O carnaval dos MadDays, máscara do real da loucura, por Jean-Daniel Matet
Há quinze anos, no mês de junho, o hipódromo de Longchamp acolhe osSolidays. É um encontro indispensávelde variedade musical, mas, sobretudo, um momento muito intenso de solidariedade em relação às pessoas acometidas pela AIDS. Ele chegou a reunir 170000 pessoas sensíveis a essa mescla de ação social e de divertimento musical. Há pelo menos quatro polos nessa ação:
- Ajudar: cada ano, as receitas do festival permitem financiar projetos de pesquisa e de solidariedade na França, assim como no exterior;
- Prevenir: revisar as questões inevitáveis da prevenção e da solidariedade através de animações lúdicas e didáticas;
- Mobilizar: jovens e menos jovens vêm em grande número cada ano, da França inteira, para encontrar os militantes, lhes prestar homenagem e testemunhar seu apreço profundo a uma solidariedade sem fronteiras;
- Defender: diante da virulência do flagelo, é primordial defender um acesso aos antirretrovirais interpelando governos e mídias.
Os ministérios (Comunicação, Juventude, Cultura), assim como numerosos parceiros privados, apoiam os Solidays. Esse modelo - associando os interessados atingidos pela AIDS, os militantes que defendem as medidas contra a AIDS e os profissionais, com o objetivo de levar os grandes projetos de pesquisa - se impôs. Ele modificou profundamente as relações da medicina com os doentes, assim como as relações com as tutelas. A enfatuação médica não tem mais lugar e as doenças estão associadas a projetos de pesquisa.
No mesmo esquema, os MadDays propõem nos conduzir, nos dias 10 e 11 de outubro através de circuitos artísticos para « um outro olhar sobre as doenças psíquicas » que atingiriam uma pessoa em cada 5 no curso de sua vida. A ameaça é acompanhada de uma predição da OMS: elas representarão, até o ano de 2020, a primeira causa de deficiências no mundo.
Os iniciadores dos MadDays desejam fazer dele um evento cultural, festivo e aberto a todos e solicitam o apoio financeiro das instituições culturais da Île de France mais importantes que se engajarão para colocar em foco as doenças psíquicas através de sua programação.
Mas deve-se estar satisfeito por ver que se atrai assim a atenção do público sobre os problemas da doença mental e de seus cuidados? Certamente, a ideia de cruzar os interesses artísticos e as questões ligadas aos sintomas psíquicos é excelente. A psicanálise, a arte bruta, não apostaram há cinquenta anos nos artistas enquanto que eles testemunham de sua solução quanto ao mal estar e seus sintomas, sendo o sintoma deles tomado como aquele de sua sociedade? Pode-se igualmente aprovar o projeto de associar as famílias, as associações de pacientes ou de ex-pacientes, à tentativa de lançar luz sobre o que está em jogo nessas patologias e em se encargar delas. E que a ARS esteja também concernida, isso não é surpreendente, já que ela se encarrega da psiquiatria sob todas as formas sanitárias, pública e privada, de seus estabelecimentos, mas também do setor médico-social, com um papel de controle do funcionamento e do financiamento dos estabelecimentos.
Mas muitas questões veem interrogar os termos desse apelo e sua finalidade.
Por ocasião dos Solidays, a solidariedade e os artistas são convocados para reunir fundos de apoio à pesquisa, com uma eficácia provada na descoberta de meios de luta contra os agentes virais e o desenvolvimento de campanhas muito pertinentes para vir em auxílio dos pacientes e restringir a contaminação.
A oposição do termo doença psíquica – que conservaria a inteligência – àquele de doença mental seria barroca se ela não recobrasse um fundo de hostilidade às práticas psiquiátricas supostas estarem a cargo das doenças mentais.
Seria necessário tomar por conta de um certo desbussolamento generalizado o fato de que as estruturas de cuidados, os cuidadores «psi» não sejam representados senão por sua instância tutelar (ARS) ? ou trata-se de uma vontade deliberada de varrê-los do mapa? A Unafam, associação das famílias, menciona os sindicatos de psiquiatras como simples parceiros nos procedimentos diante dos poderes públicos.
Os desacordos nos tratamentos e nos cuidados entre os trabalhadores psiquiátricos, as famílias e os pacientes não seriam inerentes ao tipo mesmo dos sintomas que eles tratam?Em nenhum caso esses desacordos podem se tornar pretexto para desconhecer o ponto de vista do outro. A expertise, em numerosos domínios médicos, é agora confiada àquele que não conhece a questão, pelo fato de que os conflitos de interesse são temidos. É assim que a verdade é esperada da avaliação e do próprio doente numa negação daquilo que seria sua demanda.
Que um paciente dê mais importância para seus sintomas do que para si mesmo, eis o que sempre provoca escândalo pelo fato de que ele não se submeteria ao bem que o outrolhe deseja. É aproximando da questão do sujeito dessa maneira que a psicanálise, baseada na experiência daquele que aí se submete, pode escutar a complexidade dessas situações. Não basta querer mudar as mentalidades, tal como certos psiquiatras sonharam, para tocar o real daquilo que torna você louco.
Por falta de meios humanos, por falta de estruturas adequadas para acolher os pacientes acometidos por sintomas psíquicos, pode ser tentador modificar a perspectiva sobre a loucura, confiar um pouco mais ao meio que cerca cada um o cuidado de encarar os problemas de seus próximos, até negar a pertinência de uma abordagem específica. O filme de Mariana Otero, A céu aberto, encontraria seu lugar nesses MadDays, se o projeto, como eu o temo, não fosse o de fazer esquecer o mais real daquilo que está em jogo no sintoma e que torna deficiente o paciente quanto mais o trabalho sobre o sintoma é negligenciado. Modificar os comportamentos não se improvisa e não é uma questão de opinião sobre a loucura. O real que está em jogo na obra de arte não deve servir de anteparo para essa questão essencial.
O termo de vida psíquica passou atualmente para o discurso sem que nos interroguemos sobre essa psique que se distinguiria do corpo. O fato de que o pensamento seja perturbado, nos sintomas que a abordagem neurológica é insuficiente para definir, não implica em que a psique suplante o mental enquanto que ele concerne tanto o corpo quanto o espírito daquele que se queixa disso.
Lembremo-nos da função dos carnavais nas sociedades da idade média, mas não apostemos que os regozijos públicos, mesmo que eles sejam « dias de loucura », tratem sem o esforço de levar em conta o real pela palavra os sintomas que tocam ao laço social.
Uma família para todos…, a crônica de HélèneBonnaud
Com efeito, o casamento entre pessoas do mesmo sexo introduz imediatamente a questão da procriação. Os casais de mulheres e os casais de homens querem cada vez mais fundar uma família, e a criança é o objeto essencial, primordial para realizá-la. Nesse sentido, o casamento homossexual era a primeira etapa em direção a esse processo de normalização dos casais homossexuais diante dos casais heterossexuais. Esses efeitos negativos podem ser interpretados como um recuo ligado ao modo pelo qual os partidários do « Casamento para todos »[1], que se reuniram na rua no domingo, 5 de outubro, em Paris e em Bordeaux, para dizer do seu descontentamento quanto à política da família atual e a questão da GPA, e têm peso na vida política.
Ora, Manuel Vals acaba de declarar, numa entrevista ao jornal La Croix, que a GPA é proibida na França. Isso deveria encerrar o debate ou, pelo menos lhe opor uma certa reserva. O primeiro ministro pretende mesmo, fazer nas próximas semanas, « a promoção de uma iniciativa internacional que poderia desembocar, por exemplo, no fato de que os países que autorizam a GPA não concedam o benefício desse modo de procriação às pessoas que se originam de países que a proíbem ». (1) Os manifestantes deveriam se regozijar com isso. A GPA seria não apenas proibida na França, mas os franceses seriam proibidos de GPA fora da França, nos países que a praticam e a permitem, como os USA, a Grã-Bretanha, etc.
Isso é tão lamentável vindo de Manuel Vals que a Corte europeia dos direitos humanos condenou a França, em junho de 2014, por não ter querido dar a nacionalidade francesa a crianças nascidas por GPA nos Estados Unidos.
Libération(2) entrevistava os célebres pais Mennesson, pais de gêmeas nascidas graças a uma mãe de aluguel, que lutam há anos para que o Estado dê uma carteira de identidade francesa para suas filhas e esse direito deveria agora lhes ser acordado. Mas Manuel Vallscoloca numa posição perigosa essa obrigação, no entanto, necessária, de defesa do « interesse superior da criança».
Mesmo que essa abertura tenha limites e que ela não garanta os efeitos de um nascimento por procuração, ela indica, sobretudo, a potência do desejo de filho, este podendo conduzir a um excesso de amor e de proteção, mais do que à sua rejeição. Para a criança, a sexualidade e a obtenção de um filho não convergem. Ela não pode imaginar as relações sexuais entre seus pais, nem que ela é o seu produto. É um impossível. Quando ela cresce e começa a vislumbrar alguma coisa do desejo sexual no casal parental, lhe é necessário afrontar essa revelação. Numerosos sujeitos em análise testemunham o horror dessa descoberta.
Nada, portanto, nos permite afirmar que haja uma boa maneira de se situar diante desse gozo substitutivo. Ter um filho é uma delas. Há um gozo em realizar esse desejo. E é finalmente o de que se trata sempre para a criança, saber se ela foi ou não o fruto do desejo daqueles que a educam, cuidam, lhe falam, a amam. Para o resto, haverá belas histórias para contar como isso se realizou... o que Lacan já havia notado: « A relação sexual fica entregue ao aleatório do campo do Outro. Fica entregue às explicações que se lhes deem.» (5)
Notas:
A céu aberto de Mariana Otero na Espanha, por Vilma Coccoz
No próximo dia 24 de outubro ocorrerá o lançamento nacional na Espanha do documentário A céu aberto realizado por Mariana Otero. Duas projeções em pré-estreia estão igualmente previstas: em Barcelona, no dia 16 de outubro, e em Madri, com a presença da diretora, no dia 17 de outubro (1). A bela acolhida desse filme na França, na Bélgica, na Bulgária, na Colômbia, e os elogios da crítica e do público permitem pensar que será a ocasião de participar de um verdadeiro acontecimento. Por duas razões: trata-se de uma imensa obra de arte e é também a primeira vez na história do movimento psicanalítico que uma instituição abre suas portas para uma câmera, aceitando que a vida seja filmada tal como ela ali se desenrola.
Mariana Otero queria fazer um filme sobre a loucura para compreender como aqueles chamados de « loucos » veem o mundo. Mas os lugares que ela havia visitado antes de conhecer o Courtil a condenavam a um olhar exterior. Os educadores permaneciam fora de seu alcance, estrangeiros às questões que ela formulava. O abismo era intransponível.
Com o Courtil, Mariana teve um verdadeiro encontro: ela iniciou um percurso pessoal e artístico que deu lugar a uma peça única de cinema e de psicanálise. A céu aberto é o resultado desse encontro de uma artista, impulsionada por uma interrogação tão crucial quanto íntima, com um discurso, e que compreendeu que essa instituição conduz à realização, no real, do discurso analítico de orientação lacaniana. Ali, o tratamento dessas crianças que não se inscrevem no discurso comum, por causa das exigências de seus sintomas, é tecido no cotidiano pelos interventores, num dispositivo original inventado por Antonio Di Ciaccia e que Jacques-Alain Miller qualificou de « prática feita por vários ». A prática feita por vários não é um método, nem tampouco um programa, mas uma experiência coletiva destinada a socorrer aqueles que não podem se virar sozinhos com o real da existência, com os fenômenos que invadem seus corpos, seu pensamento, suas relações com os outros.
Fazer um documentário bem sucedido em mostrar a maneira como cada uma das crianças é tratada em sua singularidade, como um enigma cuja decifração abre as portas a uma solução nova, viável graças ao apoio e ao socorro daqueles que aí intervêm, pressupunha que se filmasse de uma maneira diferente. Mariana Otero a princípio se incorporou à equipe do Courtil e quando finalmente decidiu fazer o filme, ela concebeu uma maneira de carregar a câmera de modo a fazer corpo com a câmera, a se tornar um corpo-câmera.
Ela também renunciou ao engenheiro de som, carregando ela própria o microfone. Inserida no cotidiano, sua presença se tornou familiar, seu olhar através da câmera não era mais estrangeiro para as crianças.
A céu aberto é o relato do percurso de algumas crianças na instituição durante três meses, durante os quais se percebem mudanças nos sofrimentos infantis, no ritmo das intervenções das crianças e dos adultos. Os últimos, leitores de Lacan, refletem a partir das descobertas de cada um e discutem finezas do discurso das crianças das quais eles se ocupam. Seguimos com eles seus encaminhamentos durante as reuniões de trabalho, as trocas com um analista de referência. No Courtil, a vida está aí, deseja-se saber, se inventa, se respeita a diferença.
A céu aberto é uma experiência do olhar, um outro olhar, aquele de Mariana Otero, que se vale de momentos preciosos, porque ela não filma essas crianças para mostrá-las, mas para que se possa, graças a essa mídia que ela utiliza com tato, compreender algo de sua língua privada. Cada um de nós, espectadores do filme, é convocado a acompanhar Mariana em seu percurso e participar de sua extrema delicadeza, de sua sensibilidade requintada.
Um livro essencial, ao qual se deu o mesmo título, se emparelha com o filme. Nesse livro, descobre-se, através das entrevistas com os fundadores do Courtil, como ele foi concebido, como ele é organizado, seus fundamentos teóricos e, na última parte, os detalhes da filmagem.
O dia 24 de outubro é um dia de festa para o Campo Freudiano e para todos aqueles que abordam os sofrimentos infantis com o rigor clínico necessário, fundado sobre a convicção de que uma outra maneira de tratar os sintomas e « a loucura » é possível.
Tradução do espanhol: AzucenaBombín
1 : Barcelona, 16 de outubro no cinema Boliche, 20h - Madri, 17 de outubro no cinemaArtisticMetropol, 20h
Tradução: Cristina Drummond
[1] O movimento "Manif pour tous".
A ARS, Agência regional de Saúde de Île-de-France, associada à FNAPSY (Federação nacional das associações de usuários de psiquiatria) e à UNAFAM (União nacional de famílias e amigos de pessoas doentes e/ou deficientes psíquicos), organiza os MadDays (1), dois dias de manifestações culturais a fim «de fazer evoluir os comportamentos em relação às pessoas que são acometidas por "doenças psíquicas"». Os festivais e outras manifestações, sustentando tal ou tal causa, se generalizaram a partir do grande modelo da festa da Humanidade. No domínio sanitário, os Solidays se destacaram, depois do Téléthon e da Sidaction.
Há quinze anos, no mês de junho, o hipódromo de Longchamp acolhe osSolidays. É um encontro indispensávelde variedade musical, mas, sobretudo, um momento muito intenso de solidariedade em relação às pessoas acometidas pela AIDS. Ele chegou a reunir 170000 pessoas sensíveis a essa mescla de ação social e de divertimento musical. Há pelo menos quatro polos nessa ação:
- Ajudar: cada ano, as receitas do festival permitem financiar projetos de pesquisa e de solidariedade na França, assim como no exterior;
- Prevenir: revisar as questões inevitáveis da prevenção e da solidariedade através de animações lúdicas e didáticas;
- Mobilizar: jovens e menos jovens vêm em grande número cada ano, da França inteira, para encontrar os militantes, lhes prestar homenagem e testemunhar seu apreço profundo a uma solidariedade sem fronteiras;
- Defender: diante da virulência do flagelo, é primordial defender um acesso aos antirretrovirais interpelando governos e mídias.
Os ministérios (Comunicação, Juventude, Cultura), assim como numerosos parceiros privados, apoiam os Solidays. Esse modelo - associando os interessados atingidos pela AIDS, os militantes que defendem as medidas contra a AIDS e os profissionais, com o objetivo de levar os grandes projetos de pesquisa - se impôs. Ele modificou profundamente as relações da medicina com os doentes, assim como as relações com as tutelas. A enfatuação médica não tem mais lugar e as doenças estão associadas a projetos de pesquisa.
No mesmo esquema, os MadDays propõem nos conduzir, nos dias 10 e 11 de outubro através de circuitos artísticos para « um outro olhar sobre as doenças psíquicas » que atingiriam uma pessoa em cada 5 no curso de sua vida. A ameaça é acompanhada de uma predição da OMS: elas representarão, até o ano de 2020, a primeira causa de deficiências no mundo.
Os iniciadores dos MadDays desejam fazer dele um evento cultural, festivo e aberto a todos e solicitam o apoio financeiro das instituições culturais da Île de France mais importantes que se engajarão para colocar em foco as doenças psíquicas através de sua programação.
Mas deve-se estar satisfeito por ver que se atrai assim a atenção do público sobre os problemas da doença mental e de seus cuidados? Certamente, a ideia de cruzar os interesses artísticos e as questões ligadas aos sintomas psíquicos é excelente. A psicanálise, a arte bruta, não apostaram há cinquenta anos nos artistas enquanto que eles testemunham de sua solução quanto ao mal estar e seus sintomas, sendo o sintoma deles tomado como aquele de sua sociedade? Pode-se igualmente aprovar o projeto de associar as famílias, as associações de pacientes ou de ex-pacientes, à tentativa de lançar luz sobre o que está em jogo nessas patologias e em se encargar delas. E que a ARS esteja também concernida, isso não é surpreendente, já que ela se encarrega da psiquiatria sob todas as formas sanitárias, pública e privada, de seus estabelecimentos, mas também do setor médico-social, com um papel de controle do funcionamento e do financiamento dos estabelecimentos.
Mas muitas questões veem interrogar os termos desse apelo e sua finalidade.
Por ocasião dos Solidays, a solidariedade e os artistas são convocados para reunir fundos de apoio à pesquisa, com uma eficácia provada na descoberta de meios de luta contra os agentes virais e o desenvolvimento de campanhas muito pertinentes para vir em auxílio dos pacientes e restringir a contaminação.
Quanto aos organizadores dos MadDays, eles não buscam encontrar meios financeiros, apesar de eles fazerem profundamente falta no serviço público, mas « fazer evoluir os comportamentos em relação a pessoas que são acometidas por doenças psíquicas ». Isso é muito parece em todos os programas de humanização dos serviços públicos, como se a potência pública buscasse evitar as reprovações que poderiam ser feitas a ela quanto à carência de seus serviços.
A oposição do termo doença psíquica – que conservaria a inteligência – àquele de doença mental seria barroca se ela não recobrasse um fundo de hostilidade às práticas psiquiátricas supostas estarem a cargo das doenças mentais.
Seria necessário tomar por conta de um certo desbussolamento generalizado o fato de que as estruturas de cuidados, os cuidadores «psi» não sejam representados senão por sua instância tutelar (ARS) ? ou trata-se de uma vontade deliberada de varrê-los do mapa? A Unafam, associação das famílias, menciona os sindicatos de psiquiatras como simples parceiros nos procedimentos diante dos poderes públicos.
Os desacordos nos tratamentos e nos cuidados entre os trabalhadores psiquiátricos, as famílias e os pacientes não seriam inerentes ao tipo mesmo dos sintomas que eles tratam?Em nenhum caso esses desacordos podem se tornar pretexto para desconhecer o ponto de vista do outro. A expertise, em numerosos domínios médicos, é agora confiada àquele que não conhece a questão, pelo fato de que os conflitos de interesse são temidos. É assim que a verdade é esperada da avaliação e do próprio doente numa negação daquilo que seria sua demanda.
Que um paciente dê mais importância para seus sintomas do que para si mesmo, eis o que sempre provoca escândalo pelo fato de que ele não se submeteria ao bem que o outrolhe deseja. É aproximando da questão do sujeito dessa maneira que a psicanálise, baseada na experiência daquele que aí se submete, pode escutar a complexidade dessas situações. Não basta querer mudar as mentalidades, tal como certos psiquiatras sonharam, para tocar o real daquilo que torna você louco.
Por falta de meios humanos, por falta de estruturas adequadas para acolher os pacientes acometidos por sintomas psíquicos, pode ser tentador modificar a perspectiva sobre a loucura, confiar um pouco mais ao meio que cerca cada um o cuidado de encarar os problemas de seus próximos, até negar a pertinência de uma abordagem específica. O filme de Mariana Otero, A céu aberto, encontraria seu lugar nesses MadDays, se o projeto, como eu o temo, não fosse o de fazer esquecer o mais real daquilo que está em jogo no sintoma e que torna deficiente o paciente quanto mais o trabalho sobre o sintoma é negligenciado. Modificar os comportamentos não se improvisa e não é uma questão de opinião sobre a loucura. O real que está em jogo na obra de arte não deve servir de anteparo para essa questão essencial.
Lembremo-nos da função dos carnavais nas sociedades da idade média, mas não apostemos que os regozijos públicos, mesmo que eles sejam « dias de loucura », tratem sem o esforço de levar em conta o real pela palavra os sintomas que tocam ao laço social.
Casais e GPA
Uma família para todos…, a crônica de HélèneBonnaud
Se a atualidade em torno da família não cessa de se ampliar desde setembro, o nascimento das crianças por GPA (Gestação por outrem) continua a produzir efeitos negativos na classe política que, entretanto, votou a lei a favor do casamento homossexual.
Com efeito, o casamento entre pessoas do mesmo sexo introduz imediatamente a questão da procriação. Os casais de mulheres e os casais de homens querem cada vez mais fundar uma família, e a criança é o objeto essencial, primordial para realizá-la. Nesse sentido, o casamento homossexual era a primeira etapa em direção a esse processo de normalização dos casais homossexuais diante dos casais heterossexuais. Esses efeitos negativos podem ser interpretados como um recuo ligado ao modo pelo qual os partidários do « Casamento para todos »[1], que se reuniram na rua no domingo, 5 de outubro, em Paris e em Bordeaux, para dizer do seu descontentamento quanto à política da família atual e a questão da GPA, e têm peso na vida política.
Ora, Manuel Vals acaba de declarar, numa entrevista ao jornal La Croix, que a GPA é proibida na França. Isso deveria encerrar o debate ou, pelo menos lhe opor uma certa reserva. O primeiro ministro pretende mesmo, fazer nas próximas semanas, « a promoção de uma iniciativa internacional que poderia desembocar, por exemplo, no fato de que os países que autorizam a GPA não concedam o benefício desse modo de procriação às pessoas que se originam de países que a proíbem ». (1) Os manifestantes deveriam se regozijar com isso. A GPA seria não apenas proibida na França, mas os franceses seriam proibidos de GPA fora da França, nos países que a praticam e a permitem, como os USA, a Grã-Bretanha, etc.
Admitamos que essa declaração seja puramente oportunista, de tanto que parece improvável que se possa recusar, em nossa época, aos cidadãos franceses, viajar e utilizar o direito de outros países para obter essa possibilidade de ter um filho por GPA.
Isso é tão lamentável vindo de Manuel Vals que a Corte europeia dos direitos humanos condenou a França, em junho de 2014, por não ter querido dar a nacionalidade francesa a crianças nascidas por GPA nos Estados Unidos.
Libération(2) entrevistava os célebres pais Mennesson, pais de gêmeas nascidas graças a uma mãe de aluguel, que lutam há anos para que o Estado dê uma carteira de identidade francesa para suas filhas e esse direito deveria agora lhes ser acordado. Mas Manuel Vallscoloca numa posição perigosa essa obrigação, no entanto, necessária, de defesa do « interesse superior da criança».
Pequeno passo atrás. Quando as crianças nasceram em países que permitem a GPA, suas certidões de nascimento mencionam simplesmente os nomes das duas pessoas que formam o casal que recorreu a esse método. Ora, os opositores à GPA exigem que se recorte a filiação em função do biológico.Se o esperma do pai biológico está na origem da concepção da criança, ele será reconhecido como pai, mas a mãe que não forneceu seu óvulo deverá adotar a criança. Tudo se complica, portanto, quando se busca a prova da paternidade e da maternidade das crianças. Haverá frequentemente um pai biológico e um pai adotivo, - o que poderá ser uma verdadeira dilaceração no caso de separação e de novo fazer do pai adotivo um sub-pai, enquanto que, há muitos anos, considera-se a adoção como uma parentalidade com plenos direitos. Então por que, subitamente, querer diferenciar o pai biológico do pai adotivo? Trata-se simplesmente de utilizar o real da biologia como um argumento em desfavor do reconhecimento dos filhos nascidos fora do enquadramento estrito das relações heterossexuais. Os avanços da ciência encontram seu limite na resposta do direito que proibiria que a certidão de nascimento reconhecesse casais homossexuais como pais, qualquer que seja a modalidade de fabricação de seu filho.
Por que o direito deveria se imiscuir nas relações de um casal casado, de um casal que decide ter um filho, e que deseja educá-lo ? As problemáticas que poderiam surgir do modo peloqual um filho foi concebido decorrem da vida privada, e ninguém pode pretender saber, atualmente, quais poderiam ser os efeitos disso. Nem mesmo a psicanálise, defendendo, sobretudo, o lugar e a função parental na estrutura familiar, pode antecipar as dificuldades próprias à procriação por GPA. Por quê? Porque os filhos nascidos de GPA são frequentemente filhos nascidos de casais desejantes e responsáveis.
Mesmo que essa abertura tenha limites e que ela não garanta os efeitos de um nascimento por procuração, ela indica, sobretudo, a potência do desejo de filho, este podendo conduzir a um excesso de amor e de proteção, mais do que à sua rejeição. Para a criança, a sexualidade e a obtenção de um filho não convergem. Ela não pode imaginar as relações sexuais entre seus pais, nem que ela é o seu produto. É um impossível. Quando ela cresce e começa a vislumbrar alguma coisa do desejo sexual no casal parental, lhe é necessário afrontar essa revelação. Numerosos sujeitos em análise testemunham o horror dessa descoberta.
Eles não querem saber que são a resultante do ato sexual de seus pais. É por isso que tudo o que concerne o real da reprodução é possivelmente traumático para a criança.
Durante muito tempo,temeu-se anunciar aos filhos adotivos que eles não eram filhos biológicos de seus pais; amanhã se temerá dizer-lhes que eles nasceram por GPA. O traumático não se situa na modalidade da concepção, mas no discurso que porta o traço do fato de que o sexo está concernido nele. Lacan o formula no seminário 11, quando ele indica que «o sujeito nasce no que, no campo do Outro, surge o significante». Mas ele acrescenta que a pulsão «presentifica a sexualidade no inconsciente e representa, em sua essência, a morte» e que «dessa conjunção do sujeito no campo da pulsão com o sujeito tal como ele se evoca no campo do Outro, desse esforço para se reunir, depende que haja um suporte para aganzeSexualstrebung».(3) Não há pulsão sexual total, o que Lacan escreveu com a célebre fórmula, «não há relação sexual». Isso significa que não há um gozo sexual localizado no encontro sexual. J.-A. Miller nos dá sua leitura disso: «A teoria do gozo comporta que aquilo que nos é dado de gozo, não convém à relação sexual, e é por isso que o gozo faz sinthoma. O sinthoma de Lacan é o sintoma, simplesmente é o sintoma generalizado; é o sintoma enquanto que não há pulsão sexual total; isso faz sintoma, mas é um sintoma, se posso dizer, irremediável. Por causa disso, no curso dessa série do gozo substitutivo corre uma metonímia. As maravilhosas transformações da libido que Freud pôde detalhar encontram aqui seu lugar – simplesmente, elas não se acabam, elas não se enlaçam numa totalidade unitária.» (4)
Nada, portanto, nos permite afirmar que haja uma boa maneira de se situar diante desse gozo substitutivo. Ter um filho é uma delas. Há um gozo em realizar esse desejo. E é finalmente o de que se trata sempre para a criança, saber se ela foi ou não o fruto do desejo daqueles que a educam, cuidam, lhe falam, a amam. Para o resto, haverá belas histórias para contar como isso se realizou... o que Lacan já havia notado: « A relação sexual fica entregue ao aleatório do campo do Outro. Fica entregue às explicações que se lhes deem.» (5)
Notas:
1 : http://www.lexpress.fr/actualite/societe/famille/gpa-valls-s-oppose-a-la-reconnaissance-des-enfants-nes-de-meres-porteuses-a-l-etranger_1607578.html?xtor=RSS-3011&google_editors_picks=true
2 : «Nós chamamos para um verdadeiro debate sobre a GPA, não para uma guerra de trincheiras», Libération de segunda-feira, 29 de setembro de 2014, p. 14.
3 : Lacan J., O seminário, Livro 11, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, RJ, Jorge Zahar, 1985, p.187-188.
4 : Miller J.-A, «Choses de finesse en psychanalyse», L'orientation lacanienne, aula de 3 de junho de 2009, inédito.
5 : Lacan J., Ibid., p. 188.
A céu aberto de Mariana Otero na Espanha, por Vilma Coccoz
No próximo dia 24 de outubro ocorrerá o lançamento nacional na Espanha do documentário A céu aberto realizado por Mariana Otero. Duas projeções em pré-estreia estão igualmente previstas: em Barcelona, no dia 16 de outubro, e em Madri, com a presença da diretora, no dia 17 de outubro (1). A bela acolhida desse filme na França, na Bélgica, na Bulgária, na Colômbia, e os elogios da crítica e do público permitem pensar que será a ocasião de participar de um verdadeiro acontecimento. Por duas razões: trata-se de uma imensa obra de arte e é também a primeira vez na história do movimento psicanalítico que uma instituição abre suas portas para uma câmera, aceitando que a vida seja filmada tal como ela ali se desenrola.
Mariana Otero queria fazer um filme sobre a loucura para compreender como aqueles chamados de « loucos » veem o mundo. Mas os lugares que ela havia visitado antes de conhecer o Courtil a condenavam a um olhar exterior. Os educadores permaneciam fora de seu alcance, estrangeiros às questões que ela formulava. O abismo era intransponível.
Com o Courtil, Mariana teve um verdadeiro encontro: ela iniciou um percurso pessoal e artístico que deu lugar a uma peça única de cinema e de psicanálise. A céu aberto é o resultado desse encontro de uma artista, impulsionada por uma interrogação tão crucial quanto íntima, com um discurso, e que compreendeu que essa instituição conduz à realização, no real, do discurso analítico de orientação lacaniana. Ali, o tratamento dessas crianças que não se inscrevem no discurso comum, por causa das exigências de seus sintomas, é tecido no cotidiano pelos interventores, num dispositivo original inventado por Antonio Di Ciaccia e que Jacques-Alain Miller qualificou de « prática feita por vários ». A prática feita por vários não é um método, nem tampouco um programa, mas uma experiência coletiva destinada a socorrer aqueles que não podem se virar sozinhos com o real da existência, com os fenômenos que invadem seus corpos, seu pensamento, suas relações com os outros.
Fazer um documentário bem sucedido em mostrar a maneira como cada uma das crianças é tratada em sua singularidade, como um enigma cuja decifração abre as portas a uma solução nova, viável graças ao apoio e ao socorro daqueles que aí intervêm, pressupunha que se filmasse de uma maneira diferente. Mariana Otero a princípio se incorporou à equipe do Courtil e quando finalmente decidiu fazer o filme, ela concebeu uma maneira de carregar a câmera de modo a fazer corpo com a câmera, a se tornar um corpo-câmera.
Ela também renunciou ao engenheiro de som, carregando ela própria o microfone. Inserida no cotidiano, sua presença se tornou familiar, seu olhar através da câmera não era mais estrangeiro para as crianças.
A céu aberto é o relato do percurso de algumas crianças na instituição durante três meses, durante os quais se percebem mudanças nos sofrimentos infantis, no ritmo das intervenções das crianças e dos adultos. Os últimos, leitores de Lacan, refletem a partir das descobertas de cada um e discutem finezas do discurso das crianças das quais eles se ocupam. Seguimos com eles seus encaminhamentos durante as reuniões de trabalho, as trocas com um analista de referência. No Courtil, a vida está aí, deseja-se saber, se inventa, se respeita a diferença.
A céu aberto é uma experiência do olhar, um outro olhar, aquele de Mariana Otero, que se vale de momentos preciosos, porque ela não filma essas crianças para mostrá-las, mas para que se possa, graças a essa mídia que ela utiliza com tato, compreender algo de sua língua privada. Cada um de nós, espectadores do filme, é convocado a acompanhar Mariana em seu percurso e participar de sua extrema delicadeza, de sua sensibilidade requintada.
Um livro essencial, ao qual se deu o mesmo título, se emparelha com o filme. Nesse livro, descobre-se, através das entrevistas com os fundadores do Courtil, como ele foi concebido, como ele é organizado, seus fundamentos teóricos e, na última parte, os detalhes da filmagem.
O dia 24 de outubro é um dia de festa para o Campo Freudiano e para todos aqueles que abordam os sofrimentos infantis com o rigor clínico necessário, fundado sobre a convicção de que uma outra maneira de tratar os sintomas e « a loucura » é possível.
Cada um de nós, com esse filme, tem a chance de se tornar o porta-voz da mensagem dessas crianças. Quem quer que se ofereça a escutá-las, se mostra disposto a aprender os signos de sua língua privada, se interessa por suas múltiplas invenções para tecer um laço social, poderá ter a medida de seus esforços para escapar da exclusão social e da segregação.
Nós o convidamos a ver esse filme, a discuti-lo, a descobrir seus achados.E dizê-lo a todo mundo!
Nós o convidamos a ver esse filme, a discuti-lo, a descobrir seus achados.E dizê-lo a todo mundo!
Tradução do espanhol: AzucenaBombín
1 : Barcelona, 16 de outubro no cinema Boliche, 20h - Madri, 17 de outubro no cinemaArtisticMetropol, 20h
Tradução: Cristina Drummond
Comunicação: Maria Cristina Maia Fernandes
[1] O movimento "Manif pour tous".
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