8 de fevereiro de 2012

LACAN COTIDIANO Nº 141



Sexta-feira, 27 de janeiro de 2012 ٠ 00h30 [GMT+ 1]

NÚMERO 141

Eu não teria faltado um Seminário por nada desse mundo— Philippe Sollers

Nós ganharemos porque não temos outra escolhaAgnÈs Aflalo

Comunicado da Agência France Presse

Um filme sobre o autismo é proibido

AFP Publicado em 26/01/2012 às 18:04 ·

O filme controvertido sobre o autismo O Muro, que quer provar "o absurdo" da abordagem desta doença pela psicanálise, e, exalta, ao contrário, os métdos ditos comportamentalistas, foi proibido no estado hoje, após uma queixa de alguns psicanalistas interrogados neste documentário. O tribunal de Lille "constatou que os extratos de entrevistas" dos psicanalistas de renome "Esthela Solano-Suarez, Eric Laurent e Alexandre Stevens (...) lesam sua imagem e sua reputação na medida em que o sentido de suas proposições está desnaturada", afirma o julgamento.

Os extratos destas entrevistas que aparecem no filme "devem ser suprimidos", acrescenta o julgamento, o que equivale, segundo o advogado da documentarista Sophie Robert, Sr Benoît Titran, que "o filme seja proibido no estado". "Não há mais filme", ele ressaltou. Pois a decisão, que tem efeito imediato, terá como consequência que O Muro deve ser retirado da internet –onde é apresentado no site da Associação Autistas sem fronteiras especialmente - até que seja modificado, e isto sob multa de 100 euros por dia de atraso.
O tribunal releva que alguns extratos das entrevistas com os psicanalistas são às vezes precedidas, na montagem final, de perguntas diferentes daquelas colocadas quando da gravação. Ele considera também que certos extratos –trata-se às vezes de algumas palavras—não dão conta da complexidade do ponto de vista do psicanalista interrogado, e que os cortes de montagem tem como consequência que certos extratos estão em contradição com as opiniões detalhadas antes na entrevista.

"A esse preço, qualquer documentário montado pode ser proibido. O documentarista não tem mais o direito de orientar sua montagem", comentou Sr Titran, que vai apelar. "O trabalho de montagem está sob avaliação. Com tal jurisprudência, (o diretor americano de documentários engajados) Michael Moore está proibido de filmar na França", lamentou ele. Além do mais, a diretora e sua sociedade de produção foram condenadas a pagar aos três queixosos 19.000 euros de danos e interesses "em reparação ao prejuízo resultante do ataque dirigido a sua imagem e à sua reputação", segundo o julgamento. Soma-se a isto 9000 euros para a publicação do dispositivo da decisão em três revistas escolhidas pelos queixosos, e 6.000 euros para as custas de justiça. "Isso faz com que pese um perigo econômico real sobre a sociedade de produção e a diretora", ressaltou Sr Titran.

O advogado dos queixosos, Sr Christian Charrière-Bournazel, não estava disponível no momento para comentar esta decisão. Ele tinha denunciado, quando da audiência, que ocorreu em 8 de dezembro, "uma empresa polêmica destinada a ridicularizar a psicanálise", diante de uma sala lotada de pais das crianças autistas, vindos para apoiar Sophie Robert.



▪ A ROSA DOS LIVROS ▪

Decalagem

Por Nathalie Georges-Lambrichs

P

or vezes, é preciso cinquenta anos para um romance estrangeiro ser traduzido. Eis então, hoje, La sœur, de Sándor Márai (Albin Michel, 2011, traduzido do húngaro por Catherine Fay). Será ele de outro tempo, essa narrativa dentro da narrativa, que gravita em torno do corpo doente, ou então, o gênio de seu autor estava bastante avançado para sua época, para nos falar ainda, a nós, que sobrevivemos a ele, há mais de vinte anos, uma vez que ele colocou fim a seus dias ?

Um homem, retido numa estada que se eterniza contra sua vontade, conhece, de repente, outro, virtuose célebre, mas de quem ninguém mais fala. As circusntâncias lhe dão ocasião para romper o gelo, mas isso será apenas para se ausentar mais e distanciar definitivamente um do outro. Será preciso que um – o músico – morra, para que sua palavra, dada ao outro – o escritor – se cumpra, e que este receba, pelo correio, o manuscrito daquele. Este texto, mesmo que esteja atrasado, não desvelará o mistério que o causa ; apenas aproxima-se dele, por sobressaltos, e permitirá sentir sua espessura, à medida em que penetrará no mistério, experimentando sua resistência.

De repente

Acontece alguma coisa a um dos dois homens, que o faz antecipar, em sua existência, uma mudança radical. À chegada dessa mudança, um nome se impõe : a doença. Ela se anuncia, está ali, muda tudo e de repente pelo fato de seu ser pronunciado. Ela modifica especialmente o tempo, e os laços, antes mesmo que algum sintoma verdadeiro tenha aparecido, que permitisse definir seu curso e sua saída.

Será ele excepcional, esse doente que sabe e que sente, observa e presta a seu médico « um ar levemente carregado de reprovação, como se [ele não fosse] tão inocente quanto a isso que [lhe] acontecia » (p. 169-70) ? Quem julga que o que é « repugnante, assustador, penoso, também seja interessante » (p. 171) ?

Ir além da exceção

O ser de exceção, o artista (é um músico) afundou de repente, longe de todos os seus, num hospital estrangeiro. Nós estamos longe de A Montanha Mágica. O furor da guerra é tão mais inquietante que não o escutamos – a ação se passa em Florença -, onde ela é inteiramente metaforizada por esta dor individual e precisa, que resiste a todos os estratagemas, não somente àquele que ela ocupa, mas também de certo número de seus semelhantes.

Pouco a pouco, essas forças, independentes da origem, vão se unir e, juntas, fazer saltar o caráter de exceção, criando ao redor do ser, que se encontrava fechado, as condições propícias para reencontrar sua singularidade.

Para além da cura, é a vontade de viver que é questionada, a vontade de viver solidária àquela de saber se, em certos cruzamentos, um homem pode ou não « vir em socorro de seu semelhante » (p. 221), e lhe fazer perceber que paixão cega o precipitou na doença.

Nesse tempo lá, um médico podia dizer a seu doente: « A música é o último degrau da experiência dos sentidos. Você deve ter vivido de maneira sensível demais, maestro. Quero dizer, viver durante quase quarenta anos em concubinato com a música... mesmo os deuses não o suportariam. »

Nesse tempo aí, a fala era arriscada entre um e outro, tinha um curso imprevisível, com o risco de se perder, e um médico podia proferir :

« Não é verdade que não haja nenhum socorro possível. Mas é preciso encontrar o ser que vai nos ajudar quando nós estamos sozinhos e não queremos mais viver […].

– Onde está este ser?... » eu perguntava.

Foi num tom quase severo, com a neutralidade do homem de ciência, que ele respondeu:

« Isso, depende de você encontrá-lo. »

Depois, ele me deixou sozinho. » (p. 221-22)

Não seria de bom grado desvelar os segredos deste livro, que os guarda, todos, assim como os entrega. Ele leva mais a meditar que a voz, que faz dançar a quadrilha da doença, da morte, da irmã múltipla e uma, e da mulher, que existe e não existe.

Será que é para melhor fazer valer como último impulso da vida, « melodia » que « nunca tem sentido », mas « que relata alguma coisa que não se pode relatar com palavras» (p. 301), que nos é êxtima, para « nós » que somos psicanalistas em nossa experiência, os herdeiros dos generalistas, capazes de auscultar a carne que palpita e se torce, sem incrementar as máquinas, que a escrutam com os olhos mudos ?



▪EZER KE NEGDO—AJUDA-CONTRA—עזר כנגדו

O Sionismo, o que é?

Por Marco Mauas

Em 14 de janeiro de 2012, três artigos sintéticos foram publicados no Haaretz, jornal israelita, cuja voz ressoa muito além das fronteiras de Israel.

O primeiro artigo é a nota editorial do jornal: As Forças Armadas não são mais a força do povo. Há somente um soldado recrutado entre dois que, efetivamente, se incorporou ao serviço militar, contudo, obrigatório. E há somente um soldado entre três que, tendo terminado o serviço militar obrigatório, continua servindo nas forças armadas, durante as duas décadas seguintes.

O segundo artigo é assinado por Gideon Levy, jornalista conhecido por sua crítica impiedosa da política oficial, a ponto de ser objeto de admiração de Noam Chomsky : A Corte Suprema de Israel não merece ser defendida. Defendida contra aqueles que a atacam, como por exemplo os judeus ortodoxos, que preferem a halacha, a lei religiosa. Por que ? Porque a Corte Suprema recusou reconhecer uma objeção a uma lei que proíbe a cidadania a um cidadão estrangeiro tendo desposado um cidadão israelense.

O terceiro artigo se intitula: O sistema educativo israelense favorece a desigualdade. Em Kiriat Malakchi - uma pequena cidade situada perto de Ashkelon, ao sul do país, lugar da residência do ex-presidente Moshe Katzav, célebre por ter sido condenado a 7 anos de prisão por violação – os imigrantes de origem etíope protestam contra o que eles consideram tendências segregadoras das escolas.

Outro artigo publicado dois dias mais tarde, de Avner Cohen, filósofo, especialista na questão da amimut (opacidade) - a dita política nuclear israelense – questiona os assassinatos –supostamente cometidos pelo Mossad— dos cientistas iranianos. Com um de seus pais sobrevivendo a Shoah, Avner Cohen reside nos EUA, ele diz compreender perfeitamente o medo que teria sido o motivo do armamento nuclear israelense. Contudo, ele dedica sua vida ao problema da dissuasão, da moralidade da dita dissuasão nuclear.

As Forças Armadas, a Corte Suprema de Justiça, o sistema educativo, a política nuclear. Está tudo sobre a mesa. Empurrado para discussão. Ainda um esforço, Israel.

Será que hoje se faz sentir a presença como nunca, na discussão viva, extrema, inclusive extremista, da política de cada dia nesse pequeno país, de uma questão : o sionismo, tem ele hoje qualquer legitimidade ?

O que Georges Bensoussan, em seu livro Une histoire intellectuelle et politique du sionisme (Fayard, 2002, 1052 pages) dizia na Introdução, (p.9) testemunha mais em direção a outra questão. O sionismo seria, segundo ele, um cristal polido, no sentido espinozista, para ver mais claramente o que se passa, atualmente, mesmo para formalizar algumas questões cruciais de nossa modernidade. Eu o cito : «O adjetivo bate como um insulto. Sionista. O termo hoje tem uma conotação tão pejorativa, tão depreciativa, que a realidade que ele recobre acabou por desaparecer sob os estratos da estigmatização, inclusive, como em certas ocasiões internacionais, da diabolização.(…) Confrontado às questões da modernidade política, pegando emprestado, em particular, as vias da nação, da laicidade, da utopia social e da cultura como forma nova do religioso nas sociedades secularizadas, o sionismo, longe de falar apenas aos judeus, contribui para colocar as questões capitais do século XX. O que ele é nas relações com a língua e a nação, do povo e do território, no que ele se torna diante de uma fé nacional no processo geral da laicização do mundo? (…) Parafraseando Marc Bloch, dirigindo-se, outrora, aos historiadores da Revolução Francesa, nós adoraríamos dizer aos protagonistas de hoje : Sionistas, antisionistas, por piedade, nos diga o que foi o sionismo ».



▪ JANELA ▪

As clarezas , suplementares, de Jean-Claude Milner

Pascale Fari

Jean-Claude Milner é daqueles para quem as ideias não são abstrações etéreas, destacadas do desejo que une o sujeito ao corpo. Assim, ele esteve, na última terça-feira, na Maison de l'Amérique Latine, para esse encontro realizado pela Associação Franco-Argentina de Psiquiatria e de Saúde Mental, que girou em torna de Clartés de tout, seu último livro. Viva, essa interlocução se apoiava nas questões de Juan Pablo Lucchelli, de Fabian Fajnwaks e de Eduardo Mahieu. Um regalo para as orelhas e para o espírito. Pudemos encontrar sua expressão singular, a clareza especial de sua enunciação, suas articulações totalmente finas, esse entrelaçamento único do rigor incisivo, de doçura aparente e de atenção com o outro. Cada vez, sou alcançada, tocada, pela maneira como J.-Cl. Milner faz ressoar seus enunciados. Seu recorte torna presente o intervalo que sempre separa uma palvra de outra. Arrancadas da rotina, de seu sentido supostamente comum, não se juntam jamais em ritornelos ou ladainhas, as palavras encontram, como por magia, sua espessura, sua densidade, suas arestas também.

« Eu consinto que uma mulher tenha clareza de tudo ;

Mas não lhes quero a paixão chocante

De se tornar culta a fim de ser sabida ;

E eu amo que frequentemente, às perguntas que se faz,

Ela saiba ignorar as coisas que ela sabe;

De seu estudo enfim quero que ela se esconda,

E que ela tenha saber sem querer que saibamos disso,

Sem citar os autores, sem dizer grandes palavras,

E paralisar o espírito a suas menores propostas. »

O título que ele escolheu para esta série de entrevistas é, pois, um empréstimo e uma homenagem às Femmes savantes de Molière. Eis um segredo que ele nos revelou : o mais de saber, o saber a mais, o saber suplementar encarnado pelo Outro, é isso que faz com que isso continue, que isso não pare, pois isso opera como mais de saber. Quando J. P. Lucchelli e F. Fajnwaks vieram interrogá-lo sobre seu percurso, sobre sua relação a Lacan, pouco lhe importava que eles não tivessem sua cultura universal, enciclopédica (mesmo que eles sejam eminentes leitores). O que interessou J.-Cl. Milner foi o fato que cada um deles passou por deslocamentos geográficos, linguísticos, culturais... Dito de outro modo, era sua diferença, não reabsorvível num todo qualquer.

Como explicar o lugar excepcional da psicanálise na Argentina? O lugar (sempre magnífico) e as circunstâncias se prestaram à retomada desse enigma, pela versão linguística: em que isso se explicaria pelas especificidades da língua que é usada lá? Resposta em dois tempos, em dois níveis:

Por um lado, para o agrégé em gramática, todas as línguas são recalcitrantes, rebeldes, ao inconsciente. Nenhuma é construída para lhe dar boa recepção. Mas isso, de maneira diferente para cada uma. A coisa não é, portanto, quantificável numa escala qualquer, nem redutível em termos de mais ou menos. E nenhuma (nem mesmo o japonês como tal, segundo J.-Cl. Milner) é toda rebelde ao inconsciente.

Por outro lado, J.-Cl. Milner nos convenceu quanto à fecundidade do binário superestrutura / infraestrutura para cavar como uma língua se formou, como ela funciona. Assim, a língua francesa se desenvolveu com uma visada laicizante, tratava-se de apagar de si a dimensão do religioso; em seguida, tratava-se de fazer crer aos aristocratas e aos burgueses que eles partilhavam interesses comuns – que eles falavam a mesma língua, como se diz; disso resultou uma primeira, sempre ativa, ao centrismo e ao consenso. J.-Cl. Milner contesta que a língua seja, primeiramente, trabalhada a partir do que se chama « a literatura » : uma obra, um estilo (um não indo sem o outro) têm mais vocação para fazer obstáculo ao curso natural da língua.

J.-Cl. Milner nos estendeu outras perspectivas, desde o nome judeu até o futuro da psicanálise, passando pela crise econômica e o lugar do ideal após Lacan… Pouco importa que partilhemos todas. Contrariamente ao conveniente, para qualquer um, para todo encerramento, sua opção em favor do ilimitado e do suplementar passa em ato na sua enunciação. É isso que estimula o desejo e refresca o pensamento.

Jean-Claude Milner, Clartés de tout. De Lacan à Marx, d'Aristote à Mao, entrevistas com Fabian Fajnwaks e Juan Pablo Lucchelli, Paris, Verdier, 2011, 15 euros.

Próximo encontro parisiense :

Quinta, 9 de fevereiro, às 21 h

Galeria La ralentie, 22-24, rua de la Fontaine au roi, 75011 Paris

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