Boletim IX Jornada Delegação Paraíba
Equipe responsável: Cassandra Dias, Margarida Assad e Mª Cristina Maia
Nº 2 - Julho / 2010
IX Jornada
O que sabe o psicanalista?
João Pessoa, 05 e 06 de novembro de 2010
Convidado: Ricardo Seldes
Membro da Associação Mundial de Psicanálise
Analista Membro da Escuela de Orientación Lacaniana (EOL) – Buenos Aires – Argentina
Editorial
Em meio ao clima de festa que toma conta do Nordeste nesse período junino, do frenesi promovido pelos jogos da Copa do Mundo e da fúria das águas inundando cidades, a nossa pequena comunidade analítica na Paraíba, interpelada pelo real e pela cultura, prossegue insistindo na aposta de que o discurso analítico tem algo diferente a oferecer aos sujeitos acossados da civilização do século XXI.
Frente a tudo isso, perguntamos: o que o psicanalista sabe? Seguindo a trilha deixada por Lacan, continuamos nossa investigação em nossos seminários preparatórios que acontecem em João Pessoa e Campina Grande.
Nesse segundo número do boletim, apresentamos o início de uma enquete realizada entre os membros da Delegação e alguns colegas da EBP, numa provocação para que o debate se estabeleça. Também trazemos para o leitor a resenha assinada por Mª Cristina Maia sobre o verbete “Saber” de autoria de Ricardo Seldes, publicado em Scilicet Semblantes e sinthomas e debatido em nossos seminários preparatórios.
Cassandra Dias
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Resenhas do Seminário Preparatório
Saber – Ricardo Seldes
Tomando como base de reflexão, o tema da própria Jornada, podemos argüir que na questão feita, já há uma afirmação: o psicanalista sabe. O que ele sabe? Abre-se novamente a questão...
Inspirando-me na bibliografia que Seldes sugere no texto que hoje discutiremos, há um texto que se chama ´Canevas de una alocución en el Coloquio del Centenario de Jacques Lacan realizado en Roma, el 26 de mayo de 2001´. Então, Canevas foi a palavra que me tomou: significa “primeiro dado de uma obra, esboço, exposição sumária”. É disso que se tratou no primeiro encontro, uma vez que foi feita apenas uma introdução do que será nosso seminário preparatório e a Jornada.
Seldes abre seu texto trazendo uma questão em relação à associação livre, depois de introduzir com uma definição de Lacan do ato analítico, no seminário 16: este, o ato, seria uma “incitação ao saber”. Um incentivo, uma provocação, um estímulo, um incitamento, aquilo que impele à ação. Um ato seria, portanto, uma ação do analista que provoque no analisante, uma produção de saber.
Miller, no ´Banquete dos Analistas´, diz que o ato analítico implica que o analista aparente saber ou, ao menos, que faça como se estivesse a par do assunto. E, certamente, está, em certo sentido, pela sua experiência da transferência. Pelo simples fato de convidar à associação livre, já antecipa que, da relação de um significante a outro, sempre surge um efeito de significação que podemos chamar de significação da significação. Em outras palavras, pode-se não saber o que quer dizer, mas isso quer dizer que quer dizer algo”[1]. É uma relação distinta da enfatuação... Miller diz que na análise, “é preciso deixar-se enganar” e isto só vale em referência ao SsS como semblante. É o “resignar-se ao não há relação sexual”.
Mas, o que significa convidar o analista a considerar o saber no real? Pergunta Miller, em La Naturaleza. E diz: “no fundo é convidá-lo a fazer o que sempre fez, ao menos nos primeiros tempos de análise; isto é, levar em conta o saber científico, o que para o Lacan da Nota Italiana supõe, muito precisamente, deixar de lado o imaginário para fixar-se na relação entre o simbólico e o real e ao real”.
Podemos dizer que sujeito, saber e suposição são 3 termos que interatuam entre si (S. Tendlarz). O sujeito é suposto saber um texto inconsciente que a análise restitui. Então, o SsS é uma “significação de saber”, não um saber do analista ou do analisante: ele circula entre ambos, à medida que o saber inconsciente do sujeito se desdobra na transferência.
No texto, Seldes refere-se ao ato, articulando à associação livre – regra básica da análise que Lacan chama de absurda, pois, “se nos tomassem ao pé da letra, se aqueles que apresentamos a essa prática se pusessem realmente a dizer tudo o que lhes passa pela cabeça, o que significa, na verdade outra coisa, e se isso tivesse sentido para eles, onde iríamos parar?” - e pressupõe que a associação livre possa ser uma hipótese – hipótese do analista que autoriza o inconsciente enquanto saber enigmático – e uma suposição (do analisante) – que supõe que há um Outro que sabe o que quer dizer aquilo que ele diz.
Então, nesse texto que Seldes aponta, Lacan chama a análise de “empreitada” e diz que se é possível confiar no analista é exatamente porque “digam vocês o que disserem, existe o Outro, o Outro que sabe o que isso quer dizer”[2], ou seja, o Sujeito suposto saber. Nesse sentido, Lacan privilegia o neurótico, pois ele “procura saber” e a facilidade de incitá-lo no início dessa empreitada, a confiar nesse Outro enquanto “lugar em que o saber se institui”.
A grande descoberta da psicanálise é que gozamos quando falamos e não queremos saber de nada disso, segundo Seldes. O sujeito não sabe o que diz e muito menos que, quando fala do seu sintoma, está se referindo ao recalque que o habita. Então, a análise incita, provoca, produz um deslocamento do saber em relação ao discurso do mestre. O sujeito vai trabalhar agora para se separar de suas identificações, aquilo que situa o saber no lugar da verdade.
Ele divide o texto em algumas partes, a saber:
SABER DO GOZO - Freud inscreveu o inconsciente como algo a ser descoberto, já escrito, mesmo que o sujeito não saiba o que é. Esse é o sentido que Freud deu aos atos falhos, tropeços, etc. Lacan subverte essa idéia, falando de um inconsciente que tem o sentido de um “não está escrito”. É nesse sentido que Seldes cita Miller, em Canevas: “o inconsciente não é um saber que não se sabe, o inconsciente exprime um savoir-faire que não temos”. Quer dizer, não é um saber do real do indivíduo, mas uma suposição desse saber. A psicanálise permite ao sujeito, ao falar, inventar um saber, saber que tem estrutura de ficção. Permite ter acesso ao saber em que implicam as pulsões para cada um, como modo de produção de uma satisfação à margem da finalidade sexual. Então, se há como dizer o gozo é semidizendo sobre a relação forjada entre homens e mulheres
GOZO DO SABER - Como o neurótico confia no Outro, ele o atribui um lugar de saber, lugar que Lacan define como do gozo do SsS. Quer dizer, o neurótico supõe que o Outro goza, portanto, existe.
DESCOBRIR/ INVENTAR - Seldes traz o binário descobrir/inventar de Lacan, em ´Nota Italiana´. Lacan diz: “em se tratando de saber no real, podemos falar de descoberta. Mas [para] o saber de que se trata na psicanálise [convém] explicar o verbo inventar”. Quer dizer, DESCOBRIR supõe que há um prévio a ser descoberto. Como na ciência, verifica-se que há saber no real e o real da ciência não mente.
INVENTAR é correlato ao não há relação sexual. Na psicanálise, temos que lidar com o real no saber, um real mentiroso. Inventar implica em uma nova escritura, uma nova idéia, um forçamento do simbólico e do sentido.
Lacan apresenta o inconsciente freudiano como inteiramente redutível a um saber, é interpretável. Ele mostra que a instância do saber em relação à qual, Freud inova, não supõe esse real de que ele serve e o qual constitui sua invenção, sua resposta sintomática.
O DESEJO DE SABER - Miller, em ´O Banquete dos analistas´, pergunta o que resta no final de uma análise, o que é explorável como saber e onde se produziu esse acúmulo de saber. “Só pode ser no analisante”, afirma Seldes. O desejo de saber é algo inédito que surge no final da análise: é quando o amor de transferência (que vela o horror ao saber) se transforme em desejo de saber, condição sine qua non para que haja analista.
NÃO SABER - Lacan convida o analista a ser analisante de novo, manter a relação ao SsS, tanto na análise quanto no ensino. Numa lição de ´Coisas de Finura´, Miller se pergunta qual o afeto que convém ao analista. Após citar apatia, embotamento, entusiasmo, enjôo, ele diz que o termo que mais lhe agrada é DESAPEGO. Termo modesto que designa “a posição que convém ao analista, uma vez que seu ato consiste em desapegar o significado do significante, ou seja, em reconduzir o significante a sua nudez, ali onde não se sabe o que isso quer dizer para o outro”.
Miller diz: “não se sabe o que verdadeiramente uma palavra quer dizer para o outro, não se sabe as significações acumuladas na história dele, significações que se segmentaram, significações que foram recalcadas. Para cada palavra que o paciente lhes diz, vocês não sabem. Do mesmo modo, quando vocês, analistas, dizem uma palavra, não tem a menor idéia do que isso pode produzir, não sabem o que farão repercutir, ao acaso”.
Para finalizar, Seldes diz que o analista conhece a natureza do semblante, a partir da sua própria experiência analítica. Remete outra vez ao saber da ciência, onde o não-saber parece absorver-se no saber e compara com a psicanálise, onde permanece a opacidade, onde resta sempre algo a dizer, algo a analisar. O que pode ser dito e que não se sabe é, geralmente, o mais interessante.
Mª Cristina Maia Fernandes
IX JORNADA DA DPB – O que sabe o psicanalista?
Coordenação Geral: Cleide Pereira Monteiro
Comissão Científica: Cassandra Dias (coordenadora)
Comissão Organizadora: Sandra Conrado (coordenadora)
Comissão de Divulgação: Zaeth Aguiar (coordenadora)
Comissão Financeira: Margarida Assad (coordenadora) e Alice Tocchetto
Intercâmbio: Glacy Gorski
Internet: Cassandra Dias
INFORMAÇÕES: delegacaoparaiba@
Fone: 83. 3226.3671
[1] Miller, J-A. De la naturaleza de los semblantes, p. 87
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