A
Escola se faz presente em ato: quem dá ideias é convocado a fazer. Pois
é, caí nessa e estou aqui inaugurando minha participação em Opção Lacaniana online.
Nesse número temos a importante contribuição de Jacques-Alain Miller
sobre a relação entre saber e ensino. Ele parte desta consideração: se o
saber é o do inconsciente, como poderia ser ensinado? Vai mais longe
ao situar como estúpida a tentativa, na empreitada educacional, de
separar saber e gozo, fazendo-nos deduzir daí os fracassos escolares
comuns nos dias atuais. Ao colocar o saber ao lado do gozo, Miller
lembra que há em Lacan um rigor clínico que não aceita a simples
dicotomia entre ciência e retórica, elas formariam uma espécie de placa
tectônica em cuja falha se situaria a psicanálise
A
meu ver, Angelina Harari responde a isso ao comentar e apresentar um
editorial de Judith Miller sobre a "Proposição" de 67 de Lacan. A autora
articula a "Proposição" ao recente texto de Miller "Campo freudiano ano
zero", demonstrando que em ambos a lógica do passe resiste. Assim, na
esteira da ousada concepção de Freud sobre a formação do analista, em A questão da análise leiga,
o passe proposto por Lacan é mais do que um dispositivo institucional,
apresenta-se como um instrumento clínico no lugar em que o saber
científico e a retórica se chocam, no justo lugar onde um analista é
consequência do ato analítico.
Assim o faz Éric Laurent numa sofisticada análise da "estranha
montagem" feita por James Joyce que serviu a Lacan para pensar como uma
psicose pode fazer uso do pai, em uma obra literária, para manejar com o
gozo opaco. Com esta hipótese, o autor desafia o analista pós-joyceano a
ir além dos finais de análise medíocres.
Nada
mais oportuno que tomar as psicoses sob a luz da clínica aplicando-lhe o
rigor proposto por Lacan. É o que nossos colegas autores se propõem
neste número, motivados pelo tema do próximo Congresso da AMP em
Barcelona – As psicose ordinárias e as outras sob transferência.
Partindo dos pontos que lhe interessam, eles examinam postulados
anteriormente consagrados às psicoses extraordinárias questionando seu
modo de incidência nas psicoses ordinárias. Esta expressão de
Jacques-Alain Miller esclarece os casos de 'não neuróticos' nos quais
sinais discretos exigem um novo manejo da transferência, de modo a
extrair das sombras pequenos desencadeamentos, arranjos no modo de ter
um corpo ou mesmo um elemento compensatório que, por ser instável,
poderá ou não se performar em uma psicose. A psicose ordinária não se
deixa apreender por fenômenos exuberantes, mas antes, por sinais
captados nas bordas entre simbólico e imaginário, ou, como Lacan dizia,
em fenômenos de franja que precisam que o analista os destaque e agrupe
para que a psicose seja detectada. De tão discretos, seus sinais podem
ser entendidos de maneira conceitual diversa, como veremos nos textos a
seguir, porém neles percebemos a fecundidade clínica dessa noção.
Ondina Machado
[1] Harari, A. Em: Boletim do Conselho da EBP, Um por Um, n.329.
[2]Idem.
[3]Miller, J.-A. “Campo freudiano, ano zero”. Disponível em: http://ampblog2006.blogspot.com.br/2017/06/champ-freudien-annee-zero-campo.html
[2]Idem.
[3]Miller, J.-A. “Campo freudiano, ano zero”. Disponível em: http://ampblog2006.blogspot.com.br/2017/06/champ-freudien-annee-zero-campo.html
______________________________________________________________________________________________________________
Sumário
- O triângulo dos saberes
Jacques-Alain Miller - Uma jovem de cinquenta anos!
Angelina Harari - Sobre a análise leiga
Vera Lúcia Veiga Santana - Reflexões sobre o ser e o sujeito em psicanálise
Elizabete Siqueira - As psicoses ordinárias na perspectiva borromeana
Angélica Cantarella Tironi - Retrato de Joyce como Santo homem
Éric Laurent - Do santo ao artista, a heresia de Joyce
Guillermo Adrián López - Conflito de identidade, identificações partidas e práticas clínicas: a identificação nas psicoses ordinárias
Mirta Zbrun - A função da escrita e o recurso à droga na psicose
Viviane Tinoco Martins - Considerações sobre as psicoses ordinárias: categoria clínica ou epistêmica?
Luiz Mena
Nenhum comentário:
Postar um comentário