O
estatuto do gozo fálico se ordena, a partir de uma
subtração do gozo sexual promovida pelo retorno da Demanda sobre
o gozo, estabelecendo, definitivamente, um limite e abrindo um espaço onde um objeto poderá se constituir em causa de
desejo.
Este movimento que se sustenta no fato de que “o pai” se veicula através da demanda do Outro, (a mãe,
frequentemente) é suficiente para estabelecer um certo vínculo com o que J-A Miller
define como “o saber suposto das mulheres”.
Suposição de
saber que se impõe a partir do “segredo estrutural da palavra, na medida em que há algo que não se pode dizer, do lado das
mulheres”[1].
Este “segredo estrutural” vai determinar que algo sempre se apresente como faltoso
no encontro do sujeito com o Outro sexo. É neste lugar de falta, que o
discurso vai se apresentar como possibilidade, determinando um modo de relação que
se traduzirá no sintoma.
Façamos uma diferença entre o moderno e o contemporâneo. No moderno, embora exista
uma certa desmaterialização das representações,
como muito bem ilustra a chamada “arte moderna”, vamos encontrar um “otimismo de forma”, ou uma busca da ótima forma, da forma ideal.
Este é o efeito do sujeito moderno, criado por Descartes. Um sujeito esvaziado de
seus conteúdos, mas entretanto, fundado em seu princípio de limitação formal: o cogito: “Penso, logo existo.”
No contemporâneo, por outro lado, o que se apresenta é a promoção do
objeto “a” da álgebra lacaniana que traz, consequentemente, uma
abertura ao disforme, “àquilo que transborda”, ao parcial e ao não-todo.
Se fizermos, a partir do que acaba de ser exposto, um amplo recorte na história das idéias, poderemos pensar que, do
Cogito cartesiano ao universal hegeliano, o que se viu foi o desenvolvimento do
princípio de limitação[2] que Lacan deposita no lado masculino da sexuação ∀xφx ∃xΦx.
Se nossa hipótese está correta, poderemos pensar que o sujeito moderno, o
sujeito da ótima forma, será correlativo do sujeito
masculino.
Uma questão se coloca a partir deste desenvolvimento: haveriam
efeitos sintomáticos ao masculino provocados pela situação contemporânea? Como seriam afetados as
modalidades de gozo a partir da promoção do objeto a na contemporaneidade?
Para começarmos a elucidar estas questões, vamos partir da afirmação
freudiana de que, tanto homens, quanto mulheres, tem, no simulacro fálico a única forma de se representar o
sexo. Esta afirmação, podemos articulá-la às
idéias de Laurent quando concebe o modo de gozo masculino, basicamente, como
articulações
sintomáticas feitas de um encadeamento do gozo fálico com os ideais encontrados
no Outro[3]. J-A. Miller, ao propor o matema da fantasia
masculina $ <> Φ(a) esclarece como o desejo masculino se sustenta
de semblantes falicizados”[4]. Podemos ler este matema dizendo que o sujeito promove a oferta de objetos
fálicos que possam apaziguar as demandas produzidas pelo encontro com o Outro
sexo. Uma pequena modificação ao matema, a partir da
introdução do Outro ficaria assim formulada: $ <> Φ(a) - A/. Ali onde
um desejo pode surgir no buraco do simbólico a oferta de um substituto que inaugura uma série infinita, sem ponto de conclusão estará sempre pronta para preenche-la.
No entanto, a operação do discurso analítico sobre este sujeito,
fazendo incidir os efeitos do objeto a no masculino, produz o que Lacan denomina de “efeito feminizante” em seu seminário XVII. “Como ser falante (o que se abriga
sob o princípio macho) é intimado a justificar sua essência
(...) e, muito precisamente - e exclusivamente - pelo afeto que ele experimenta
por este efeito feminizante que é o a.”[5]
Esta não foi a primeira vez que Lacan se referiu à feminização ao longo de seu ensino. Em “Uma questão
preliminar a todo tratamento possível da psicose”, ele trabalha o “empuxo à mulher” como uma saída possível ao psicótico.
Outra ocasião em que este tema é apresentado, sem contudo ser
totalmente explicitado, foi no Seminário
sobre “A carta
roubada”.
Retomando o tema da contemporaneidade, verificamos que a época atual está caracterizada por uma ascensão do
objeto a em
detrimento do ideal. Seguindo a tese do efeito feminizante do objeto a, podemos dizer que há, no momento atual, uma ascensão da
feminização, ou seja, o sujeito masculino está afetado em seu princípio de limitação pela parcialização do
objeto a, pelo
não todo feminino[6].
Fator preponderante neste processo é o fracasso do pai em levar a
bom termo sua função de converter o buraco que
organiza a estrutura da família edípica em lugar misterioso da causa de seu desejo. Esta nova versão da
metáfora paterna nos explicita a inserção dos
velhos sintomas em novos contextos, denotando que a forma atual de se viver as
vicissitudes do desejo promoveu um verdadeiro remanejamento do que
podemos chamar de clínica do falo e do gozo fálico[7].
Este
remanejamento é que vai
possibilitar ao homem se relacionar com o que pode ser
denominado fiador sexual: uma mulher colocada como causa de desejo. No entanto,
isto que o homem tanto almeja só advém quando este último se depara com um desejo que não seja anônimo. Um desejo que não
esteja sob a égide do “para todos a mesma coisa”. Um desejo que carregue consigo a marca singular,
quase sempre irreconhecível do nome e que torna o ser sexuado masculino
portador da lei que se articula com o desejo. A possibilidade de utilizar esta
marca como um ponto de báscula na globalização proposta pela
contemporaneidade é o que desloca o pai das funções de “guardião do sentido, do sentido sexual, do sentido fálico”, para “o pai do qual é preciso se servir”[8], indo além.
Este resíduo promove o fato irredutível da transmissão fálica no humano e propicia a oportunidade de poder se dizer o “não” que vai impedir que uma adaptação ao
mundo viesse escamotear o que há para se saber do insuportável.
Resumo:
Discute-se, a
partir do que foi exposto pelos AEs, a presença do analista no mundo contemporâneo frente ao declínio do Pai e e queda os idéias sociais.
Seria a feminização uma saída possível? Se for, do que se trata.
Palavras chaves:
feminização, contemporâneo, moderno, desejo, sexuação.
Notas:
[1] Miller, J-A. “Des semblants dans la relation entre
les sexes”, Revue de Psychanalyse La Cause freudienne” nº 36 ECF Paris, 1997,
pag. 13.
[2] Laurent, E.
[3] Laurent, E.,
[4] Miller, J-A. “Des semblants dans la relation entre
les sexes”, in Revue de Psychanalyse, Nº36, ECF, Paris.
Pag. 14.
[5] Lacan, J. “O avesso da psicanálise”
[6] Miller &Laurent, “L’Autre qui n’existe pas...” lição de 21/05/97, inédito.
[7] Laurent, E., Op, Cit. Pag. 39.
[8] Idem, pag. 40.
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