Quinta-feira, 29 de novembro 2012 - 8h00 [GMT + 1]
NÚMERO 255
Eu não perderia um Seminário por nada no mundo— Philippe Sollers
Ganharemos porque não temos outra escolha — Agnès Aflalo
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▪Conferência gesticulada▪
BPO - Boas Práticas Orgásticas
Por Claire Zebrowski
No final de outubro foi dada em Rennes uma conferência gesticulada sobre a questão do prazer feminino, organizada pelas associações Questions d’égalité et Le Pavé. A conferência gesticulada é um conceito já bastante antigo, praticada principalmente pelo movimento de educação popular, e que está em vias de tomar o seu lugar entre as formas de representação cênica. A meio caminho entre o espetáculo e a conferência, entre o teatro e a teoria, a conferência gesticulada tenta uma ousada aliança entre o corpo em ato e um certo saber em movimento. Aqui, a representação fica em segundo plano, atrás da presença de homens e de mulheres que, tendo percebido a vacuidade do saber no Outro, tentam, apesar disso, dizer alguma coisa sobre o mundo em que vivem. É a presença e o desejo que contam, mais que a estética e a performance.
Para essa conferência gesticulada sobre o prazer feminino, sete mulheres em cena. Elas não são atrizes, põem-se a trabalhar a questão de seu desejo e de seu gozo e tentam transmitir alguma coisa. O dispositivo cênico é simples e engenhoso: sete cadeiras à frente, à direita, um tapete onde as sete mulheres podem se retirar sucessivamente, e ao fundo, uma tela onde, de quando em quando, com uma lúcida impertinência, são projetados esquemas dos aparelhos sexuais masculino e feminino extraídos de manuais escolares de biologia. E, sobretudo, as panelas
[i] que elas arrastam, mais ou menos grandes, mais ou menos ruidosas: família, educação, religião e muitas outras. Em torno do prazer feminino, entre o corpo e a palavra, essa conferência gesticulada não deprecia o gozo masculino; ela o invalida inteiramente. Aqui é o gozo feminino que entra em cena, não-todo, e que vence o desafio de se expressar, sem colocar os espectadores na posição de voyeurs. Um pouco mais próximo do simbólico, um pouco mais longe do real que nossos seriados televisivos
1, a cena torna-se o lugar do desejo.
Peritos em BPO
Duas mulheres travestidas em homens, de terno cinza, de ombros largos, discutem na beirada do palco. Em suas mãos, o manual das BPO, as Boas Práticas Orgásticas. Os dois peritos, com voz firme, corpo reto, movimentos muito verticais, enumeram, um a um, os critérios de êxito da relação sexual. Para os homens, é simples demais: não adormecer logo. Para as mulheres, é mais complicado: é preciso ser dócil mas não muito, fingir mas não muito, e depois banhar-se, após o final do ato, ter o ar fresco e posar, boca entreaberta como um manequim de publicidade. Nesse discurso do mestre, o gozo feminino é não todo, mas isso não tem nada a ver com o gozo d’
A mulher.
O discurso dos peritos em boas práticas orgásticas compreende, de fato, várias coisas, que se encontram à vontade em nossas revistas e lojas.
De início, supõe-se que a relação existe, o signo dominante é aquele do sucesso, do « isso funciona ». Sim, a relação sexual existe sob o signo do gozo, se está condizente com as boas condutas que levam a ela.
Depois, o discurso tradicionalmente monolítico do mestre é hoje o discurso parcelado dos peritos. Ele não mudou, ele está simplesmente mais fragmentado. É dividido conforme os diferentes setores dos peritos convocados para apresentações em televisão: cientistas políticos, economistas, … e até mesmo, quando oportuno, psicanalistas.
Enfim, o discurso do mestre está certamente mais fragmentado, mas expressa sempre um saber para servir ao mestre. E aqui, ocasionalmente, o mestre é o gozo fálico combinado com séculos de patriarcado e de monoteísmo, sob a capa da liberdade sexual para todos. Os peritos em BPO, dois homens, oferecem às mulheres um conhecimento sob o « rótulo BPO », ou: como fazer os homens gozarem.
A outra novidade é que esse saber do século XXI tem muito pouco de restos simbólicos. Ele está orientado para o lado do real e do gozo. Outrora, havia grandes discursos sobre as razões pelas quais o homem, e especialmente a mulher, nasciam pecadores e deviam entregar seu gozo a Deus. Havia o catecismo que contava histórias. Nenhuma nostalgia, sem dúvida. Hoje, é outra coisa, existe o: «Tu deves gozar», mas: «Tu deves gozar segundo o manual normativo de Boas Práticas Orgásticas para almejar a felicidade.» A norma é o gozar, o gozar desses múltiplos objetos, eles também fragmentados. Em termos de relação sexual, isso é flagrante. Sem discurso amoroso na boca dos peritos – isso seria, aliás, uma antítese: um perito do discurso amoroso!
Restam então três pobres significantes reduzidos a letras, que não fazem borda, nem tamponam o real: BPO.
- B para Boas: há os bons e os maus alunos, aqueles que se aplicam ao discurso do mestre e aqueles que estão « nem tanto » nesse discurso. A Boa atitude, é a que é rotulada como tal pelos peritos, isto é, normalizada.
- P para Práticas: manual de instruções para o sucesso na relação, saber eficaz, modo de ser eficiente. Oratio do esforço resultado/produto obtido deve ser rentável.
- O para Orgásticas: gozar, gozar, gozar, bandeira das sociedades capitalistas – «pompa e circunstância» enfim. Goze, caso contrário: nada!
BPO versus desejo
Na Ética da psicanálise, Lacan apresenta Creonte como mestre da boa conduta dos habitantes da cidade. Ele dita a lei, para a felicidade de todos, está do lado do gozo dos bens, «os mandamentos insensatos»2, do mesmo lado dos peritos. Ora, Lacan disso lembra: o desejo nunca goza de algum bem, e «não há outro bem que aquele que possa servir para pagar o preço pelo acesso ao desejo»3.
É do lado do desejo que se situam resolutamente as sete mulheres que sobem ao palco para dizer, uma a uma, sem manual de instruções, o que elas podem formular sobre seu prazer. Elas abordam, algumas vezes, a maneira concreta como elas gozam, mas com muito humor e parcimônia. Elas falam de seus percursos, uma a uma, se expõem, fazem uma narrativa de seu desejo. Elas rodeiam, com suas palavras e seus corpos, em torno de seu gozo. Elas o abeiram um pouco, sem pretender a relação.
Annaïg riu muito relatando que seu desejo passa por histórias amorosas e carnais múltiplas. Adolescente, o encontro com a sexualidade parece ter sido sobretudo divertido. A transmissão de um certo saber tinha sido bem feita entre a mãe e a filha. Certas práticas em moda - sim, ela as defende se for para o prazer. Seu desejo nos diz também alguma coisa sobre esse seu riso.
Quanto a Isabelle, ela insiste sobre isso: o que pôde sustentar o encontro do seu corpo com um outro, foi o outro ter compreendido que ela existia como alguém. Ela não era mais um protótipo, nem um corpo reificado. Em matéria de paixão, Lacan nos diz4 que, além do outro, é sempre o ser que o parceiro visa, na vertente do ódio ou na do amor. Um encontro sexual feliz pôde ser possível para Isabelle quando o outro se endereçou ao que ela era além do seu corpo, fora daquele único real do gozo. Mascarando um pouco o corpo enquanto objeto de prazer, o seu, ou aquele do outro.
Mulheres com mulheres, mulheres com homens, essa conferência gesticulada é uma narrativa do desejo em versos livres, versos livres politizados nos quais essas sete mulheres encontram a força coletiva para falar. Então elas deixam ousadamente sua mordedura – elas realmente mordem!, no discurso do mestre que ressurge claudicante. O título do seu espetáculo? «O clitô
[ii], um nome curto que fala longamente».
Notes :
1 Gérard Wajcman, Les experts, la police des morts, Paris, PUF, 2012.
2 Jacques Lacan, Le Séminaire, Livre VII, L’éthique de la psychanalyse, Paris, Seuil, 1986, chapitre XXI, paragraphe 2, page 323.
3 Ibid, chapitre XXIV, paragraphe 3, page 371.
4 Jacques Lacan, LeSéminaire, Livre VI, « Le désir et son interprétation », leçon du 18 mars 1959, inédit.
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▪AUTISMO▪
Avaliação da HAS: o «rigor científico»
Por Jean-Pierre Bretheau*
A Alta Autoridade de Saúde apresenta em seu site na Internet os princípios que fundam sua ação; o rigor científico constitui um dos pilares. Ela especifica o que indica sob esse termo: «Os pareceres e as recomendações elaboradas pela H.A.S. são baseadas em argumentos científicos, particularmente sob a noção de “nível de prova” científico (…). Esses pareceres e recomendações se sustentam em dados científicos, os mais atuais, e refletem o estado do conhecimento em um dado momento. Eles são elaborados com a utilização de um método rigoroso, explícito, reprodutível e não «a priori», isto é, que não se baseia em uma opinião já formada. A dúvida formulada reflete a dúvida dos cientistas.»(1) Essa exigência de rigor científico lembrada no documento de recomendação da boa prática: « Autismo e outros transtornos invasivos do desenvolvimento: intervenções educativas e terapêuticas coordenadas para a criança e o adolescente». Ela é elucidada na página 2: «As RBP [Recomendações da Boa Prática] são sínteses rigorosas do estado da arte e dos dados da ciência» (2). A insistência que põe a H.A.S. em sua fundamentação no discurso da Ciência, para justificar sua ação e suas decisões, de modo geral, e mais especificamente para esta Recomendação, merece que aí se detenha.
Práticas inovadoras e orientação psicanalítica
Numerosas crianças e adolescentes autistas são tratados em unidades de tratamento psiquiátricos infantis, públicas ou privadas. Essas unidades foram – talvez não seja inútil recordar – pioneiras em seus cuidados quando as crianças autistas eram ainda relegadas ao fundo das salas comuns dos hospitais psiquiátricos entre os oligofrênicos e os microcéfalos, e consideradas como retardadas. Essas unidades de tratamento, ao longo dos anos, da experiência acumulada, dos êxitos, dos impasses, e também dos fracassos, conseguiram construir um dispositivo de apoio particularmente elaborado: uma trama fechada de práticas educativas, pedagógicas, psicoterápicas onde a palavra da criança autista – fosse ela rara, logorreica ou enigmática – era recebida e isso com uma forte exigência ética de respeito por ela e pelo que nela havia de mais singular.
Psicanalistas, quer fossem psiquiatras ou psicólogos, quando não tinham a iniciativa dessas práticas inovadoras, assumiam aí um lugar determinante pela reflexão que sustentavam fortemente, pelas questões que traziam e pelo trabalho que tinham, passo a passo, realizado com jovens pacientes e suas famílias. Esse lugar rapidamente se tornou indispensável, tanto para os pacientes como para os terapeutas que, no dia a dia, tinham que trabalhar com os modos de expressões sintomáticas polimorfas, paradoxais, desencaminhadoras, às vezes violentas e frequentemente muito angustiantes, com as quais essas crianças confrontavam aqueles que delas se ocupavam. O trabalho de reflexão, de elaboração, de fala, sustentado por esses psicanalistas com os enfermeiros, os educadores, os pedagogos e todos os membros das equipes de tratamento tornou-se assim a condição essencial para que os efeitos terapêuticos pudessem continuar a ser possíveis, apesar da rudeza dos quadros clínicos.
Para expor esse trabalho, inúmeros artigos, apresentações, vinhetas clínicas têm sido publicadas por aqueles que estão engajados nessas instituições, geralmente nas obras das sociedades de psicanálise ou nas revistas de psiquiatria, para relatar, não os trabalhos sobre as «coortes», nem os estudos "randomizados" mas, ao contrário, as experiências singulares, os encontros imprevistos, os caminhos inesperados. Nos antípodas dos estudos ditos «científicos», a evolução das crianças não foram mensuradas conforme uma norma voltada à adaptação social, com base em um instrumento padronizado, mas com base no próprio jovem paciente e sobre o que, para ele fez, ao longo do tempo, marca importante de evolução.
Na intersecção das ciências humanas, das ciências sociais, da psicanálise, da medicina, o trabalho feito por essas unidades de tratamento, esses hospitais dia, esses I.M.E., prossegue até hoje.
Escolha resoluta de um método enviesado
Para emitir sua recomendação de março de 2012 sobre « Autismo e transtornos invasivos do desenvolvimento » (2), a H.A.S. tem utilizado o método do "consenso formalizado". Esse método, compreende, esquematicamente, três etapas essenciais:
- uma vasta pesquisa bibliográfica que se faz interrogando, a partir de palavras chaves, as grandes bases de dados biomédicos e psicológicos francófonos e anglófonos, o que posteriormente conduz à redação de proposições.
- uma listagem do valor científico dessas proposições que darão lugar, por uma série de idas e vindas entre os grupos de trabalho, à redação de recomendações cotadas desde o grau A: «valor científico estabelecido», até o grau C: «baixo nível de prova».
- Quando alguma gradação não é possível, recorre-se a uma decisão dita consensual entre os «especialistas», em outras palavras, entre os membros dos grupos que participam da cotação. A cotação é, então, assinalada «Acordo de Especialistas»(AE).
Essas três etapas determinam o resultado, ou seja, a Recomendação: a pesquisa bibliográfica sobre as palavras chaves utilizadas e os bancos de dados consultados, a cotação do valor científico atribuído aos documentos, o consenso por orientação teórica dos diferentes «especialistas».
Ao se engajar na elaboração desse documento de boa prática, a H.A.S. sabia que iria abordar uma questão particularmente arriscada, pois, estando pouco escorada em trabalhos científicos incontestáveis, e muito pouco consensual, as oposições conceituais são aí particularmente fortes. As decisões por Acordo de Especialistas (AE) seriam aí, consequentemente, predominantes.
Ignorar o essencial
Buscando avaliar as «intervenções educativas e terapêuticas na criança e no adolescente» por esse método que se pretende rigoroso, científico e consensual (2) – o mesmo que é utilizado para avaliar, por exemplo, em obstetrícia, a eficácia de «a expressão abdominal durante a segunda fase do parto» –, era previsível que a H.A.S. iria deixar de lado, ignorar, negligenciar, essa muito importante soma de experiências acumuladas há mais de sessenta anos pelos psicanalistas e todos os terapeutas das instituições para crianças e adolescentes, que trabalharam com eles, pelo simples fato de que aquilo que eles disso relataram era constituído somente de experiências singulares, não quantificáveis e, por isso, consideradas «sem valor científico».
Ora, do singular a H.A.S. não sabe o que fazer.
Pretendendo, a todo custo, aplicar uma abordagem científica ao campo da psiquiatria infantil, escolhendo se amparar nas concepções norteamericanas dos transtornos mentais que privilegiam as teorias neuropsicológicas, e as abordagens comportamentalistas cujo objetivo patente é uma adaptação social mensurada por meio de escalas numéricas, portanto «cientificamente compatíveis», referindo-se exclusivamente ao D.S.M. que criou a inepta sacola das T.E.D., a H.A.S., decididamente, voltou as costas ao modelo francês de tratamento praticado nas instituições de psiquiatria infantil e aos seus sessenta anos de experiência. Recorrer ao método do consenso formalizado equivale, neste caso, a introduzir um viés que, desde o início, desde o primeiro trabalho de pesquisa bibliográfica (3), direciona o resultado e as conclusões, uma vez que apenas uma pequena parte do objeto estudado, aquele que é quantificável, ou considerado como de interesse científico, pode aí ser incluído; e o restante, que nada mais é que o essencial, sendo descartado pois não é alcançado por uma tal abordagem.
Ineficiência
Esse método, tal como tem sido utilizado pela H.A.S., se revela inapropriado e ineficiente para apreender e dar conta do trabalho com o singular, complexo e intrincado, que funciona na grande maioria das instituições de saúde para crianças e adolescentes. Recomeçar aqui, redunda em criar as condições de um fracasso. Procedendo assim, a H.A.S. optou por ignorar a maior parte da experiência acumulada por aqueles que, no cotidiano, trabalharam com as crianças e seus pais. Que isso seja feito em razão de preconceitos antipsicanalíticos, de desprezo por um trabalho considerado como «não científico» ou em razão da confiança exclusiva e limitada por um modelo calcado nas ciências exatas, pouco nos importa afinal. Pois, em se engajando na avaliação de um campo da prática que a ultrapassa, e para a qual ela não era competente, e aplicando aí uma metodologia inapropriada, a H.A.S. fez a demonstração de uma falta de rigor, de uma ausência de humildade, uma conduta bem pouco científica.
*Doutor Jean-Pierre Bretheau, Diretor do hospital dia.
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(2) HAS, ANESM, «Recommandation de bonne pratique. Autisme et troubles envahissants du développement : interventions éducatives et thérapeutiques chez l’enfant et l’adolescent. Méthode Recommandations par consensus formalisé. Recommandations», mars 2012
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▪POLITIQUE▪
Dois artigos de Jacques-Alain Miller
No site da Le Point:
Rumo a uma «sarko-fadiga»
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