16 de setembro de 2009







Sessão de Cinema e Psicanálise

Nunca aos domingos
Jules Dassin


Dia 18 de setembro, às 20:00 hs, na Aliança Francesa de Natal


Ficha Técnica

Diretor: Jules Dassin Roteiro: Jules Dassin Fotografia: Jacques Natteau
Música: Manos Hadjidakis


Elenco

Melina Mercouri (Ilya)
Jules Dassin (Homer Thrace)
George Foundas (Tonio)
Titos Vandis (Jorgo)
Mitsos Liguisos (Capitão)
Despo Diamantidou (Despo)
Dimos Starenios (Poubelle)
Alexis Solomos (Noface) Dimitris Papamichael (Marujo)

Premiações: Vencedor do Oscar de Melhor Canção Original

Comentário


Um elemento atravessa esse filme divertido e de trama aparentemente simplista: a ironia do diretor-roteirista, Jules Dassin. Esta ironia, presente desde o início, subverte a perspectiva do filme, tal como acontece nos atos falhos e nos chistes. Através de detalhes, como a sátira, o diretor revela que os discursos filosóficos entusiastas encobrem uma outra coisa, tentam elidir o desejo. O recurso utilizado por Jules Dassin ao mostrar ao longo do filme o barulho frenético da caixa registradora é um outro detalhe satírico que introduz uma marca significante na satisfação da quebra de copos nas seqüências de dança grega.

A cena de abertura já nos mostra os vários elementos que se entrelaçam nesta trama.
Um navio aporta no Porto de Pireus, região metropolitana de Atenas. Ilya(da) é uma prostituta e gosta bastante do seu ofício.

Homer(o) Thrace, filósofo americano, está chegando à Grécia em busca de algo que lhe falta... na explicação dada pelos historiadores para o declínio da Grécia . Como um país que era o berço da cultura, portanto um país feliz, pode entrar em franco declínio? – pergunta-se Homer. A cultura e a busca da verdade equivaleriam para ele ao passaporte para a felicidade, tal como fora o caminho percorrido por Aristóteles, Sócrates e Platão. A felicidade estaria na própria busca da verdade. O que falta mesmo a Homer? Por que uma experiência pessoal na Grécia iria completar essa falta? Por que a salvação de Ilya passa a ser a sua meta? É isso que vai desmontando passo a passo o que o discurso filosófico encobria.

O título, Nunca aos Domingos, é uma referência ao dia de jornadas abertas para os amigos, o dia de folga de Ilya, mas ela também usa essa expressão a cada vez que Tonio, um marinheiro italiano, fica meloso, fala de amor ou propõe exclusividade. Não. Ilya não se escraviza ao cafetão chamado ‘Sem Rosto’, nem ao amor de Tonio, nem às amarras do mundo civilizado, representado por Homer. Parece fantasiar que ama cada homem que deita na sua cama. É também na cama que ela aprende inglês, francês, italiano, espanhol.

Um grego de Creta dança o zebékiko, uma dança solitária em que o homem expõe a sua alma, no bar do porto. Entretanto o barulho da caixa registradora contabiliza os copos quebrados durante a dança. Um, dois, três, quatro, cinco, seis copos, seis vezes a máquina registradora acompanha o estilhaçar dos copos. Isto não passa despercebido a Lacan, que comenta o filme no final do Seminário sobre a Ética. O gozo é contabilizado, o que quer dizer que passa pela máquina significante, que dá um contorno a ele. No filme, os gregos vivem imersos no prazer. Ao contabilizar os copos, fazendo com que paguem por eles, o gozo experimentado ali dá lugar ao desejo.
A máquina registradora também contabiliza vários copos, até uma bandeja de copos para Homer. “O personagem, que nos é apresentado como maravilhosamente ligado à imediatez dos seus sentimentos pretensamente primitivos, põe-se a quebrar a cara daqueles que o circundam por não terem falado de maneira conveniente, isto é, segundo as suas normas morais. Em outros momentos ele bebe um copo para marcar o excesso do seu entusiasmo e de sua satisfação, e o estilhaça no chão. Cada vez que um desses estrondos se produz, vemos a caixa registradora se agitar freneticamente. Acho isso muito bonito, e até mesmo genial”, diz Lacan.. E ainda: “O que faz com que exista desejo humano é a suposição de que tudo o que ocorre de real é contabilizado em algum lugar.”

Encantado, Homer aplaude, o que lhe rende o primeiro mal-entendido e o primeiro olho roxo. Ele tenta explicar em inglês, o outro responde em grego. É nesse momento que ele conhece Ilya. Ela traduz o mal entendido; ele, fascinado por Ilya, inventa que ela é a sua razão de estar na Grécia. O seu nariz grande e o seu senso moral fazem com que desloque essa fascinação para uma nobre causa: Ilya é um símbolo da Grécia decadente, infeliz e prostituída. Ele precisa salvá-la. Trará a verdade aos gregos e mais olhos roxos pra ele mesmo.

Com as suas verdades desastrosas ele deixa um pouco de infelicidade por onde passa. Ele quer salvar a verdade, mas esquece a sua. O capitão do navio lhe dá uma pista: ‘vejo que terá os olhos vendados por toda a sua vida.’ Ao mesmo tempo diz Jorgaki que Ilya tem fogo nos olhos e quem a olhar ficará cego’.

Ilya rejeita o que lhe parece triste e feio. Às tragédias gregas, como Medeia e Édipo, ela dá um final feliz. Medeia era uma santa. Nunca matou os seus filhinhos para atingir Jasão. Nada de incesto entre Édipo e Jocasta. Ele apenas gostava muito da sua mãezinha.

Homer se desespera. Ele quer que ela substitua a fantasia pela razão, a imoralidade pelo senso de moralidade. Em nome do bem de Ilya e da Grécia ele se dedica ao projeto de transformá-la.
Sem se dar conta, ele se torna o serviçal do cafetão ‘Sem Rosto’. Decai da posição de mestre à posição de empregado do homem de óculos escuros. Ele leva a cultura até Ilya, literalmente pela janela. Piano, livros, artes plásticas, música, filosofia. Ilya conhece a vergonha e um outro prazer através do conhecimento. Por outro lado perde um pouco da felicidade que experimentava ao ver o sol brilhando e esquentando a sua pele; também perde a felicidade que experimentava ao comer um pescado fresco.

O que a faz submeter-se, já que ela parecia tão feliz? Um diálogo vem mostrar também uma fissura naquela alegria quase sem bordas de Ilya, descortinando- se por trás de todo o primitivismo. Então ela pergunta: ‘Você pode fazer de mim uma mulher digna de ser amada?’
Entretanto, a proposta de reeducação de Ilya, tão a gosto dos americanos, é bancada pelo “Mestre dos Bordéis’ como Lacan se refere ao personagem, fadada por isso mesmo ao fracasso.
Homer torna-se um personagem em derrisão, cego no desconhecimento do próprio desejo.
Ao final, uma terceira alternativa se apresenta a Ilya e Homer ainda tenta reeducar um dos músicos intuitivos, o que lhe rende mais um olho roxo até desistir da sua imensa pretensão. Se Ilya consente em ser reeducada para ser uma mulher digna de ser amada, Homer consente com a verdade que ele tentava esconder: tudo o que ele queria era ter aquela mulher.

A música ganha o Oscar e o filme ganha várias indicações. Melina Mercouri e Jules Dassin são também indicados ao Oscar de melhor ator e melhor atriz. Ele é americano de Connecticut, filho de imigrantes russos. Foram casados na vida real. Expulso dos EUA na época do macarthismo, ele vai para a Inglaterra, mas também lá é perseguido. Filma na França e em seguida vai morar na Grécia. Melina Mercouri torna-se ministra da cultura na Grécia, seu país de origem.

Natal, 14 de setembro de 2009
Tereza Sampaio

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