Elementos de Epistemologia lacaniana
Fundamentação
Elizabete Siqueira
|
Vocês não perderão nada em se interrogarem sobre os fundamentos da descoberta freudiana tal como nos é revelada por Lacan. "Não é essencial" (Lacan, 1985[1955-56], p.89), mas não é sem consequências. Ir aos fundamentos é a única forma de sair do obscurantismo e da superstição, posto que a psicanálise não é do campo nem do sagrado nem do sobrenatural nem do místico, é do campo da linguagem.
Lacan pôde repensar e praticamente refundar a psicanálise freudiana derivando conceitos a partir de certos momentos fecundos de outras disciplinas, pois segundo o mesmo "não é sem motivos que a descoberta freudiana tenha sido feita nos dias de hoje"... "Vocês estão imersos aí num grau que ultrapassa de muito a sua experiência de técnicos" (1985, p.89). "Essa técnica se desenvolve através da fala... Tentemos, pelo menos, estruturar isso corretamente... Não compreenderemos nada aí se não levarmos a sério essa estrutura" (1985, p.90). É imprescindível, portanto, "introduzir um rigor, uma coerência, uma racionalidade" (Lacan, 1985, p. 98).
A razão depois de Freud é o logos, a palavra. No logos está comprometida a nova razão freudiana: o inconsciente estruturado como linguagem. Se o logos é razão, não é a razão da ciência nem da filosofia, mas do inconsciente.
A epistemologia clássica e academicamente concebida como o estudo dos métodos, processos e caminhos por meio dos quais se obtém determinado saber deságua na vertente que sugere que as ciências servem para ver melhor o mundo. Esta não é a posição de Lacan. Este subscreve uma concepção que considera que as fórmulas e os objetos produzidos pela ciência acrescentam-se ao mundo. É o ponto de vista de uma "epistemologia criacionista" (Laurent, 1992, p. 40) que põe o destaque na invenção das coisas.
A epistemologia da psicanálise é, pois uma epistemologia criacionista que diz respeito à invenção de um saber sobre o não sabido do Real que marca o coração do ser como falta radical e intransponível. É uma epistemologia que faz do pensar uma criação e que se inventa a si mesma. É uma epistemologia que se serve da linguística, da lógica e da topologia e que recorre ao dizer poético e se distancia do que é místico ou sagrado, de todo saber que se pretenda fora do marco da linguagem, mas que, por outro lado, se recusa a admitir que se chegue à verdade pela via da razão científica.
O retorno de Lacan a Freud busca renovar na prática os fundamentos que esta toma da linguagem. São estes fundamentos da prática que pretendemos explorar neste projeto de trabalho, que diz respeito aos fundamentos epistemológicos do primeiro ensino de Lacan que coincide com a primazia do simbólico, a fim de demonstrar que a psicanálise proposta por Lacan se assenta em fundamentos lógicos e coerentes, que podem ser revistos e renovados se necessário. Compreender esse momento do ensino é fundamental para que se possa acompanhar sua proposta dos anos setenta de orientação para o real.
Para isto proponho percorrer a seguinte bibliografia:
Todos esses textos estão nos Escritos, menos Os complexos familiares, que se encontra nos Outros Escritos. Além de outros textos complementares que indicaria no decorrer dos estudos.
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário