24 de maio de 2011

Estadão: o psicanalista e a cidadania

Perfis psicológicos

Por Redação Link

Por Leandro Quintanilha

Em uma sessão de psicanálise, o divã fica posicionado de costas para a poltrona do analista. É um princípio freudiano: o profissional não deve ser visto durante a sessão. Mas hoje qualquer especialista pode ser visto pelo Google. Isso se for necessário. Porque há analistas com perfis em redes sociais. E que twittam. Será que eles estão virando o divã?

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Psicanalistas famosos, como Jorge Forbes, Contardo Calligaris e Regina Navarro Lins (veja ao lado uma análise de seus perfis), já são seguidos por milhares de pessoas no Twitter – o que, claro, inclui eventualmente alguns pacientes. O fenômeno é visto com entusiasmo por alguns profissionais, mas com receio por outros.

O psiquiatra e psicanalista Plinio Montagna, presidente da Sociedade Brasileira de Psicanálise em São Paulo, não mantém perfis pessoais na internet, mas é cauteloso ao comentar o assunto. “O foco da relação analítica deve ser o paciente – não o analista”, diz.

Mas Plinio não é proibitivo. “Os psicanalistas são humanos: têm amigos, fazem piada, exercem a sua cidadania.” Para ele, as redes sociais são um jeito contemporâneo de viver. “O que o profissional precisa é gerenciar a sua privacidade na rede.”

É o que faz a psicanalista e sexóloga Regina Navarro Lins. No seu perfil no Twitter, que é republicado no Facebook, ela trata exclusivamente dos temas que pesquisa: amor, desejo e relacionamentos. “Na verdade, eu sou uma militante (da liberação sexual)”, diz a autora de A Cama na Varanda (Ed. Best Seller). Uma vez por semana, Regina tira algumas horas para programar os tweets dos próximos sete dias – um por hora, das 9h da manhã à 1h da madrugada.

No correr da semana, a psicanalista também responde a perguntas do público, enviadas pelo Twitter. “Aprendi que colocar um caractere antes de cada resposta permite que todos os meus seguidores acompanhem os debates que vão surgindo”, ensina. “Mas preciso tomar cuidado – já perdi seguidores por poluir suas timelines”, diverte-se. Regina segue 311 pessoas, mas ela admite que já não os lê há tempos, por estar muito ocupada com as pesquisas de sua próxima obra, O Livro do Amor.

Para o psicanalista freudiano Antonio Jeam, que não está no Twitter, o sucesso das redes sociais é um desdobramento de fixações como o voyeurismo e o exibicionismo. “Há uma gana de afirmação tanto de quem observa quanto de quem se expõe”, provoca. “É uma questão de autoestima baixa – não há nada de novo nisso.” Ele afirma que seus colegas acabam expondo suas fragilidades na rede, o que poderia atrapalhar a análise.

Citando Carl Jung, Antonio explica que o psicanalista desfruta de um arquétipo de “pessoa ideal” aos olhos do paciente. E isto seria material de trabalho. “Informações pessoais podem destruir essa relação”, diz. Porque, se o paciente percebe que o analista tem também dilemas, o ‘mentor’ pode perder a credibilidade.

Na série americana Mad About You (no Brasil, Louco Por Você), vários episódios foram dedicados aos constrangimentos causados pelo contato dos protagonistas com a terapeuta do casal fora do consultório. Em um deles, a profissional bebe demais em uma festa.

O estudante Marcos (a pedido dele, o seu sobrenome foi omitido) acompanhava os tweets de seu analista. “Fui percebendo que ele era uma pessoa radical”, lembra. “Não era nada muito pessoal, mas a forma como ele escrevia (sobre política e meio ambiente) soava agressiva.” O paciente não abandonou o tratamento especificamente por causa do que leu na internet, mas acha que isso contou. “Fiquei decepcionado.”

Mas e se o analista se ater a observações pontuais sobre a sociedade? Alguns profissionais usam a ferramenta para sugerir leituras e avisar sobre entrevistas e palestras. Mas eles parecem atrair mais seguidores pelo que dizem sobre política, cultura e sociedade. É assim que se tornam muito seguidos e retwittados.

“Acho que o Twitter favorece a divulgação de ideias e o contato com universitários”, argumenta o estudante de psicologia Thomás Gomes. Ele conta que o tema vem sendo debatido na instituição onde estuda, a PUC-RS. Não em uma disciplina sobre novas tecnologias, mas na aula de ética.

Depois de passar uma temporada na Argentina, Thomás parece convicto de que psicanalistas devem, sim, participar da sociedade, dentro e fora da internet. Em Buenos Aires, eles são muito presentes nos meios de comunicação; e o assunto, na vida das pessoas. Não é raro ver alguém lendo Freud, Jung ou Lacan no metrô.

De todo modo, a presença de psicanalistas no Twitter parece enfrentar menos resistência que formas existentes de terapia online, vistas com desconfiança pelos principais conselhos da área, mas em experimentação por alguns profissionais e instituições. Muitos psicanalistas ainda devem twittar sobre o assunto.

“Não vejo incompatibilidade entre o exercício da psicanálise e da cidadania”

LOGIN – Jorge Forbes, psicanalista

Ele não é um tipo reservado. Olhe bem para a foto – talvez você o reconheça. O psiquiatra e psicanalista Jorge Forbes aparece frequentemente nos jornais, nos programas de TV e na internet. Seu site pessoal jorgeforbes.com.br), funciona mais ou menos como um blog, e um perfil no Twitter. Ali, ele divulga sua agenda de palestras e entrevistas, além de algumas ideias sobre a vida.

Como psicanalista, você não se sente exposto nas redes sociais?
Parto do princípio de que o psicanalista é um cidadão. Lacan dizia não saber se a psicanálise era uma ciência ou não, mas sabia que não se tratava de uma ciência oculta. É claro que eu não pretendo fazer análise de ninguém por meio da internet, porque a análise exige a dureza do contato físico. Mas me valho especialmente do Twitter para publicar minhas opiniões e não consigo opinar de outro modo que não seja atravessado pela psicanálise.

Por que o Twitter?
Aprecio a concisão dos 140 toques. Isso nos obriga a entender melhor o que realmente queremos dizer. Uma sessão de psicanálise lacaniana pode ser muito curta, porque se entende que não se chega necessariamente a maiores verdades falando por mais tempo. E há outra coisa de que gosto muito no Twitter: você fala em praça pública. Essa é a grande pós-modernidade das mídias sociais.

E quanto ao Facebook e ao Orkut?
Tenho um site que mantenho atualizado. E o Twitter. Acho que já está de bom tamanho. O fato é que não me sinto atraído por essas mídias sociais muito focadas em nostalgia. Encontrar velhos conhecidos, reviver antigos hábitos… Tenho muito prazer com o meu passado, não sou saudosista. O que me interessa agora é o futuro.

O senhor aparece muito na TV, nos jornais e, com o Twitter, também na internet. Isso nunca interferiu no seu trabalho?
Todo formador de opinião quer se comunicar. Lacan realizava seminários, falava em público com qualquer pessoa e nunca viu problema nisso. Não vejo nenhuma incompatibilidade entre o exercício da psicanálise e o da cidadania. Alguns profissionais preferem viver em uma espécie extraterritorialidade. Mas eu acredito que isto se deva muito mais a uma questão de personalidade do que de necessidade profissional.

O senhor já foi criticado pelo uso que faz da internet?
Eu nunca recebi nenhum tipo de crítica diretamente por isso – o que não quer dizer que não haja!


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