Terça-feira, 17 de fevereiro
«Como dizem os suíços, eu toquei fogo no lago!»
Roland está contente. E por que não? Uns ruídos seus com a boca pela manhã em
frente ao «Homem livre» da rádio-TV, bastaram para fazer toda a classe política
gritar. O título de seu novo livro, lançado ontem, anunciava sua intenção de
dar-lhe ares de «politicamente incorreto». Bom, ele demonstrou isso em ato. É
muito astuto. Aos 92 anos, o antigo presidente do Conselho constitucional
tornou-se o velho homem indigno da política francesa.
É um volume de memórias novo. Quantos ele já
escreveu? Quatro, cinco, seis? Não menos, talvez mais. Ele é incalável. E,
acreditem nele ou não, nunca, ou quase nunca se repete. Ele é matéria inesgotável
para si mesmo. «Minha alma tem seu segredo, minha vida tem seu mistério». Pobre
Arvers, tão limitado. Pensem que se a alma de Roland Dumas só tivesse guardado
um segredo, ele não teria ido muito longe. Não, ela encerra numerosos segredos,
sua alma, segredos inomináveis, e que não são apenas seus. Ela deve ter a
estrutura do tonel das Danaides, essa alma, o que explicaria que ela pudesse
contar assim, incessantemente, reconhecer, confessar-se, sem nunca estar a
seco.
Assediado por Eva, demolido por Edwy [4]
A seco! Ele entrou na vida assim. De Limusine, ele é um
«jovem resistente magricela», diz Libération, 2001, sob a pluma de Pascal
Virot. «Em Paris, ele parece um
Rastignac[1]. Seu charme opera. Sua ambição o serve. Os salões se abrem. As
alcovas também.» Mais tarde, quando a justiça vasculhará suas contas e abrirá
seus cofres, e se revelará que ele conservava somas importantes em dinheiro. Se
me lembro bem, ele se explicou a respeito arguindo sobre seu gosto campesino
pelo colchão e pela meia de lã.
Deus sabe que teriam lhe criticado certas coisas! Ele terá tido tudo. Ele foi sabiamente torturado por Eva Joly[2] por ocasião do caso Elf, e não era belo-belo[3] de ver, por assim dizer. O amigo Plenel, de seu lado, duas ou três vezes por semana, dedicava a primeira página do Monde às suas torpezas. Assediado por Eva, demolido por Edwy, atirado diariamente do alto da Arx tarpeia[5], desonrado, Roland não dormia mais, ele pensava seriamente em se matar. Nós, seus amigos, estávamos inquietos. Talvez o momento mais penoso tenha sido quando lhe informaram de que, depois de derrubá-lo, a terrível Norueguesa faria sua entrada na política. Parecia uma bacante se revestindo com a pele ensanguentada do sátiro depois de tê-lo esfolado vivo. Visão de horror.
A imensa fortuna de Talleyrand
Uma coisa que ninguém criticou em Roland, foi de ter
enriquecido no poder. Uma de suas amantes sem dúvida fez a festa com seu cartão
de crédito corporate para lhe dar uns presentinhos. Não digo que um Robespierre
o aceitou, mas afinal de contas, aconteceu até na Noruega. Não, Roland fez
fortuna antes de se tornar ministro. Nada a ver com Talleyrand, esse «homem tão
espirituoso, diz Stendhal, a quem sempre faltava dinheiro.»[6]
Anedota. Estamos sob o Diretório [1ª. República].
Barras domina o grupo dos cinco, a Madame de Staël se agita para tentar obter
para seu amigo Talleyrand a pasta das Relações Exteriores. Isto se deu no dia
16 de julho de 1797. O novo ministro narra o momento nas suas Memórias: «O
caráter absoluto de todos os atos do Diretório, as instâncias de pressão da
madame de Staël e, mais do que isso tudo, o sentimento que se tem, de que um
pouco de bem não é impossível de fazer, afastaram de mim qualquer ideia de
recusa.»
Benjamin Constant narra a coisa um pouco diferente.
Talleyrand está no teatro com Boniface de Castellane. É ele, Benjamin, quem
traz a notícia ao novo ministro. Os três entram em um carro. Fechando os
joelhos de seus companheiros, que o encurralam, Talleyrand se exalta: «Nós
sustentamos o lugar, é preciso fazer nele uma fortuna imensa, uma imensa
fortuna.» Ele repete sem parar, como louco, ao longo de todo o trajeto: « uma
fortuna imensa, uma imensa fortuna.» Duff Cooper questiona a veracidade dessa
história.
Como Wikipédia escreve belamente, «De fato, e a
partir desse instante, ele adquire o hábito de receber importantes somas de
dinheiro do conjunto dos Estados estrangeiros com os quais trata.» Sainte-Beuve, nos
Nouveaux Lundis: «O próprio sr. Talleyrand
avaliava em sessenta milhões o que podia ter recebido, no total das potências,
grandes ou pequenas, em sua carreira diplomática.»
Roland também é muito espirituoso, no espírito de
nunca lhe faltar dinheiro. Ele teve sua prática de advogado para ganha-lo. Ali,
nunca deu presente a ninguém. E por que o teria feito? A outra anedota vem
agora.
Em Dumas, ninguém lhe dará presentes
Início do ano letivo de 1965, há meio século. Acabo
de cooptar meus amigos Grosrichard e Milner, que estão na École (ENS) comigo,
mais Regnault que acaba de partir para dar aulas de filosofia em Prytanée
militaire de la Flèche[7]: A ideia é de publicar dia sim, dia não, um pequeno
boletim mimeografado que canalizará a agitação intelectual onde nos foi
colocado o seminário dos ‘agrégatifs’ de 1963-1964 dedicado por Althusser a Lacan,
seguido da vinda de Lacan em pessoa entre nossas paredes (janeiro 1964).
Subvenções, verba dedicada: zero centavos. Acabo de
considerar com Jacques Broyelle, o adjunto de meu amigo Robert Linhart, que o
boletim lacano-althusseriano que vou criar teria 500 exemplares tirados no
mimeógrafo que seu grupo clandestino acaba de comprar, grupo que tem por
objetivo provocar uma cisão da UEC[8] por ocasião das próximas eleições
presidenciais. Os números seriam cobrados a preço de custo, e a primeira
tiragem seria paga só depois de vendida. Broyelle não considera que o que faz
seja mais-valia nas costas dos colegas, basta-lhe fazer rodar o material.
Estoque: na adega do apartamento de Judith, na rua de
Buci. Nós dois mantínhamos o registro das assinaturas, e entregávamos aos
assinantes. Haverá um só depósito em livraria, no Maspero, rua de la Huchette,
sob a insígnia de «la Joie de lire», onde se fornece tudo o que o bairro
Quartier latin tem, para os então aspirantes revolucionários intelectuais e
políticos.
Tudo se fará de maneira militante. Nada de
assalariado. Cada qual dará seu tempo. Sem finalidade lucrativa, evidentemente.
É preciso ainda criar uma pessoa moral, uma associação segundo a lei de 1901,
que vai redigir os estatutos, depositá-los na Prefeitura, fazer a inserção no
Diário Oficial? Roland Dumas, me diz Judith, o advogado da família, é um amigo,
ele nos fará isso de graça, ou a preço de custo. Alguns dias mais tarde, recebo
na rua d’Ulm[9] uma carta do escritório de Dumas, contendo: 1) a fotocópia do
estatuto-padrão de uma associação de 1901, o modelo que se encontra aos montes
na Prefeitura; 2) uma fatura cujo montante alcança meu salário mensal de
aluno-funcionário.
Furor de ter sido enganado como um principiante
(quando, na verdade, eu era um principiante). Preencho o cheque solicitado (sem
que me aflore a ideia de jogar a fatura no lixo). Juro que a partir de então só
contarei com minhas próprias forças (preceito de Mao). Serei conduzido, nos
anos 80, a criar na psicanálise dezenas de associações através do mundo, e
redigirei pessoalmente todos os estatutos. Quando necessário passar por um
advogado, eu o mantinha na rédea curta, discutindo sem rodeios seus honorários
previamente. Construí a Associação Mundial de Psicanálise com esses princípios
(mais de 2.000 membros, repartidos em sete Escolas). Devo tudo isso a Roland, e
ao modo como ele me depenou, em detrimento de sua amizade muito verdadeira por
Judith.
Não apenas não tenho raiva dele por não me ter feito
nenhum favor («Demasiado favor mata», título de Stendhal), mas lhe agradeço
pela lição: para bom entendedor, meia palavra basta[10]. De fato, recebi a
mesma lição de Lacan, através de uma terceira pessoa. Será minha terceira e
última anedota.
Com Lacan também
1974. São os primeiros tempos de minha amizade com
Benoît Jacquot, encontrado em seu projeto de televisão com Lacan. Ele vive, se
me lembro bem, na rua Bourbon-le Château, a dois passos da rua de Buci nº 15,
em parceria com uma moça muito bela e tocante, que de vez em quando é manequim
de lingerie. Um dia, eles vêm almoçar em nossa casa, vejo que N* está mal, ela
me chama de lado, as lágrimas surgem em seus olhos: as coisas não estão bem com
Benoît, estou muito angustiada, preciso falar com um analista, não vejo outra
pessoa além do Dr Lacan (ele é sempre tão atencioso com ela, arrastava um pouco
a asa para o lado dela), mas ele é muito caro, eu sei, não tenho dinheiro,
Jacques-Alain, você pode lhe explicar isso, ele vai te escutar, para que me
faça um preço.
Telefono a Lacan, na rua de Lille, explico-lhe o
lance. Sim… sim… ele é bastante compreensivo, que ela venha me ver a tal hora.
Transmito a notícia a N*. Efusão. Ela sai de sua entrevista, me liga: ela lhe
disse tudo, chorou muito, na saída ele lhe deu uma facada, pegou tudo o que ela
acabara de ganhar como manequim. Ela ainda está tremendo.
Mais tarde me dirá o quanto essa sessão lhe foi
salutar. A história com Benoît poderia ter se arrastado ainda por muito tempo,
mas estava acabada, eu sabia disso, mas não queria admitir. Moralidade:
preocupado em arranjar a situação do próximo, você o enfia em seu marasmo, você
o encerra na sua prisão de subterfúgios. A verdade liberada.
Retornemos ao velhote indigno que toca fogo no lago.
O sentimento da língua
«Como dizem os Suíços, eu taquei fogo no lago!»
Roland Dumas teve essa frase ontem à tarde em France 24, algumas horas depois
de ter se espalhado a notícia sobre a BFM. Adoro a precisão: «Como dizem os
Suíços.» Admiro que mantenha a calma, a pose, fique zen, no tumulto.
Meu Dictionnaire des expressions quotidiennes (por
Bernet e Rézeau, editado pela Balland, 2008) atesta «não há fogo no lago» como
uma locução frasal significante «não há motivo de pressa». É um reforço da
expressão «não há fogo», que é atestada no oeste da Suíça a partir da metade do
século XIX. Os autores destacam que fora da Suíça «a expressão é por vezes
articulada com uma entonação arrastada que tenta reproduzir a entonação dos
Suíços do oeste». Isto só existe para os judeus, ao passo que os valdenses[11]
também teriam de que se queixar e o que reivindicar. Lacan apreciava o espírito
valdense; ele menciona nos Escritos um provérbio valdense que Sylvia lhe
ensinara: «Nada é impossível ao homem, o que ele não pode fazer, ele
larga»[12]. Vê-se aqui que Roland faz parte da família.
Em contexto positivo, «há fogo no lago» significa que
há urgência. Quanto a «botar (ou tocar) fogo», essa locução verbal quer dizer:
«colocar muita ambientação em um concerto, um espetáculo». Ver Acender o fogo,
título de uma canção de Johnny (1998). É também: «animar com ardor uma prova,
uma competição».
Contudo, o Bernet et Rézeau não tem o «tocar fogo no
lago» Nada no Dictionnaire de l’argot de Larousse, nem no Nouveau dictionnaire
de la langue verte, de Pierre Merle. O Comment tu tchatches! Dictionnaire du français
contemporain des cités, prefaciado por Claude Hagège, dá como sinônimos «mettre
le bronx, mettre le souk, foutre le delbor, foutre le hala [13]»: nem sobre o
fogo, nem sobre o lago.
Bom, é preciso saber interromper uma pesquisa. Até
maiores informações, manterei a expressão «tocar fogo no lago», diversamente
atestada no Google, para a contaminação da expressão «tocar fogo» pela
expressão «não há fogo no lago», significante «criar uma situação de urgência,
fazer um fuzuê no lago, um plácido lago de patos» - todos efeitos que
correspondem aos de irrupção do «politicamente incorreto» no meio «correto».
Concluo disso que o sentimento da língua em Roland Dumas é de uma segurança
perfeita. «Eu toquei fogo no lago», ele não podia dizer melhor na segunda-feira
à tarde isto que havia feito naquela manhã no microfone de Jean-Jacques
Bourdin.
Afirmaram que me aproximo a passos contados do núcleo
incandescente do caso.
Parada agora na localidade «Jean-Jacques Bourdin».
A seguir...
Publicado em 20 de fevereiro 2015 em lepoint.fr
Tradução: Teresinha N. M. Prado
Notas T.
[1] N.T.: Eugène de Rastignac: personagem de Balzac,
presente em vários volumes de A comédia humana. Jovem ambicioso que vai para
Paris estudar direito, observa a vida na alta sociedade e é capaz de qualquer
coisa para conquistar essa posição.
[2] N.T.: Eva Joly, personalidade francesa de origem
norueguesa e francesa, foi juíza no caso Elf nos anos 90, à época um escândalo
político e financeiro envolvendo essa empresa petrolífera em um esquema de
vultosas propinas; posteriormente envolveu-se diretamente na vida política,
tendo sido eleita para sucessivos cargos legislativos.
[3] N.T.: Trocadilho com o nome da juíza: Joly –
joli-joli.
[4] N.T.: Edwy
Plenel.
[5] N.T.: Nome em latim da Rocha Tarpeia, local onde
eram feitas execuções na Roma Antiga.
[6] N.T.: Sthendal, (2012). A cartuxa de parma. São
Paulo: Companhia das Letras.
[7] N.T.: Liceu (ensino médio) militar de renome
situado em Paris.
[8] N.T.: União Estudantil Comunista.
[9] N.T.: Endereço da Escola Normal Superior (ENS).
[10] N.T.: Expressão de La Fontaine, na fábula “O
corvo e a raposa”: “[Cette leçon] vaut bien un fromage”.
[11] N.T.: Os valdenses são uma organização religiosa
cristã que surgiu em Lyon, no séc. XII, com um comerciante, Pedro Valdo, que
encomendou uma tradução da Bíblia para linguagem popular, e defendia que todo
fiel teria direito a ler e interpretar os livros sagrados em sua língua (e não
em latim, que só os clérigos eram capazes de ler à época).
[12] N.T.: Lacan,
J. (1998). “Formulações sobre a
causalidade psíquica”. In Escritos. RJ: Zahar, p.159.
[13] N.T.: No original, mettre le bronx, mettre le
souk, foutre le delbor, foutre le hala são expressões que designam de formas
variadas uma situação em que alguém provoca uma balbúrdia, uma confusão, um
tumulto.
***********
Jacques-Alain Miller: Roland Dumas: altos y bajos
Como dicen los suizos, J´ai mis le feu au lac! Roland está contento
de sí mismo. ¿Y por qué no? Esos ruiditos hechos con la boca frente al
"hombre libre" de la radio televisión bastaron para hacer gritar a toda
la clase política. El título de su nuevo libro* aparecido el lunes,
anunciaba su intención de astutamente hacerse el "políticamente
correcto". Y bien, lo demuestra en acto. Es muy fuerte. A los 92 años,
el ex presidente del Consejo Constitucional se volvió el viejo caballero
indigno de la política francesa.
Es un nuevo volumen de memorias. ¿Cuántas ha escrito ya? ¿Cuatro,
cinco, seis? No menos, tal vez más. Es inagotable. Y, créanlo o no,
nunca se repite, o casi nunca. El mismo es materia inagotable. "Mi alma
tiene su secreto, mi vida tiene su misterio". Pobre Arvers, tan
estrecho. Ustedes piensan bien que si el alma de Roland Dumas hubiera
ocultado solo un secreto no hubiera llegado muy lejos. No, su alma
encierra cantidades de secretos, secretos innumerables, y que no son
solo los suyos. Este alma tiene la estructura del tonel de las Danaides,
lo que explicaría que pueda incesantemente contar, confesar,
confesarse, sin agotarse jamás.
Acosado por Eva, demolido por Edwy
¡A seco! Así entró en la vida. En limusina, un "joven resistente
famélico", dice Liberación en 2001, con la pluma de Pascal Virot. "En
París, toma la apariencia de Rastignac. Su encanto opera. Su ambición le
sirve. Los salones se abren. Los saloncitos también". Más tarde, cuando
la justicia destape sus cuentas y abra sus cofres, se comprobará que
conservaba sumas importantes en efectivo. Si recuerdo bien, lo explicó
aduciendo su gusto provinciano por el colchón y las alcancías.
¡Dios sabe que le han reprochado cosas! Habrá tenido de todo. Fue
sabiamente torturado por Eva Joly luego del asunto Elf, no era lindo
lindo (joli joli) de ver, si puedo decirlo. El amigo Plenel, por su
parte, consagraba la primera plana de Le Monde a sus ignominias. Acosado
por Eva, demolido por Edwy, arrojado todos los días desde lo alto del
Arx tarpeia, pensó seriamente en matarse.
Nosotros, sus amigos, estábamos preocupados. Quizá el momento más
penoso fue cuando supimos luego de derrotarlo, que la terrible Noruega
iba a entrar ella misma en política. Se hubiera dicho una ménade
vistiéndose con la piel sanguinolenta del sátiro luego de haberlo
despellejarlo vivo. Visión de horror.
La "inmensa fortuna" de Talleyrand
Algo que nadie le repechó a Roland es haberse enriquecido con el
poder. Una de sus amantes sin duda hizo que se recalentase un poco su
tarjeta de crédito corporate para hacerle regalitos. No digo que un
Robespierre lo hubiera aceptado, pero en fin, incluso esto pasa en
Noruega. No, Roland tenía fortuna antes de ser ministro. Nada que ver
con Talleyrand, ese "hombre con infinito espíritu, dice Stendhal, al que
siempre le faltaba dinero".
Anécdota. Estamos bajo el Directorio, Barras domina el grupo de
cinco. La Sra. de Staël se activa para hacerle obtener a su amigo
Talleyrand la cartera de Relaciones Exteriores. Es cosa hecha el 16 de
julio de 1797. El nuevo ministro da cuenta de ese momento en sus
Memorias: "El carácter absoluto que tenían todos los actos del
Directorio, las instancias apremiantes de Staël y más que todo eso, el
sentimiento que uno mismo tiene de que no es imposible hacer un poco de
bien, me alejaron de cualquier idea de rechazo".
Benjamin Constant narra la cosa un poco diferente. Talleyrand está en
el teatro con Boniface de Castellane. Es Benjamin quien trae la buena
nueva al nuevo ministro. Los tres suben a un coche. Apretando las
rodillas de sus dos compañeros a su lado, Talleyrand se exalta: "Hay que
hacer una fortuna inmensa, una inmensa fortuna". Duff Cooper duda de la
veracidad de esa historia.
Como Wikipedia lo escribe de una linda manera, "de hecho y desde ese
instante, toma la costumbre de recibir importantes sumas de dinero del
conjunto de los Estados extranjeros con los que trata". Sainte Beuve en
los Nouveaux Lundis: "El Sr. de Talleyrand evaluaba en 60 millones lo
que podía haber recibido en total de las grandes o pequeñas potencias en
su carrera diplomática". Roland también tiene mucho espíritu, uno es el
espíritu de que nunca le falte dinero. Tuvo su práctica de abogado para
ganarlo. Allí nunca le hizo un regalo a nadie. ¿Y por qué lo habría
hecho?
Anécdota
Ahora otra anécdota. Comienzo de clases de 1965, hace medio
siglo. Acabo de reclutar a mis amigos Grosrichard y Milner, que están
conmigo en la Escuela, más Regnault que acaba de dejarla para irse a
enseñar filosofía al Prytanée militar de La Fléche: la idea es publicar
cada dos meses un pequeño boletín mimeografiado que va a canalizar la
agitación intelectual en la que nos colocó el Seminario de los agregados
1963-1964, consagrado a Lacan por Althusser, seguido de la venida de
Lacan en persona a nuestros muros (enero 1964). Subvenciones, fondos:
cero centavo. Termino de resolver con mi amigo Jacques Broyelle, el
lugarteniente de mi amigo Robert Linhart, que el boletín
lacanoalthusseriano que voy a crear tenga una tirada de 500 ejemplares
en el mimeógrafo que acaba de comprar el grupo clandestino, cuyo
objetivo es separarse de la Unión de Estudiantes Comunistas en ocasión
de la próxima elección presidencial. Los números nos los van a facturar a
precio de costo y la primera tirada se pagará una vez vendida. Broyelle
no piensa obtener plusvalía sobre las espadas de sus camaradas, le
basta con hacer circular el material.
Almacenamiento: en el sótano del departamento de Judith, rue de Buci.
Los dos llevaremos el registro de las suscripciones y entregaremos a
los suscriptos. Solo habrá un depósito en librería en Maspero, rue de la
Huchette, con la insignia La Joie de lire (La alegría de leer), donde
se aprovisiona todo lo que el barrio latino cuenta en ese momento como
aspirantes a revolucionarios intelectuales y políticos.
En lo de Dumas no les hacen regalos
Todo se hará de manera militante. No hay salario. Cada uno donará su
tiempo. Ningún fin de lucro, lo que va de suyo. Aun hace falta crear una
personería jurídica, una asociación según la ley de 1901. ¿Quién va
redactar los estatutos, llevarlos a la prefectura, publicarlo en el
Diario oficial? Roland Dumas, me dice Judith, el abogado de la familia,
es un amigo, nos lo hará gratis o a precio de costo. Algunos días
después recibo del estudio Dumas en la rue d´Ulm un correo que contiene:
1) la fotocopia de los estatutos tipo de una Asociación de 1901, el
modelo que encontramos en una pila en la prefectura. 2) una factura cuyo
monto alcanza mi salario mensual de alumno funcionario.
Furia por haberme dejado agarrar como un tonto (siendo que en efecto
soy un tonto). Hago el cheque que me piden (no sin que me aflore la idea
de tirar la factura a la basura).
Me juro no contar de ahora en adelante más que con mis propias
fuerzas (precepto de Mao). Seré conducido a crear en los años 1980 en el
psicoanálisis decenas de asociaciones a través del mundo y redactaré yo
mismo todos sus estatutos. Cuando necesite pasar por un abogado, tendré
las riendas, discutiendo ásperamente sus honorarios con antelación. Con
este principio, construí la Asociación Mundial de Psicoanálisis (más de
2.000 miembros, repartidos en siete Escuelas). Le debo todo a Roland, y a
la manera que tuvo de torcerme, a despecho de su amistad con Judith.
No solo no le tengo rencor por no hacerme ningún favor (Favores que
matan, título de Stendhal) sino que le agradezco la lección que me dio:
costaba lo que valía. De hecho, recibí lo mismo de Lacan por vía de una
tercera persona. Será mi tercera y última anécdota.
En lo de Lacan tampoco
1974. Son los primeros tiempos de mi amistad con Benoit Jacquot, al
que encuentro en su proyecto de Televisión con Lacan. Si recuerdo bien,
vivía en rue Bourbon-le-Chateau, a dos pasos del 15 rue de Buci, en
pareja con una muy linda y conmovedora joven, que cada tanto trabajaba
como modelo de ropa interior. Un día vienen a almorzar a nuestra casa,
veo que N* está mal, me lleva a un costado, sus ojos se llenan de
lágrimas: las cosas no marchan con Benoit, estoy muy angustiada, tengo
que hablar con un analista, solo veo al Dr. Lacan (siempre es tan atento
con ella, siempre con amabilidades), pero es muy caro, lo sé, no tengo
dinero, Jacques-Alain, puede usted explicarle, lo escuchará, que me haga
precio.
Llamo por teléfono a Lacan, rue de Lille, le explico la cosa. Sí...
Sí... es muy comprensivo, que venga a verme a tal hora. Yo transmito a
N*. Entusiasmo. Sale de su cita, me llama, ella le dijo todo, lloró
mucho, a la salida, la aporreó, le sacó todo lo que había ganado como
modelo. Aún está temblando.
Más tarde, me dirá cuánto le sirvió esta sesión. Hubiera podido
seguir arrastrando la relación con Benoit mucho tiempo, pero se terminó,
yo lo sabía, pero no quería admitirlo. Moraleja: no hay que preocuparse
por ayudar a su prójimo, ustedes lo hunden en su propio marasmo, lo
encierran en su prisión de evasivas. La verdad libera.
Le feu au lac
Volvamos al viejo indigno que met le feu au lac.
Como dicen los Suizos, j´ai mis le feu au lac! Roland Dumas dijo esta
frase ayer por la tarde en France 24, algunas horas después de haber
saltado a los titulares en BFM. Adoro la precisión: "Como dicen los
suizos". Admiro que permanezca calmo, reposado, zen en el tumulto.
Mi Diccionario de expresiones cotidianas (de Bernet y Rézeau, editado
por Balland 2008) dice: "il n y a pas le feu au lac", como una locución
de la frase que significa "nada apura". Es un reforzamiento de la
expresión "no hay fuego", que está consignada en la suiza francófona
desde mediados del siglo XIX. Los autores señalan que fuera de Suiza "la
expresión a menudo se articula con una entonación arrastrada que trata
de reproducir la entonación suiza francófona". Solo es para los judíos,
mientras que los valdenses también tendrían razones para quejarse y
reivindicar. Lacan apreció el espíritu valdense; menciona en los
Escritos un proverbio valdense que le había enseñado Sylvia: "Nada es
imposible para un hombre, lo que no puede hacer, lo deja". Vemos aquí
que Roland forma parte de la familia.
En contexto positivo "y a le feu au lac" significa que hay urgencia.
En cuanto a "mettre (ou foutre) le feu", esta locución verbal quiere
decir: "Caldear mucho el ambiente en un concierto, un espectáculo". Ver
"Encender el fuego", título de una canción de Johnny (1998). También es
"Animar con ardor una prueba, una competencia".
Sin embargo, el Bernet y Rézeau no dice nada de "mettre le feu au
lac". Nada en el Diccionario del argot de Larousse ni en el Nuevo
Diccionario de la lengua verde, de Pierre Merle. ¡Cómo parloteas!
Diccionario del francés contemporáneo de citas, prefacio de Claude
Hagege, da como sinónimos "mettre le bronx (causar problemas), mettre le
souk (hacer desagradable desorden), foutre le delbor (joder), foutre
le hala", nada sobre el fuego, ni sobre el lago.
Bueno, hay que saber detener una búsqueda. Hasta información más
amplia, me atendré a la información de Google, en razón de la
contaminación de la expresión "mettre le feu" por la expresión "y a pas
le feu au lac", como significando "crear una situación de urgencia,
joder en un burdel, un apasible estanque de patos", todos efectos que
corresponden a los de la irrupción de un "políticamente incorrecto" en
un medio "correcto". Concluyo de esto que el sentimiento de la lengua en
Roland Dumas es de una seguridad perfecta. "J´ai mis le feu au lac", no
podría decir mejor el lunes a la tarde lo que hizo la mañana misma en
el micro de Jean-Jacques Bourdin.
Se habrá notado que me acerco a pasos cuidadosos del núcleo incandescente del asunto, el llamado "Jean-Jacques Bourdin".
Le Point- Publicado el 21/2/15 a las 9.43
Continuará...
Traducción: Silvia Baudini
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