Lei, moral e bons costumes, no entanto, nunca impediram alguém a
viver como bem entende, ainda mais quando se trata da sexualidade.
Como se mantém o tabu do incesto?*
Boa questão a ser feita em pleno século XXI, quando o poder do pai está
desmoronando. Se depender do Conselho de Ética da Alemanha, em breve, o incesto
não será mais um caso de polícia. Hoje, contrário do Código Penal brasileiro
que não prevê o tipo penal, o parágrafo 173 do Código Penal alemão proíbe
relações sexuais entre irmãos. A quem infringe a Lei nesse sentido, esperam
anos de prisão.
Foi isso o caso de um casal de
irmãos alemães, que causou polêmica não somente na Alemanha, como no mundo
afora. Patrick S. foi separado da família biológica aos 7 anos de idade, quando
foi adotado por outra família. Adulto, procurou sua família de origem e
apaixonou-se pela irmã, Susanne S. De seus quatro filhos, dois tiveram doenças
geneticamente transmissíveis. Foram condenados e percorreram todas as
instâncias da Justiça alemã em vão. Alegaram inconstitucionalidade do parágrafo
173 do Código Penal. Não tiveram sorte nem na Corte Federal Constitucional
alemã e nem na Corte Europeia de Direitos Humanos. As cortes não aceitaram o
argumento de que sexo entre irmãos seria uma questão de foro íntimo.
Recentemente, o Conselho de Ética
da Alemanha tomou uma posição não menos polêmica que o assunto do incesto. Os
intelectuais que representam a sociedade alemã em questões éticas decidiram que
“o direito penal não é meio adequado para guardar um tabu social”.
A decisão do Conselho é um
importante passo na descriminalização da sexualidade. Mesmo praticado entre
irmãos adultos, continua um tabu. Para Sigmund Freud, esse tabu é fundamental
para a vida humana na civilização. O limite à sexualidade é o tributo que o ser
humano paga para poder viver em sociedade. Se não fosse assim, haveria briga
entre os irmãos pela mãe e pelas irmãs. Não haveria pacto social, nem haveria
lei.
A lei não é a única maneira de
manter uma sociedade funcionando. Existem também a moral e os bons costumes.
Lei, moral e bons costumes, no entanto, nunca impediram alguém a viver como bem
entende, ainda mais quando se trata da sexualidade. Será que a lei deve limitar
as expressões da sexualidade humana entre pessoas adultas? Será que pode
proibir práticas sexuais, por mais estranhas que sejam?
No Brasil, não há proibição
legal. Há o exercício da responsabilidade ao menos dos adultos decidirem como
viver a sexualidade. No entanto, a decisão do Conselho de Ética da Alemanha
reverbera também aqui. Tirar a sexualidade do campo da lei, da moral e dos bons
costumes e, portanto, da culpa, e colocá-la no campo da ética e da
responsabilidade íntima de cada pessoa singular é sábio. Quando recomenda a despenalização
de um aspecto da sexualidade que continua um tabu, o Conselho dá um importante
passo no campo do direito. Abandona a lógica da moral e da culpa contida na
construção jurídica. Fundamenta o direito na ética e na responsabilidade e abre
o direito para a pós-modernidade.
Dorothee Rüdiger é
psicanalista e doutora em Direito pela Universidade de São Paulo
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