Terça-Feira, 22 de novembro de 2011, 22h00 [GMT+1]
NÚMERO 96
Eu não perderia um seminário por nada nesse mundo - PHILIPPE SOLLERS
Ganharemos porque não temos escolha - AGNÈS AFLALO
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A CONVERSAÇÃO COM
BERNARD-HENRI LEVY
GUERRAS DO SÉCULO XXI
É amanhã!
▪ JANELA ▪
O Mensch! por
Valentine Dechambre
p. 7
▪ CORREIO ▪
CRÔNICA p. 5
« MANCAMENTO RADIALE »
di Antonio Di Ciaccia
O objeto obscuro deuma nação
PRIMEIRA PÁGINA p.3
«Os entrelaços da Encarnação»
por Éric Laurent
ESCOLA DA CAUSA FREUDIANA
A REGRA DO JOGO LACAN COTIDIANO
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Amanhã, quarta-feira, 23 de novembro, de 21h00 à meia-noite
No cinema Saint-Germain-des-Prés
CONVERSAÇÃO COM BERNARD-HENRI LÉVY
GUERRAS DO SÉCULO XXI
Soberania e ingerência
Os Impérios e as nacionalidades
Por ocasião da publicação de seu livro A Guerra sem o amar. Jornal de um escritor em plena primavera árabe.
A conversação, conduzida por Jacques-Alain Miller, ocorrerá com a participação de Alexandre Adler, Blandine Kriegel, Éric Laurent, Anaëlle Lebovits-Quenehen, Jean-Claude Milner et Hubert Védrine
Rua Guillaume-Apollinaire, 22, Paris 6e
Acolhimento a partir de 20h30; início às 21h00
ENTRADA LIVRE
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▪ Crônica – Um “balaio de gatos”, Éric Laurent ▪
Os entrelaços[1] da encarnação
É outono. Logo o inverno. Eis-nos de volta à praça Tahrir. Vinte e oito mortos em três dias de confrontos nas ruas que levam ao Ministério do Interior. Apelos para uma manifestação de « milhões de homens », como outrora do Mall de Washington se fez ouvir. Quem leva o apelo a sério? Não se sabe muito bem. Dizem ser « os ativistas ». Uma entrevista de ontem de um manifestante ativo, chebab corajoso, treinado por ser líder de torcida de futebol. Ele parece adepto a baixar o cacete em confrontos com a polícia, no espírito PSG [Paris Saint-Germain] de uma época. À France Culture, nessa manhã, uma « blogueira e ativista », que vive agora na França, denuncia os crimes cometidos em nome do Conselho Militar. Uma outra curiosa « blogueira nua » reivindica um determinado feminismo. Os manifestantes de Tahrir são asfixiados e visados nos olhos. Deploramos blogueiros de olhos vazados. Quem são eles? Lembramo-nos que é também um « blogueiro ativista » quem tinha conclamado ao ataque da embaixada de Israel. No Al-Jazira, em inglês, que mantém seu comentário contínuo dos eventos, outros « blogueiros ativistas ». Esses não são os mesmos da primavera. Os heróis desta época não duram. O efêmero é um efeito colateral da tecnologia?
Já em 31 de outubro, Robert Worth sublinhava no New York Times que as revoltas da primavera árabe não produziram grandes vozes. Ele se perguntava se, nesses movimentos, « O papel do intelectual pode-se reduzir àquele do micro-blogueiro ou do organizador de arruaças. » Estamos em uma era pós-ideológica onde não há mais necessidade de figuras intelectuais unificantes ou de heróis? O fenômeno mostra-se mais complexo, como uma espécie de paralisia dos eventuais líderes. Até que se forme um Conselho, na Síria, na Líbia ou no Egito, tudo se passa como se a regra síria se aplicasse. « Ninguém quer ser acusado de sequestrar a revolução », disse o filósofo defensor dos Direitos do Homem, o sírio Sadik Jalal al-Azm. No site do l’Express, BHL [Bernard-Henri Lévy], depois de ter respondido às questões dos internautas, respondeu às questões de Christophe Barbier. Ele constata as
dificuldades do CNT [Conselho Nacional de Transição] Líbio de encontrar uma voz que pudesse verdadeiramente se sustentar. Ele evoca um « déficit de encarnação » e se pergunta se isso não responde ao « excesso de encarnação »
que era o fundamento da posição dos tiranos autoritários, especialmente de Kadhafi. Trata-se de um tipo de vacinação preventiva do movimento contra todo líder incômodo? Isso deixaria lugar aos partidos abertamente islamitas cujos candidatos colocam seu ponto de honra no ato de se apagar diante de Deus. Os outros tiranos, Bachar el Assad, Mubarak, Ben Ali, menos extravagantes, pressionam também fantasmaticamente muito pesado. Os ativistas da praça Tahrir o dizem bem: somente os irmãos muçulmanos irão votar na próxima semana, pois os ativistas não votam em um candidato, em um nome. Eles votam em Deus. Manifestantes presentes em Tahrir se
conformariam com Mohammed El Baradei, ou com « não importa que civil honesto ». Vê-se que o « não importa quem » é um fantasma difuso.
Se se pensa na atração do modelo turco para superar as paralisias dos resultados coletivos das primaveras árabes, constata-se que é um conservadorismo social inteiramente centrado em um homem, Tayyip Erdogan, que revela cada vez mais seu gosto solitário de autoridade. Na ocasião do afrontamento com os militares, ele soube jogar com o seu carisma sem qualquer embaraço. Os outonos árabes esperam seu Erdogan e seu « autoritarismo eleitoral »?
Não se poderia generalizar o « déficit de encarnação » aparecido na revoltas árabes e nos interrogar sobre as dificuldades do governo como tal através dos diferentes sistemas políticos. A América, a grande democracia, “excepcionalista” ou não, encontra-se paralisada. Em França, a confirmação da liderança do candidato da oposição não é tão fácil. Na Europa, em geral, a síndrome se repete. Nanni Moretti a estendeu à Igreja com seu « Habemus Papam ». O desejo de ocupar o lugar da exceção, do encarregado de última instância do ato, não parece tomar as ruas. Não haveria aí uma vacinação geral contra o desejo de ocupar o lugar do Um da exceção? A paixão democrática, seria ela o triunfo da « paixão do poder »? Trata-se aí também de um tipo de vacinação contra os líderes populistas dos anos trinta? BHL evoca em seu livro « A leucemia da memória, a grande doença de hoje ». Não teria aí, nesse recuo diante da responsabilidade última, como que uma memória paradoxal: tanto mais que isso não recomece.
Face a essa atonia do desejo dos eleitos, é tanto mais impressionante que BHL mostra nesse contexto isso que pode produzir « o desejo de um sozinho, sem mandato representativo », segundo a expressão de Jacques-Alain Miller. Ele soube colocar em ato aquilo que ele mesmo definiu como « a vantagem de não depender de ninguém, de nenhum grupo, de nenhuma missão (e então ganhar tempo) ». Não podemos considerar como facetas da mesma verdade os diferentes sintomas das burocracias democráticas. De um lado, os políticos nomeados não podem senão constatar sua impotência (Bélgica). De outro, os tecnocratas formados no Goldman Sachs assumem diretamente a
administração das coisas, “curto-circuitando” o sistema político (Itália, Grécia e, em breve, Espanha). A questão persiste, sobre esse ponto a América Latina encontrou uma solução distinta daquela da Europa. Suas grandes democracias têm sido governadas por líderes que assumem sua função (Lula, Kirchner). Um e outro estão afastados e cabe agora a duas mulheres encarnar essa função do desejo em ato sem o qual a política morre. Parece que Cristina se deu bem melhor nesse lugar que Dilma. Na Europa, o “estar-aí” de BHL ressoa no tempo, pois ele desloca o impasse para os entrelaços da encarnação. 22 de novembro, 19 horas ▪
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▪ CRÔNICA ▪
« Mancamento radiale »
di Antonio Di Ciaccia
O objeto obscuro de uma nação
« Passa-se do Carnaval à Quaresma ». Se a frase foi pronunciada pelo novo Ministro Andrea Riccardi – o fundador da Comunità di Sant’Egidio, verdadeira ponte não governamental entre a Roma católica e o Terceiro Mundo – muitos em compensação, pensaram. A transição foi brusca e súbita. Basta olhar a foto dos dezoito professores, dos « tecnici » como se diz aqui na Itália, todos sérios, todos muito idosos, todos um pouco rígidos, até as damas. Exatamente o contrário da foto onde se vê Berlusconi rodeado por suas « bambine », como ele gostava de chamar as jovens ministras de seu governo.
No entanto, não é somente nessa veia que eu colocaria a tônica, mas também sobre uma outra, discretamente notada pelos jornalistas: « O grande retorno dos católicos », escreve a República; « Bella squadra », bela equipe, disse o “Outre-Tibre”. O que se reflete em um contraponto da esquerda que teme que os poderes fortes (a finança, os bancos, o Vaticano) não façam senão se manter no lugar, malgrado a mudança, segundo a célebre fórmula do Príncipe de Salina no Gattopardo: « É preciso que tudo mude se quisermos que tudo permaneça como está ». Vamos, então, ao caso Berlusconi: porque ele durou tão longo tempo (quase « un ventennio », termo que evoca automaticamente os vinte anos do fascismo), e porque é errado pensar que esse período está terminado. É que a Itália, com Berlusconi, viveu uma enésima variante de Crésus e, apesar da lua de mel com o governo atual, ela receia se encontrar cara a cara com um verdadeiro capitalismo. No fundo, a Itália sabe que os capitalistas puros e rijos não gostam de gozar do mesmo modo que os hedonistas. E se Berlusconi ficou por tanto tempo, indo de encontro a toda racionalidade, não é por ter incorporado – como Claudius em Hamlet - « o objeto do desejo » da nação, « o objeto x cuja função Freud nos mostra na homogeneização da loucura pela identificação »? O que lhe deu o modo de ser inatingível, porque ele precisava atingir « a sombra » além do personagem, como disse Lacan em seu Seminário O desejo e sua interpretação(1).
Passemos agora a um outro ponto: o retorno dos católicos à arena.
Um pouco de história. Nem todos sabem, talvez, que, quando da tomada de Roma pelos Italianos, em 1870, o Papa Pio IX havia excomungado todos aqueles que tinham atentado contra o Estado da Igreja; desde então, o Papa se restringiu ao Vaticano e os católicos desdenharam todo o empenho em relação ao nascente Estado Italiano. Em 1929, Mussolini tinha cauterizado a ferida com o “Concordat.”; o que tinha feito cair a Igreja em braços muito mais deploráveis. Após a guerra, a Democracia Cristã, abençoada pelo Vaticano, chega ao poder, em oposição ao Partido Comunista. Ora, embora alguns (raros) políticos católicos teriam demonstrado ser verdadeiros cidadãos que acreditavam em uma Igreja livre em um Estado livre – veja Alcide De Gasperi –, a massa italiana se identificou à « catolicização » da política, ou a esta espantosa variante que era o « comunismo à italiana ». “Mani Pulite” varreu tudo isso. Berlusconi tentou recriar sua fórmula da Democracia Cristã que, ainda mais que a precedente, se revelou nem democrática, nem cristã.
E chega-se à situação atual. Com um dilema, que retorna de forma repetitiva: devemos reconstruir um partido político para a massa católica ou, ao contrário, é preciso que cada católico faça – um a um – política enquanto cidadão? A questão está aberta. A conclusão é incerta. Os dignitários da Igreja estão, no momento, equilibradamente distribuídos. E eles assim estarão enquanto as questões versarem sobre a recuperação da economia, se isto é ainda possível, uma situação desastrosa. Mas o que acontecerá no momento em que as questões éticas se apresentarem, aquelas que irão engajar o homem político católico na tomada de decisões para uma nação que, enquanto tal, é « laica »?
(1) J. Lacan, « Hamlet », in Ornicar ?, n. 26-27, p. 42.
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▪ JANELA ▪
Composição musical e melancolia
O Mensch ! por Valentine Dechambre
Criação de Pascal Dusapin para o théâtre des Bouffes du Nord
« Pequeno inventário não racional de algumas paixões nietzscherianas »
Isso se passa nesta semana, a cada noite, no teatro dos Bouffes du Nord.
Pascal Dusapin, compositor contemporâneo vivo, o mais executado no mundo, com Pierre Boulez, aí presentificou sua última criação mundial, pequena jóia minimalista, e peça maior de sua obra, para culminar no seu escrito sonoro e cênico: O Mensch! um ciclo de 27 lieders[ii] para piano e barítono, sobre fragmentos poéticos de Nietzsche. Pascal Dusapin não somente escreveu a partitura, como também realizou a execução da peça, criou a instalação do vídeo e dirigiu ele mesmo o extraordinário cantor, que é também este fabuloso ator de suas últimas óperas, Georg Nigl.
« Gostaria de me dar esta liberdade de criar sozinho um objeto musical e cênico. Idéia de doido! Mas, o que eu tinha a dizer aí, dependia desta liberdade de agir em todos os planos (sonoro e visual) (1)»
Assistam à peça do teatro dos Bouffes du Nord, aquela à qual Peter Brook deu vida nos anos 70, tornou-se, desde então, um dos pontos de encontro artísticos importantes da capital.
Um piano negro imerso na penumbra, do qual apenas o teclado é iluminado por um fraco raio de luz. No fundo, sob um estranho halo de luar, um homem de madeira, escultura indonésia, impõe sua presença totêmica, enigmática. Como fundo sonoro... grilos! Noite de verão nas geadas de novembro? Não. Sem metáfora em Dusapin. Os grilos são aqui puro som, elemento “dis-harmônico” [dis-harmonique] nesta atmosfera sonora em nenhuma parte dantes encontrada, apesar dos empréstimos, das reminiscências de outras músicas, de outras épocas, ouvidas diferentemente em um novo momento pelo filtro do compositor.
Um teclado que se anima sob os dedos enluvados de graça e precisão rítmica de Vanessa Wagner – encadeamento de acordes minimalistas de encanto incompáravel, timbre familiar aos apreciadores do compositor, de onde não se eleva nenhuma melodia, nenhum desenvolvimento – precede a chegada do homem Nietzsche, O Mensch, que entra em cena para se abandonar em um estranho passeio poético... Travessia vacilante de um homem cuja voz vai passar, sucessivamente, do peso melancólico de um exilado errante na aridez da sua solidão à leveza mozartiana dos cuidadores de passarinhos, às reminiscências wagnerianas (sutis) da paixão de Tristão, à figura cínica de um Diógenes pronunciando obscenidades para finalmente, dançarino, esboçar um tango dos mais sensuais... tantas variedades de humor, vibrações de corpos, convulsões do ser reunidas em uma peça de incrível fluidez... escoa, em um encadeamento cuja evidência indica o gênio que está ali nos comandos...
Uma instalação de vídeo difunde névoas e jatos d’água, bolhas em suspensão: « Há uma invasão hidráulica no território poético: nada pode deter a água ».
Esta água que ameaça inundar tudo, muitas vezes evocada pelo compositor quando ele fala (tão bem) de sua criação, trata-se de lhe abrir canais, de condensações, de fazê-la derivar como o fluxo desse excesso de gozo no corpo que pode muito bem se converter em torpor, irresistível tentação que conhece bem o compositor, pessimista bastante esclarecido para ficar à espreita das seduções de sua melancolia profunda... a qual, gosta de precisar o compositor, nada a ver com o ressentimento romântico ou mesmo o blues, o durassiano [de Duras, Marguerite].
« Há uma verdade na tristeza. Isso nos salva! Isso nos permite recomeçar. Não há disfarce na tristeza, contrariamente aos outros afetos que não são mais que mentiras (“taí”, “taí”, lacaniano, dusapin?)... A tristeza é o afeto profundamente justo que permite permanecer na borda, de construir uma verdadeira alegria, de não cair na dor estúpida. A música é isso, ela é essa arte que gera o afeto da tristeza ».
E ainda assim: « Como sair de alguma coisa que aprisiona? Reverter a situação por uma convulsão ». A música de Dusapin é atravessada em cada parte por convulsões, é uma música que parte do corpo. A de Georg Nigl, no palco, adota a linha musical, suas vibrações, suspensões, respirações, a tal ponto que parece que é esse corpo que está conduzindo a escrita da música que se toca.
Ao meu lado, na bancada, uma jovem de vinte anos (a média de idade na sala é jovem, espantosamente para uma música difícil, de vanguarda, e isso é um fenômeno bem agradável). Eu a vejo esboçar sorrisos divertidos e ternos durante o espetáculo… « Mas sim, é divertido! Este Nietzsche de Dusapin é burlesco! Parece-nos! »
Ele tem certamente razão: há aquilo que emana desse homem vacilante, claudicante: alguém que se parece com todos, um qualquer, com seu manquejar, seu acanhamento, que cai, se recompõe, e que sabe extrair uma alegria profunda desse entulhinho, este ser do dejeto, esta partícula de gozo, um destino poético...
J.A.-Miller dizia isto a propósito da criação artística: « Ela está do lado do objeto. Repousa sempre em uma separação cabal do significante – e é um dos fatores de alívio que ela pode trazer » (2)
Então, se o homem Nietzsche de Dusapin vem se apresentar perto de você, corra ao seu encontro, você apreciará as delícias dessa proximidade com o que você realmente é, você que já experimentou, ao menos por um instante, o volteio de uma análise, lacaniana of course, terminada ou não terminada, que o sujeito suposto saber não existe... desvelar não é grande coisa, quem basta a si mesmo, para viver, sim, isso é possível, mais dignamente, (deixemos de passar ao largo), O Mensch!
(1) As citações do compositor provêm de uma entrevista dada na France Culture na emissão Grande mesa de C. Broué, em 16 de novembro último.
(2) J.-A. Miller em Variétés de l’humeur. Navarin éditeurs, 2008
▪ Fotos publicadas com a autorização de éditions Salabert.
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Marco Mauas. Após o soberbo artigo de François Leguil sobre o livro de BHL, artigo em que o estilo me fez quase chorar porque ele suscita em mim a possibilidade do impossível de dizer, sobre o mais íntimo, resta, no entanto, uma sombra. Uma que merece, em minha opinião, um "mais ainda”. Eu me refiro, certamente, à citação do artigo de Ruth Grosrichard. Sem o ter lido, esta citação já é para tentar ler. Os Árabes não puderam conservar a serenidade de pensar face à Shoah por causa da Nakba? Mas, segundo Lacan, ao menos, só Spinoza pôde efetivamente conservá-la. E isso, porque ele reduziu Deus à universalidade do significante. Esse empreendimento lógico, nada fácil, não realista para a psicanálise, fez de Kant – ai de mim! – a via preferida àquela de Spinoza. É este "mais ainda" que incita a meditar um pouco mais sobre a dita "serenidade". A seguir...
Anne Ganivet. Carnê de Férias. Talassoterapia. Como em todas as manhãs, ele desce a grande escada, aquela que leva ao Miramar, a praia onde encalhou o Frans-Hals em 1996, o quebra-gelo ucraniano, aquele que se conseguiu colmatar, issar e retirar de sua ganga de areia para “oceanizar” o Canal de Capbreton. Pensem bem! Um velho quebra-gelo que partiu para se quebrar, subitamente atolado em uma praia joiazinha como um calhau cinzento e fétido que teria sido tomado por um diamante em uma noite de bebedeira!
Em um mês o barco desapareceu, naufragado, uma bela façanha. Os quatro marinheiros que estavam a bordo? Não “oceanizados”, pelo menos nem penso nisso.
Ele chega ao último terraço e ali se despe, quente, frio, úmido, nebuloso, pouco importa, em qualquer tempo, todas as manhãs, ele se despe, e eles estão lá, gritando, revirando, os alados, aqueles que o esperam em todas as manhãs. Do alto da sacada ele os cumprimenta, com as duas mãos juntas que agita diante do seu rosto, depondo a calça, a cueca, o pulôver, o casaco de cânhamo, em um saco que ele deixa junto à mureta, em seguida assume o comando da orquestra cacofônica com as mãos espalmadas voltadas para o mar, elevadas à frente do rosto, eles calam. Ele desce agora à praia com o saco de grãos e de pão; dois grupos, os pardais, os pombos, mais perto, as gaivotas, os albatrozes, na orla das ondas; todos o olham, o acompanham, o cercam, avançam, recuam, ele lhes fala, apanha punhados que ele lança com um gesto vivo, surpreendente, volta-se com um golpe seco e esses partem à direita, à esquerda, como flechas, a agitação é viva, eles recomeçam os gritos a cada arremesso em direção aos grupos, ele atenta para não os misturar, sempre dois grupos, eles cobrem a praia. Está feliz, suponho. Quando o tempo está bom, começa dando uma volta nos grandes rochedos, lá onde está escrito « perigo de deslizamento, acesso interditado » ele retorna pelo mar e começa o tiro dos grãos, depois se joga na água, como uma criança, volta-se para todas as direções, eleva os braços para os pássaros que o acompanham, está feliz, suponho.
Quando a distribuição está terminada, ele deixa a praia caminhando em passo regular, os pássaros o acompanham, caminhando sem ruído, até o limite do terraço. Ele se veste, agradece ou os saúda com as duas mãos, várias vezes; os parceiros alados permanecem com ele, pousados na areia, fixados pelo seu desejo, até que ele parte. Ele retornará amanhã, é cotidiano.
A cena se desenrola todos os dias na praia Miramar, junto à casa construída pela Senhora Chaslon-Roussel, a mãe de Raymond Roussel, que teria apreciado muito.
Nathalie Georges. Chat s’est croisé. Tschann Libraire & les Editions de l'éclat os convidam para um encontro com Uri Orlev por ocasião da publicação dos Poemas escritos em Bergen-Belsen, 1944, no seu décimo terceiro ano, traduzidos por Sabine Huynh, igualmente presente no sábado, 26 novembro de 2011, às 19h00.
Ler a crônica de Nathalie Georges sobre os Poemas de Uri Orlev. (LQ n°94).
Florencia Fernandez Coria Shanahan:
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lacan quotidien
publié par navarin éditeur
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L’OPINION ÉCLAIRÉE
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