“O homem é fundamentalmente homo oeconomicus”.
Karl Marx
Como considerar o valor de um objeto? Seria possível fazer esse cálculo? Quais seriam os fatores em questão? A economia, pela sua semelhança com o inconsciente, foi incluída no discurso psicanalítico tanto por Freud como por Lacan. De um lado, Freud designou de econômica uma das três características do inconsciente. De outro, Lacan assinala, no Seminário de um Outro ao outro, que Marx, com seu conceito de mais valia, encarnou o vivo do desconhecido.1 Lacan localiza nesse Seminário, a semelhança entre a teoria de Marx da mais valia e o seu conceito de mais de gozo. Faremos algumas aproximações nesse sentido para refletirmos sobre o que está em jogo no valor do objeto.
Marx extrai esse conceito de seus estudos sobre os economistas David Ricardo e Adam Smith. O valor econômico é o valor que tem ou que se supõe ter o objeto. Há dois tipos de valor: o valor de uso e o valor de troca. Atualizando essa classificação para a psicanálise, diremos que apenas existirão os valores de uso e de troca se houver extração do objeto através da separação do sujeito com o Outro. O valor de uso é aquele que o objeto tem para o sujeito. Diversos sujeitos possuidores de um mesmo objeto podem extrair diferentes satisfações. Por exemplo, é possível obter-se diversas satisfações do objeto oral, como beber, comer, beijar, sugar, jejuar, entre outros. Um mesmo sujeito pode derivar de um mesmo objeto diversificadas satisfações em circunstancias e momentos diferentes. Por exemplo, a metonímia veloz com que se desloca o objeto anal do homem dos ratos através de inúmeros semblantes: o pênis, o dinheiro, o verme, a criança, entre outros.
O valor de uso e o valor de troca são interdependentes e intercambiáveis, visto que nada teria valor de troca se não tivesse algum valor de uso, ao mesmo tempo em que nada que tenha valor de uso numa economia, mesmo que seja psíquica, deixa de ter algum valor de troca.
Se Lacan aproxima a mais valia ao mais de gozo no Seminário de um Outro ao outro, cotejaremos o conceito de valor de uso com o de valor gozo, uma vez que o gozo tem um valor para o sujeito na medida em que ele o coloca em uso. Dizendo de outra maneira, o gozo tem um valor de uso para o sujeito na medida em que ele não declina de fazê-lo, mesmo que esse uso o coloque em risco, não obstante as recomendações médicas, psicológicas ou familiares. Assim, podemos indagar qual é o valor de gozo que o sujeito tem para com seu objeto ao usá-lo? E mais: se esse sujeito fosse a um analista, quanto de seu valor de gozo ele estaria disposto a transformar em valor de troca, pelos efeitos de discursos durante um processo analítico?
Marx vai destacar dois tipos de valor de troca: o valor natural e o valor de mercado. Se por um lado, o valor natural é o valor permanente e real que o objeto possui - por exemplo, no campo da psicanálise, pode-se dizer que o valor natural do alimento, que por ora recobre como semblante o vazio do objeto oral, é o seu valor nutritivo e o valor natural das fezes, que se destacam no objeto anal, é o seu valor excrementício - por outro lado, o valor de mercado é menos permanente. Ele oscila de acordo com os investimentos libidinais nos objetos pelo sujeito no mercado da fantasia.
Lacan ressalta que é necessário supor que no campo do Outro exista um mercado que totalizam os méritos, os valores e que assegura a organização das escolhas, das preferências e que se implica para o sujeito como uma estrutura ordinária.2 Esse tipo de organização do Outro que denominei de mercado da fantasia no qual o objeto ganha um valor de semblante. Assim, Miller ressalta que a troca do gozo pelo saber, saber como preço da renuncia ao gozo, faz com que ele, o gozo, se torne uma mercadoria.3
O valor de mercado fantasmático pelo objeto oral é dado pela demanda ao Outro, do mesmo modo que o mercado do objeto anal é assegurado pela demanda do Outro. Como nos casos do objeto oral, em que o sujeito goza quando ele demanda o objeto ao Outro, e do objeto anal, em que o sujeito goza quando o Outro lhe pede e ele não dá.
Para ser mais bem entendida, a mais valia será decomposta de maneira triádica. De início, Marx assinala que a diferença –para mais ou para menos– entre o valor de mercado e o valor natural são causadas pela lei da oferta e da procura. O resultado dessa diferença, Marx denominou de mais valia. Sob o ângulo da psicanálise, pode-se afirmar que há uma diferença entre o valor natural e permanente do objeto e o valor de libido investido, de forma que o valor de gozo é conferido pelo sujeito em sua própria economia, diante dos dois tipos de demanda referidas ao Outro. Assim, será preciso de um valor de gozo depurado para que o mais de gozo seja alcançado.
Em segundo, Marx assinala que quando há um equilíbrio entre a oferta e a procura, o valor de mercado coincide com o valor natural. Se Marx procurava saber qual é o valor natural de uma mercadoria, era para saber qual seria o valor da força de trabalho para produzi-la. Portanto, Marx considera que o preço do valor da mais valia é uma expressão exata do grau de exploração do capital ou do capitalista da força de trabalho do trabalhador. Assim, mutatis mutantis, podemos indagar se no mais de gozo não está também em jogo a força ruidosa empregada por Eros para sobrepujar o lucro insidioso da pulsão de morte.
Adiciona-se à teoria marxista a teoria do salário. O salário é o preço que se paga pela capacidade de trabalho. Essa capacidade de trabalho se transforma em uma mercadoria que adquire valor de troca. O valor do salário serve para medir a força de trabalho do trabalhador. Assim, no campo analítico, podemos interrogar se a capacidade de trabalho do inconsciente adquire um valor de troca pelo efeito de discurso, mediante o valor ao que se paga ao analista.
Por fim, Lacan ressalta que o mais de gozo é a função da renúncia ao gozo sob efeito de discurso.4 É paradoxal, mas o sujeito lucra com sua perda de gozo, isto é, mais de gozo, argumenta Lacan. É apenas dessa maneira que o objeto a encontra o seu lugar. Após o processo analítico, desbastado, circunscrito e limitado de seu valor de troca pelos significantes, restará ao objeto apenas o seu valor de uso como mais de gozo.
Lacan pensou o sinthoma como sendo da ordem de um resto que não tem mais mercado no âmbito da fantasia para trocá-lo em moeda de gozo, mediante a demanda, mas tem um valor de uso e que o falasser pode se servir dele para orientar o seu mais de gozo. Talvez por isso, no sinthoma não há mais mercado para análise. De outra feita, para Marx, é preciso definir como mercado qualquer objeto que seja fruto do trabalho humano, portanto, esse postulado se aplica ao trabalho psíquico, acrescento. Se por um lado, a mais valia é algo que o objeto porta em todo objeto resultado do trabalho humano; por outro, no trabalho analítico, poderemos localizar o mais de gozo apenas como conseqüência especifica dessa produção que permite isolar a função do objeto a de acordo com a articulação significante entre o desejo e a pulsão. À guisa de conclusão, apenas na medida em que o sujeito localizar o objeto parcial em jogo pelo viés do mais de gozo, é que será facultado a ele valorizar o seu próximo, uma vez que o mais próximo de si mesmo é o seu vazio.
1 Lacan, J., Le Séminaire, livre XVI. D’um Autre à l’autre (1968-69), Paris: Éditions du Seuil, 2006, p.18.
2 Lacan, J., Le Séminaire, livre XVI. D’um Autre à l’autre (1968-69), Paris: Éditions du Seuil, 2006, p.17.
3 Miller, J.-A., “Uma leitura do seminario D’um Autre à l’autre” (2007), Opçao Lacaniana, São Paulo: editora Eolia, vol.49, agosto de 2007, p.14.
4 Lacan, J., Le Séminaire, livre XVI. D’um Autre à l’autre (1968-69), Paris: Éditions du Seuil, 2006, p.19.
Referências bibliográficas:
Kart Marx, O Capital (1872), capitulo I: “A mercadoria”, Trad. J. Teixeira Martins, Coimbra: Centelha, 1974.
Lacan, J., Le Séminaire, livre XVI. D’um Autre à l’autre (1968-69), Paris: Éditions du Seuil, 2006.
Miller, J.-A., “Uma leitura do seminario D’um Autre à l’autre” (2007), Opçao Lcaniana, São Paulo: editora Eolia, vol.49, agosto de 2007.
Mora, J. F., Dicionário de Filosofia, São Paulo: Edições Loyola, Tomo III, 2001.
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La mirada como objeto. Lo que el cine nos enseña
Diana Paulozky
Hay un cine que revela lo inasible porque no lo muestra. Si Lacan decía que el concepto que cada analista tenga sobre el inconciente determinará la dirección de los tratamientos, digo que el concepto que un director tenga sobre la mirada como objeto, determina el producto final.Así, M. Antonioni, pensaba que la mirada puede ser un objeto peligroso y hace un film como "Blow up", en el que pone en cuestión el estatuto del objeto. Decía, que si se mira demasiado cerca, el objeto desaparece porque es inasible.La escena más sorprendente de "Blow up" es un particular partido de tenis con una pelota invisible. La secuencia es muda, sólo se escucha el ruido de la pelota inexistente pegando sobre las raquetas. La cámara es la que sigue el supuesto partido, yendo de un lado al otro del campo, siguiendo las miradas atentas de los espectadores. Es la pelota inexistente la que causa y sostiene el juego. Cuando la pelota cae fuera del campo, el protagonista la lanza para que el juego prosiga. Pero entonces es él quien se convierte en el objeto y desaparece de la escena.Antonioni captó de Cortazar el estatuto del objeto como inasible y nos lo trasmitió de esta manera para acentuar que el objeto no es tangible ni observable y que sabemos de su presencia por sus efectos.
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Dos sueños de final
Gustavo A. Zapata M.
Primer sueño:"Usted está atendiendo a alguien. Yo espero en la salita de al lado extrañada de su retraso. Sale y me dice 'le atiendo luego, no está urgida ¿verdad?' Le digo que en realidad no, pero que prefiero irme. Usted me mira largamente y se despide. Me voy tranquila. Seguí durmiendo, no hubo otro, qué raro."La paciente asocia este sueño con un episodio concreto reciente. Según ella, por primera vez en mucho tiempo, me miró a los ojos al salir del consultorio, y no se sintió inquieta. "Me di cuenta que podía soportar su mirada, pero más que eso, tuve la certeza de que usted no dejaba de mirarme aunque yo no le viera a usted sentado allá atrás y sorprendentemente, no me importó, ya no es como antes."
La siguiente sesión trae este otro sueño:"Me encuentro en un auditorio, parece la sala de espera pero mucho más grande.Usted está allí, con uno de sus hijos, parece. Le veo menos alto y menos apuesto, me saluda y me dice que ya está por comenzar, que se sienta a esperar. Voy al escenario para empezar a hablar, me siento tranquila, usted me ve, pero no me mira. Su mirada es menos brillante. Termino el discurso, todos aplauden. En donde usted estaba con su hijo, asientos vacíos. Me sonrío con un bebé que viene gateando hacia mí y me mira. Sigo durmiendo. No recuerdo nada más."
Ambos sueños son el colofón de un re-análisis que ocurrió literalmente en sueños (producía series de sueños cuyas asociaciones ocuparon largos trechos de su cura). Con éste último sólo puede asociar el sueño de entrada en el dispositivo: "Estoy en un salón de clases, me dispongo a dar mi clase. Entre los alumnos un hombre viejo me mira, el resto son muchachos y se ríen de mi, trato de hablar pero no puedo, me veo y estoy desnuda, me despierto asustada."
Este sueño abrió para la sujeto el camino para un recorrido analítico que implicó una cesión del goce atrapado en el síntoma de entrada (después de una carrera docente brillante de más de 20 años, no podía hablar en público sin sentir una angustia que la hacía balbucear), para dar paso al escrutinio de las formas de declinación de la relación de la sujeto con la mirada (a partir de un recuerdo infantil de la mirada del padre atisbando sus juegos sexuales con su hermana mayor), dando cuenta de sus inhibiciones y síntomas hasta condensarse en el efecto degradado de una mirada que "ya no es como antes".
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