitos em nossos corpos e cidades? Há os que se aferram
à tradição, mas, perdida sua eficácia natural, tornam-se pais severos de uma
violência sem par; há os que, sonhando com a diversidade, se notam às voltas
com o retorno de velhos dualismos ou individualismos ali onde parecia crescer a
pólis do poliamor.
É possível querer sem o que transgredir? Seremos, no prazer,
condenados aos desejos e gozos do binarismo e à sua superação? E na política,
nada mais haverá além do poder do chefe e sua corrupção? Quem escolher quando a
representação está em frangalhos e nossos eleitos vivem para gozar? A que se
dedicar quando o desempenho vale mais que a ação eficaz? Quando somos
empreendedores ou consumidores, nunca mais trabalhadores?
Enquanto isso, o querer segue em desassossego, promove ocupações,
movimentos slow, saraus, intervenções, gozos trans, se
encanta com os ininteligíveis, ignora os likes, vibra com a
comunidade da comunidade sem exército, dá artes de sobrevida a nossos jovens
negros em tempos de genocídio. Não teria lugar a psicanálise nestes
espaços? Quais condições lhe favorecem ou fazem obstáculo hoje?
Nossa comunidade, psicanalistas e não psicanalistas que
compartilham da mesma orientação lacaniana, constitui-se de trabalhadores
decididos a enfrentar o desafio de abordar as questões envolvendo a queda do
falocentrismo, a partir do que sua prática lhes ensina. Seremos, psicanalistas,
suficientemente queers para estarmos à altura das soluções ao
mal-estar de nossos dias com as quais nos deparamos em nosso trabalho clínico?
De que modo seguiremos promovendo a surpresa de uma fala que encontra sua
singularidade como sintoma? E que, com ele, enfrenta o próprio destino e disto
faz acontecimento?
Nosso Encontro Brasileiro do Campo Freudiano repartirá estes
horizontes em três eixos: Poderes, Eróticas e Sintomas. Interrogaremos
nossa prática a partir da ênfase nos poderes sem pai, na vida amorosa quando a
falta e o falo não dão mais as cartas e na pluralidade de novos sintomas que os
dias atuais descortinam. Contaremos com os flashes e reflexões
da prática psicanalítica, assim como com a bússola fundamental que nos
fornecem, por meio dos testemunhos de passe, as análises levadas às últimas
consequências. Poderemos, assim, examinar as “consequências para a psicanálise”
das soluções e impasses subjetivos de nosso tempo.
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