24 de novembro de 2014

O tabu do incesto: uma questão ética. Dorothee Rüdiger

Lei, moral e bons costumes, no entanto, nunca impediram alguém a viver como bem entende, ainda mais quando se trata da sexualidade.


Como se mantém o tabu do incesto?* Boa questão a ser feita em pleno século XXI, quando o poder do pai está desmoronando. Se depender do Conselho de Ética da Alemanha, em breve, o incesto não será mais um caso de polícia. Hoje, contrário do Código Penal brasileiro que não prevê o tipo penal, o parágrafo 173 do Código Penal alemão proíbe relações sexuais entre irmãos. A quem infringe a Lei nesse sentido, esperam anos de prisão.

Foi isso o caso de um casal de irmãos alemães, que causou polêmica não somente na Alemanha, como no mundo afora. Patrick S. foi separado da família biológica aos 7 anos de idade, quando foi adotado por outra família. Adulto, procurou sua família de origem e apaixonou-se pela irmã, Susanne S. De seus quatro filhos, dois tiveram doenças geneticamente transmissíveis. Foram condenados e percorreram todas as instâncias da Justiça alemã em vão. Alegaram inconstitucionalidade do parágrafo 173 do Código Penal. Não tiveram sorte nem na Corte Federal Constitucional alemã e nem na Corte Europeia de Direitos Humanos. As cortes não aceitaram o argumento de que sexo entre irmãos seria uma questão de foro íntimo.

Recentemente, o Conselho de Ética da Alemanha tomou uma posição não menos polêmica que o assunto do incesto. Os intelectuais que representam a sociedade alemã em questões éticas decidiram que “o direito penal não é meio adequado para guardar um tabu social”.

A decisão do Conselho é um importante passo na descriminalização da sexualidade. Mesmo praticado entre irmãos adultos, continua um tabu. Para Sigmund Freud, esse tabu é fundamental para a vida humana na civilização. O limite à sexualidade é o tributo que o ser humano paga para poder viver em sociedade. Se não fosse assim, haveria briga entre os irmãos pela mãe e pelas irmãs. Não haveria pacto social, nem haveria lei.

A lei não é a única maneira de manter uma sociedade funcionando. Existem também a moral e os bons costumes. Lei, moral e bons costumes, no entanto, nunca impediram alguém a viver como bem entende, ainda mais quando se trata da sexualidade. Será que a lei deve limitar as expressões da sexualidade humana entre pessoas adultas? Será que pode proibir práticas sexuais, por mais estranhas que sejam?

No Brasil, não há proibição legal. Há o exercício da responsabilidade ao menos dos adultos decidirem como viver a sexualidade. No entanto, a decisão do Conselho de Ética da Alemanha reverbera também aqui. Tirar a sexualidade do campo da lei, da moral e dos bons costumes e, portanto, da culpa, e colocá-la no campo da ética e da responsabilidade íntima de cada pessoa singular é sábio. Quando recomenda a despenalização de um aspecto da sexualidade que continua um tabu, o Conselho dá um importante passo no campo do direito. Abandona a lógica da moral e da culpa contida na construção jurídica. Fundamenta o direito na ética e na responsabilidade e abre o direito para a pós-modernidade.  

 
Dorothee Rüdiger é psicanalista e doutora em Direito pela Universidade de São Paulo

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