A
partir do último e do ultimíssimo ensino de Lacan, Esthela Solano retoma o
termo “autismo do gozo”, conforme isolado por Miller, para abordar como a
operação analítica incide no gozo como um corte que visa à disjunção da
articulação significante mínima (S1-S2), reduzindo o Um do significante à
materialidade da letra.
O autismo do gozo
Esthela Solano-Suarez
O autismo do gozo é um termo isolado por Jacques-Alain Miller. É produto de uma extração praticada no último e no ultimíssimo ensinos de Lacan.
O autismo do gozo
Esthela Solano-Suarez
O autismo do gozo é um termo isolado por Jacques-Alain Miller. É produto de uma extração praticada no último e no ultimíssimo ensinos de Lacan.
Este termo qualifica o modo de funcionamento do gozo do sintoma naquilo que ele é irredutível ao Outro da linguagem, ao Outro do sentido. Isto mostra que o gozo do sintoma é solipsista e opaco, uma vez que ele exclui o sentido.
O autismo do gozo traduz o conceito de sinthoma elaborado por Lacan à semelhança de Joyce, o ilegível.
Somente o discurso do analista torna este conceito concebível e operatório. Ele serve para dar conta do que, na experiência de uma análise, permitiria cernir e estreitar, quando ela está orientada pelo real fora do sentido. Esta visada não deixa ilesa a questão pertinente à natureza da operação do analista.
Esta questão fundamental levará Lacan a conceber a operação analítica como um corte visando a disjunção da articulação significante mínima: S1-S2, produtora de sentido, a fim de isolar o Significante Um sozinho, que pode ser qualquer significante, mas tomado como Um, fora de sentido. Seria o caso de cernir o Um do significante em seu efeito primeiro de gozo. Este rastreamento se mostra na distinção introduzida por Lacan entre a lalíngua - caracterizando a materialidade sonora do significante, disjunta do significado e afetando o corpo do falasser – da linguagem, que acaba por ser uma elucubração de saber sobre lalíngua. Este corte produz ainda um outro que diz que o gozo do Um de lalíngua não é um ser de linguagem ou mesmo uma ficção, mas que ele ex-siste à linguagem escavando o vazio que será povoado por ficções: sonhos e, particularmente, fantasmas.
E o Um do significante, reduzido à materialidade da letra, que afeta o corpo. O encontro contigente das palavras com o corpo deixará um traço ou mesmo uma marca de gozo, a qual comporta também um efeito de buraco. De onde o troumatisme. O sintoma o testemunha enquanto acontecimento de corpo. O corpo que Se goza de um gozo real e opaco, ex-siste ao Um corpo que se isola em sua consistência imaginária, enquanto forma que comanda o principio de sua adoração. Seria, antes de mais nada, substância gozante que falasser sozinha, sem saber o que diz.
Se o gozo é do Um, então o gozo do Outro não ex-siste. Isto implicaria que o gozo de um corpo Outro fosse excluído realmente. Esta radicalidade se acomoda, no sentido lógico, na categoria do impossível: o que não cessa de não se escrever, é a relação sexual. Por outro lado, o que não pára de se escrever é o gozo do Um, e não do dois.
O gozo do sinthoma é o gozo que há, por falta do que não há. E é este gozo isolado enquanto tal, no curso de uma análise, em seu caráter de gozo irremediável, autístico e irredutível, que comanda os nossos reencontros amorosos, assim como os nossos fracassos, a nossa alegria e também a impotência de nosso pensamento; é com o que resta que se trata, no final das contas, de conseguir saber e fazer com. Nós faremos a constatação, em suma, nós saberemos, que o que resta opaco testemunha a nossa maneira singular de responder ao enigma da vida.
Tradução Rachel Amin
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