No último dia 25 de setembro, sediamos aqui em Salvador mais um CineCien, atividade promovida em parceria entre o Cien-Bahia e a Comissão de Biblioteca da EBP-BA.
Primeiramente foi realizada a transmissão do filme ‘Monsieur Lazhar: o que traz boas novas’, seguido de debate animado por Mônica Hage (Psicanalista, Membro da EBP/AMP, Coord. Do Cien-BA) e que contou com a participação de Anamaria Vasconcelos (Psicanalista, Coord. Cien-Pernambuco) e Débora Calmon (Professora, Graduada em História pela UCSAL) como convidadas.
‘Monsieur Lazhar’, uma produção de 2011, originalmente canadense e vencedora de diversos prêmios cinematográficos internacionais, traz um enredo bastante interessante e que tem em seu fio condutor, as repercussões de um episódio de suicídio de uma professora em uma escola infantil do Canadá. A cena da professora morta, já enforcada, fora presenciada por Simon, um dos alunos da turma que compreende crianças entre os 10 e 11 anos de idade. Por ainda estarem no meio do ano letivo, um novo professor foi contratado. Bachir Lazhar, imigrante argelino, que corria o risco de ser deportado a qualquer momento, substituiu a professora de modo tão urgente, que nem sequer desconfiaram das questões pessoais que ele arduamente vinha enfrentando, tampouco interrogaram sua verdadeira formação.
Anamaria Vasconcelos nos contemplou com uma rica contribuição, direcionando-nos a pensar a respeito do trauma, assim como da função exercida pelo trabalho do Cien enquanto experiência da psicanálise na cidade. Como tomar o acontecimento do suicídio da professora? Até que ponto ele foi verdadeiramente traumático; e se foi: para quem? Se o Cien - no ambiente da escola retratada, se fizesse representar, muito provavelmente proporcionaria, por via da prática de conversações, fazer falar a desordem, dificuldades e urgências vividas por estas crianças e profissionais que com elas lidavam.
Anamaria destacou como a rotina daquela escola fora interrompida pelo suicídio e o papel que a figura do Monsieur Lazhar se fez representar. É ele quem aponta como este episódio modifica e repercute na escola. Para ela, aí se configura o olhar do cineasta, o que coincide com o cuidado que a psicanálise tem em encontrar o ponto de real que reitera, ressoa. Enquanto a lógica de uma escola conservadora tentava, de distintos modos, “apagar” aquele acontecimento, este novo professor, à sua maneira, fazia aparecer o impossível de calar o real.
Segundo ela, poderia ser que o senso comum relacionasse o ocorrido na escola a um trauma aparente. Porém, é na medida em que a película avança, que o diretor mostra que a situação toca, em verdade, de modo muito singular, em alguns personagens específicos. A exemplo de Simon, que ficou sem muitos recursos de defesa, enquanto o restante dos alunos puderam, de alguma maneira, ser “protegidos” do real da cena.
Em determinado momento da história, uma vez aberta a possibilidade (por parte do Professor Lazhar) de que aquelas crianças falassem abertamente sobre o acontecimento, uma aluna pede a vez e diz: “nós não estamos traumatizados, os adultos é que estão”. Isto imediatamente nos leva a pensar que o valor traumático não está no fato em si, mas no que toca em cada um, logo, diz respeito a um antes mesmo do acontecimento.
Na sequência, Débora Calmon nos proporcionou importante reflexão, partindo do questionamento de possíveis efeitos nas crianças em relação ao rendimento ensino-aprendizagem. Para ela, desde a perspectiva de um educador, cabe atentar a essas quebras de rotina e aos riscos aí implicados: quando, no caso do filme, perde-se uma professora, soma-se a isto que as crianças também teriam de fazer uma readaptação ao novo professor.
Débora mais uma vez evidencia o quanto a educação, por vezes, tenta tratar situações à base do silêncio, como bem retratado no filme, mas o quanto se faz importante que o professor também valorize a fala. Segundo ela, Monsieur Lazhar foi capaz de perceber a necessidade do falar em sala de aula, para além dos conteúdos programáticos.
Nos chama à atenção de que nós, espectadores, tal qual o professor substituto, ficamos de fora de momentos importantes vivenciados pelas crianças, seus alunos, a exemplo dos encontros grupais com a psicóloga contratada pela escola. E provoca o público, ao interrogar a tentativa de sigilo da direção.
Débora traça interessante percurso do Bachir Lazhar na história do filme, principalmente, ao levar em conta que ele se fez professor, já que essa não era sua formação. Apesar de não trazer em sua experiência a prática em sala de aula, ele se deixa aprender ser professor. Uma vez aberta discussão ao público, inclusive, foi destacado o valor da experiência de vida deste sujeito, quando também submetido a uma situação de risco, por estar ali no Canadá, até então de modo ilegal, o permitiu “escutar” aquelas crianças.
Retomo agora a um dos aportes trazidos por Anamaria Vasconcelos, quando lançou o que de vida aparece neste recorte histórico do filme, marcado pela morte. Segundo ela, Monsieur Lazhar manteve a capacidade de sustentar uma posição significativa e desejante em direção à vida. Em nenhum momento ele buscou tamponar a falta, mas sim causar abertura. Foi diante desta posição de um Outro simbólico, que ele facilitou o acolhimento dos ditos de cada um ali.
Podemos concluir então que, mesmo diante dos impossíveis da tarefa de educar, este professor foi capaz de remar contra a lógica educacional, subvertendo o imperativo de fazer calar a morte. Quebrar os protocolos institucionais, neste caso, veio sim a contribuir, quando principalmente fez uso de ferramenta das mais caras à psicanálise: a fala. O dar a voz, seja na experiência clínica, seja na prática interdisciplinar, aparece como manejo essencial.
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